Um dos grandes desafios enfrentados hoje pela agenda ESG (sigla que, em inglês, significa Ambiental, Social e Governança Corporativa), segundo Fábio Alperowitch, é a superficialidade no debate sobre o assunto. Para o sócio-fundador da FAMA Investimentos, diversos fatores contribuem para esse fenômeno. Neste texto, tentarei apresentá-los e esclarecer suas origens, além dos rumos que estão sendo tomados e um possível e otimista cenário futuro que desvie desse revés, usando as lentes de Alperowitch.
Para entender a gênese do problema, é preciso levar em conta a cultura “americanocêntrica” que o povo brasileiro possui. A grande maioria das esferas que compõem a sociedade brasileira representam ecos da cultura americana. Os filmes, as músicas, os livros e outros produtos de mídia, são lapidados a partir dos moldes americanos e importados do país anglo-saxão, e com o mercado financeiro e corporativo não é diferente. O ESG vem se desenvolvendo na Europa há muito tempo, mas no Brasil esse avanço é alarmantemente mais lento, porque nos Estados Unidos não era uma pauta relevante. Na Europa, por exemplo, devido a sua extensão territorial, diversas empresas possuem trabalhadores de diferentes países que possuem culturas, línguas e valores díspares. Essa diversidade, portanto, é mais “normal”, melhor trabalhada e mais presente no cotidiano dos europeus quando comparada aos americanos, o que ilustra a liderança desses países no debate sobre ESG. Além disso, desde a primeira década do século XXI a agenda da sustentabilidade estava presente nas demandas e nos debates dos investidores europeus, entretanto, esse tema só passou a receber relevância considerável no Brasil em 2018 e 2019, incentivado pela política “anti-ESG” do governo Bolsonaro. Isso mostra que, enquanto os países europeus amadureciam o debate sobre ESG, o Brasil, acompanhando os EUA, não possuía forte envolvimento midiático e político no tema; ou seja, os holofotes tardaram em iluminar o assunto desse lado do Meridiano de Greenwich.
Até 2019, o tema ESG era uma pauta não somente negligenciada, como também interditada no mercado financeiro e corporativo, porque os investidores acreditavam que essa era uma pauta ideológica e, por isso, não encontrava espaço dentro do mercado. Assim sendo, formou-se um hiato de conhecimento dentro da bolha do mercado de capitais durante muito tempo. Todavia, esse é um assunto complexo, profundo, amplo e denso, que quando atinge o Brasil, encontra um mercado absolutamente cru em termos de conhecimento. A consequência desse vácuo de conhecimento de mais de 30 anos é o reducionismo. O ESG no Brasil é um ESG reducionista, maquiado, incompleto, superficial, celebratório, pouco crítico e distante do verdadeiro ESG. E, uma vez que as comunidades financeiras e corporativas entendem o ESG simplista como o verdadeiro ESG, a sociedade acaba abreviando o tema e tratando só da ponta do iceberg dele.
Com isso, hoje no Brasil desenvolvemos uma visão de ESG “carbonocêntrico”: basta que uma empresa seja carbono neutra para ser reconhecida como responsável. No limite, corremos o risco de nos deparar com situações em que a empresa possui trabalho escravo, mas é aplaudida por ser carbono neutra.
Além disso, nutrimos um olhar elitista para a pauta ESG, gerando a percepção de que seria custoso seguir boas práticas e, portanto, esse seria um comportamento restrito às empresas maiores, gerando um imobilismo nos pequenos e médios empreendimentos. Assim sendo, transferimos a responsabilidade às grandes empresas e cultivamos a esperança de que os maiores atores do cenário corporativo encaminharão a problemática ambiental. Entretanto, entre as maiores empresas, há uma melhoria de discurso, mas não necessariamente uma melhoria nas práticas. Os grandes empreendimentos já sinalizaram o interesse de parecerem responsáveis, pois sabem que a imagem corporativa é uma nova demanda dos consumidores do segundo milênio. Porém, da porta para dentro, raramente as empresas têm de fato atacado as questões fundamentais. Dito de outra forma, os grandes negócios vestem uma máscara que transmite uma boa impressão ao mercado, mas que esconde um rosto rico em greenwashing. Isso cria uma dificuldade em entender se uma empresa está sendo genuína em suas ações ou não.
Isso posto, vemos que a agenda ESG é uma questão de princípios, ou seja, ninguém desenvolve a visão simpática ao meio ambiente se não for educado para tal desde a base; ninguém se torna ambientalista da noite para o dia. Portanto, para as pessoas que não têm essa visão de uma maneira natural, a adoção de boas práticas acaba sendo um processo mecânico, contra-intuitivo e não autêntico. Com isso, é possível desenhar uma visão otimista para o futuro, já que, nas próximas décadas, a geração que estará presente no mercado de consumo, nas cadeiras e nas altas posições do mercado financeiro é uma geração que possui os valores do roteiro ESG enraizados em sua personalidade. Uma geração que se importa com o racismo, com as desigualdades de gênero e com a crueldade animal é uma geração que não necessita de uma cartilha a ser seguida e que possui o alinhamento às boas práticas como algo visceral.
Autoria: Pedro Biselli - GAIA (Grupo Acadêmico de Interesse Ambiental)
Revisão: Artur Santilli e Bruna Ballestero
Imagem de capa: Sítio Curupira
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