Estou esperando o ônibus no ponto de sempre, a dois quarteirões da minha casa. Olho para o céu e fico aliviada que não há nenhum sinal de chuva. Não espero nem cinco minutos e o ônibus laranja de todos os dias já chega. Entro no ônibus, cumprimento o motorista e depois o cobrador, passo a catraca e sento no fundo. O trajeto é sempre tão rápido, no máximo meia hora em um dia ruim. Vou olhando a paisagem até que o ônibus para e entram mais pessoas. Costumo sempre reparar em quem está entrando e nesse dia reparei em uma mulher. Ela deveria ter por volta de quarenta e tantos anos, estava com um coque alto, saia jeans na altura do joelho e, o que mais me chamou a atenção, estava usando sapatos roxos de verniz.
Ela tinha a aparência de cansada, tanto que assim que sentou logo encostou a cabeça no vidro e cochilou. E foi assim por uns dez minutos, até que o celular dela tocou. Ela atendeu e a pessoa do outro lado do telefone deve ter perguntado como ela estava. Como resposta, ela desabafou batendo os pés com os sapatos roxos e suspirando: “Bem não estou, já saio de casa com problema. Com marido bêbado, filho drogado, dura e endividada. Não tem como ninguém ficar bem.” Fiquei impactada com as palavras dela, mas antes que pudesse pensar muito sobre, logo chegou meu ponto e desci do ônibus.
Ao longo do dia fiquei pensando nas palavras que a mulher dos sapatos roxos havia dito. Refleti sobre como em uma frase de segundos ela conseguiu resumir anos de sofrimento. Ela sintetizou em uma frase o desespero de ter um marido alcoólatra, as noites não dormidas por ter um filho drogado e a constante preocupação das dívidas em meio à escassez financeira.
A realidade da mulher de sapatos roxos é também a de grande parcela populacional brasileira. De acordo com um mapeamento feito pela Unifesp, 8 milhões de brasileiros são dependentes de álcool e de drogas, sendo que 28 milhões de pessoas têm algum parente dependente químico. Além disso, um estudo realizado pela FEA-USP aponta que 71 milhões de brasileiros estão inadimplentes, representando 43% da população adulta do país, apresentando dívidas médias de R$ 4.500,00. Isso mostra o quanto essas temáticas realmente fazem parte do dia a dia de muitos cidadãos.
Não esperava que em mais um dia comum iria ouvir no ônibus uma frase que me fizesse refletir tanto a respeito da difícil realidade da população brasileira que enfrenta tantas mazelas sociais, multifacetadas e complexas, que demandam com urgência políticas públicas eficazes. Episódios como esse são importantes para ver que por trás das estatísticas existem pessoas e histórias, como a mulher de sapatos roxos no ônibus laranja.
Autoria: Giulia Lauriello
Revisão: André Rhinow
Imagem de capa: Pinterest
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