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A IMPORTÂNCIA DE SER CÉTICO


Ao falarmos de ceticismo, muitas pessoas focam na definição do que é ser cético - aquele que não confia, duvida, desacredita. No entanto, por vezes, esquecem do mais importante - a razão para a descrença, a desconfiança e a dúvida - o entendimento de que o ser humano possui a inata incapacidade de produzir uma compreensão efetiva da realidade que o cerca. Portanto, ser cético é compreender que o gênero humano necessita de um mecanismo para a sistematização intelectual do conhecimento, com o qual se pode - e deve-se - questionar todas as supostas verdades que lhe são apresentadas ao longo de sua vida. Esse mecanismo é o método científico, e ele deve ser usado porque não só é muito mais eficaz na descrição da realidade objetiva do que as alternativas possíveis, mas também porque apresenta as melhores possibilidades de resolução dos problemas existentes.


Por outro lado, é comum encontrar a defesa de que o método científico seja apenas uma das incontáveis formas de se descrever o mundo, não sendo melhor do que outras maneiras de perceber a realidade - como a religiosidade, o misticismo, os saberes tradicionais ou até mesmo as ideologias. Afinal, diriam que toda forma de descrição da verdade é limitada e, como não existem verdades absolutas, apenas relativas, não se pode dizer qual é a mais adequada para descrever as mais variadas verdades relativas de cada indivíduo ou de cada grupo social. A ciência, por exemplo, falha em explicar os mistérios da consciência.


Neurocientistas já avançaram muito no estudo sobre processos neurais, mas nunca conseguiram resolver a questão da consciência: o que faz com que os processos físicos e químicos ativos em nossas redes neurais resultem no despertar da condição de viver, experienciar e sentir? Na impossibilidade (até então) da ciência prover uma resposta, a teoria de maior adesão é a de que, na verdade, todos possuímos um espírito, que corresponde ao nosso eu autêntico, a partir do qual percebemos e sentimos o mundo. No entanto, ao verificarmos a teoria, ela não apresenta nenhuma sustentação empírica. Não existe - e nunca foi documentado - absolutamente nada que indique a existência material de espíritos, nenhum traço energético ou amostragem. Porém, os que acreditam em espírito sempre responderão que ele não existe no mundo material, apenas em um campo espiritual, sobrenatural, e, portanto, não pode ser provado. Assim sendo, aquele que acredita na existência de espíritos o faz a partir de uma percepção do mundo que não pode ser contestada através do método científico.


Objetivamente, é uma crença tão fundamentada quanto a crença em pequenos duendes que vivem na floresta, ou seja, não é fundamentada em nada a não ser na percepção de indivíduos. O problema é que ser aberto a teorias como essa faz com que as pessoas sejam abertas a especulações que se encontram fora da sistematização científica do conhecimento e, portanto, não são possíveis de serem refutadas empiricamente, segue o exemplo. Muitas pessoas creem no espírito e acreditam que esse surge no momento da concepção. A muitas dessas pessoas não importam provas de que o feto não sente e não é consciente até o desenvolvimento do sistema nervoso para convencê-las de que o aborto deva ser permitido. Elas simplesmente são imunes a esse tipo de argumento científico porque acreditam em “outras verdades” que não podem ser cientificamente validadas.


Ser cético é, portanto - e acima de tudo - ser vulnerável. Significa sujeitar-se à prova, mesmo que essas abalem substancialmente tudo o que você entende como verdadeiro. É a disposição a ser refutado e, consequentemente, de aprimorar o que você já tem de conhecimento sistematizado. Em tempos atuais, sistemas de crenças invulneráveis ao empirismo estão crescendo nas bolhas virtuais - como a astrologia, o terraplanismo e o populismo - e o ceticismo se mostra cada dia mais necessário para que as pessoas sempre questionem o que lhes aparece como informação na internet e para que essas bolhas se tornem vulneráveis, ou seja, “estouráveis”.


Foto de capa: Fran Pulido


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