Como o empreendedorismo de impacto pode colaborar para a mitigação da pobreza menstrual. Este é o tema da coluna da Liga de empreendedorismo para a Gazeta Vargas, escrita por Kauanne Patrocino e Victor Froiman, venha conferir!
Quando se fala em saúde e higiene, há uma série de materiais que são considerados básicos ao ser humano. Isso é afirmado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas. O objetivo 3 (saúde e bem estar) propõe a articulação de condições de acesso à saúde da população aos três setores da sociedade: público, privado e social. Assim, faz-se indispensável o acesso a materiais de promoção à saúde e à higiene para todos. Entretanto, infelizmente, esse não é o caso dos absorventes femininos, já que, além do tabu em torno da menstruação, meninas e mulheres mais vulneráveis acabam por usar desde pano de chão até miolo de pão como substituto, por conta da falta do produto. Também, pela vergonha de sua condição menstrual, decidem faltar em seus compromissos, tais como escola e trabalho. No Brasil, a falta de acesso a esse item básico tem nome: pobreza menstrual.
Primeiramente, é importante lembrar que a forma negligente com a qual a saúde da menina e da mulher é tratada sistematicamente no Brasil não data de hoje. Durante muito tempo, falar sobre menstruação era um assunto que, na surdina, correspondia exclusivamente à mulher e à menina. Isso desencadeou preconceitos intergeracionais em torno do corpo feminino e dos seus processos biológicos. Exemplo disso são as correlações do senso comum em torno das expressões de raiva, estresse ou crítica da mulher e menina sobre algo ou alguém, que logo são associados ao seu período pré-menstrual, como se elas não pudessem ficar descontentes ou ter opinião, pois isso seria somente uma característica vinculada a um momento de alteração hormonal.
Não distante disso, quando a saúde da mulher e da menina são vistas pela ótica do recorte de classe, o acesso à saúde e à higiene básicas tornam-se “artigos de luxo”. Apesar da acessibilidade coletiva a preservativos e outros artigos relevantes à manutenção da saúde pública, a distribuição gratuita de absorventes femininos mantém-se obsoleta no debate público. Entretanto, essa posição política não condiz com os dados alarmantes sobre pobreza menstrual no território brasileiro. Segundo uma pesquisa online feita pela Sempre Livre, 26% das meninas entre 15 e 20 anos não possuem condições financeiras para comprar um absorvente e, em um contexto pandêmico, essa realidade tem sido intensificada com a diminuição de doações e oscilação de preços dos absorventes higiênicos.
Outrossim, é a evasão escolar de meninas mais vulneráveis economicamente quando estão menstruadas que interfere indiretamente em seu desenvolvimento acadêmico. De acordo com a mesma pesquisa online da Sempre Livre, meninas na faixa de 12 a 14 anos, o que confere a 22% da pesquisa, dizem não ter acesso a produtos confiáveis relacionados à menstruação porque não têm dinheiro ou porque não são vendidos perto de casa. Portanto, o acesso à educação das meninas nessa condição é precarizado, visto que, com a frequência de faltas e desmotivação decorrente de não obter meios de ir à escola sem absorvente, há uma grande probabilidade de prejuízo no futuro dessas meninas.
Falou-se muito sobre a relevância desse tema na sociedade. Mas, afinal, onde entra o empreendedorismo nessa história? Primeiro, é preciso pensar no porquê das pessoas decidirem empreender. Muitas vezes, por uma questão de sobrevivência, é necessário buscar um caminho alternativo, como ter o próprio negócio, para pagar as contas no final do mês e ter comida na mesa. Outras vezes, a busca pelo sucesso pessoal fala mais alto e uma ideia única é posta em prática para alterar o panorama de um certo mercado. Esta última, talvez, seja a visão mais comum do empreendedorismo no imaginário coletivo. Porém, o que acontece quando uma ideia única surge a partir da urgência em buscar soluções para problemas sociais? É aí que entra o empreendedorismo de impacto, finalidade principal dentro do Enactus na LEFGV. Nesta modalidade, o empreendedor identifica esses problemas e direciona toda a sua criatividade e desejo de inovar para gerar alguma transformação social, econômica e/ou ambiental.
Um projeto de empreendedorismo de impacto pode ajudar, e muito, a amenizar os problemas sociais e econômicos causados pela pobreza menstrual. Um exemplo incrível disso é o “Maria - absorvente íntimo”. Trata-se de um absorvente interno sustentável feito a partir de fibra de banana, idealizado pela estudante paranaense Rafaella de Bona Gonçalves. O produto foi idealizado a partir de um trabalho de faculdade, cujo objetivo era pensar em projetos para acabar com a pobreza. Além de ganhar um prêmio internacional de design, Rafaella quer fazer uma parceria com o poder público para que seu absorvente seja distribuído pela prefeitura às mulheres em situação de rua em Curitiba.
Inspirados pelo trabalho de Rafaella e vendo a relevância atual do tema, dentro e fora do ambiente da FGV, o Enactus desenvolveu baseado no ODS 1 - Erradicação da pobreza - o projeto “Ciclo 28''. O objetivo é trazer referências do design de fibra de banana do Maria, focando em um produto sustentável e de baixo custo de fabricação. Nesse caso, a fibra de banana é um material barato e biodegradável. Os absorventes seriam fabricados por costureiras de uma determinada comunidade, e a ideia é que a cada um vendido, dois sejam distribuídos gratuitamente dentro da mesma comunidade. Assim, gera-se renda, movimenta-se a economia local e mais meninas têm acesso ao produto. Além disso, o projeto conta com um acompanhamento educativo sobre o tema da menstruação. Não basta apenas distribuir os absorventes, é preciso ensinar o seu uso (quantas vezes trocar ao dia, por quanto tempo deixar etc.) e conscientizar a população de que a menstruação é um processo biológico natural e não deve ser tratado como tabu.
Ao se tratar de problemas como a pobreza menstrual, o empreendedorismo de impacto surge como um forte aliado, pois pode oferecer uma solução sustentável e barata, além de focar na conscientização sobre o tema e fazer economias locais girarem. O empreendedorismo, assim, também traz maneiras criativas de resolver problemas sociais, transforma o mundo e impacta, direta e indiretamente, a vida de todos.
Revisão: Guilherme Caruso
Imagem de capa: Marta Pucci/Reprodução Clue app
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