No dia 30 de outubro de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou o segundo turno das eleições presidenciais contra Jair Bolsonaro (PL) e se tornou o 39° presidente do Brasil. Lula ocupa, hoje, a cadeira presidencial pela terceira vez. O seu primeiro mandato, iniciado em 2003, engrenou em um segundo, que começou em 2007. Após quase uma década no cargo de presidente, escândalos de corrupção, condenações e 580 dias de prisão, o petista assume um país em colapso político, dividido e com sequelas de uma pandemia mal gerenciada.
Embora Lula tenha recebido apoio de grandes alas políticas e o voto da maioria da população, sua pequena vantagem em relação a Bolsonaro — foram 50,9% para o petista contra 49,1% para o ex-presidente — e, principalmente, sua agenda de caráter social-democrático preocuparam muitos porta-vozes do mercado financeiro e fundamentaram inúmeras declarações de temores e incômodos referentes ao presidente eleito.
Após mais de um mês da posse do candidato do Partido dos Trabalhadores, vale uma análise para além dos receios mercadológicos e que considere a opinião da parcela responsável pela maioria dos votos de Lula: a população mais pobre do Brasil.
A parcela mais carente da população brasileira representou uma parcela decisiva do eleitorado durante a corrida presidencial e tanto Lula quanto Bolsonaro tentaram ao máximo reter os votos daqueles que são a maioria dos votantes do país. Vale lembrar que, durante o governo Bolsonaro, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU — do qual tinha saído em 2014 — e viu seu número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza subir em 22,7%. Esses fatores, intensificados e, ao mesmo tempo, alinhados a uma pandemia mal administrada pelo governo federal, deterioraram a imagem de Bolsonaro para com os mais pobres, mesmo aqueles que votaram nele em 2018.
“Votei [no Lula] em 2022 para tirar a extrema direita do poder”, disse M.C., de 60 anos, eleitora de Bolsonaro em 2018 e que alega não ter votado em Lula nem em 2002 nem em 2006. “Talvez eles [o governo] tenham muitas dificuldades para governar por conta da oposição acirrada. Acredito que o governo será bem sucedido no combate à fome e na educação” complementa.
Essa insatisfação é ainda mais visível quando analisamos os números das eleições. Segundo levantamento do O Globo, Lula liderou entre as cidades mais pobres do país — com menores índices de IDH — enquanto Bolsonaro liderou nas mais ricas. Várias dessas cidades foram diretamente impactadas com políticas públicas durante os governos petistas e tiveram uma significativa queda na qualidade de vida durante a gestão de Bolsonaro.
Dentro do eleitorado mais pobre de Lula há ainda quem vota no candidato desde o seu primeiro mandato, em geral por se sentir contemplado pelas políticas sociais características da agenda petista.
“[Acredito que] o Governo Lula está tentando consertar os erros do governo anterior”, diz S.F., de 49 anos, ao ser perguntada sobre como vê o primeiro mês do novo governo. “O governo do PT sempre tenta trazer melhorias em vários setores. [Também] não podemos colocar tudo na conta do PT, sabemos que não é apenas ele que comanda o país e sim o conjunto de deputados e senadores.”
As avaliações oficiais do primeiro mês de governo mostram que há otimismo do eleitorado em relação aos próximos passos do chamado “governo Lula III”. Em pouco mais de 30 dias, Lula e seu vice Geraldo Alckmin (PSB) enfrentaram caos sociais e políticos, como a invasão à Praça dos Três Poderes em Brasília no dia 08 de janeiro e a calamidade vivida pelo povo Yanomami no norte do país, ambas situações diretas ou indiretamente ligadas à agenda de Bolsonaro. A atuação federal diante dessas situações vem fortalecendo os laços do petista com seu eleitorado.
Lula recebe um país ainda devastado pela pobreza crescente e as pautas sociais se mantêm como pilar fundamental do início do governo. Como apontado pela Folha, o primeiro mês de Lula III está mais à esquerda se comparado aos seus mandatos anteriores, o que reforça a tentativa de se adequar às promessas de campanha que o elegeram.
Justamente por conta da atual situação do país, há um consenso entre especialistas sobre a necessidade de se olhar com cuidado para as necessidades da população mais pobre. Representantes do Banco Mundial sugerem, por exemplo, que o novo governo deve atuar para a redução da pobreza e desigualdade acentuadas no país em um momento estratégico, com a renovação do ciclo de políticas públicas — como feito anteriormente em outros mandatos de Lula.
Entretanto, políticas sociais, em especial as voltadas para a requalificação do trabalho e as de transferência de renda, são mal vistas pelo mercado, que é mais favorável a políticas de austeridade e alinhados a governos de ideologia mais liberal. Tradicionalmente o PT sofre críticas do setor financeiro, o que abala a imagem do novo governo frente a esse setor. Mais recentemente, falas de Lula sobre políticas fiscais, por exemplo, afetaram a bolsa de valores. Mesmo assim, há boas expectativas por parte do resto da população, em especial as diretamente impactadas por políticas públicas sociais..
A hipótese é de possível melhora de ânimos, já que a agilidade da gestão federal e a eficiência de trabalho do gabinete presidencial ajudam a manter a imagem do novo governo positiva e podem vir a penetrar nas parcelas mais receosas da população brasileira. Segundo J.A., 48, ela não tem “propriedade para avaliar o governo, ainda, porém, no que diz respeito à comunicação, pelo menos, [já vê] de forma positiva”.
Mesmo assim, ainda restam desafios enormes para o governo federal, em especial a relação com a chamada frente ampla, que desagrada ambos os lados do espectro político, e a escalada antidemocrática, que ainda se infiltra em diferentes setores da sociedade.
Autoria: Arthur Quinello
Revisão: André Rhinow, Artur Santilli e Beatriz Nassar
Imagem de capa: Ricardo Stuckert / Palácio do Planalto
Referências:
1 mês de governo Lula: o que foi feito até agora contra as desigualdades? - Oxfam Brasil. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/noticias/1-mes-de-governo-lula-o-que-foi-feito-ate-agora-contra-as-desigualdades/>. Acesso em: 11 fev. 2023.
Como Brasil pode reduzir a pobreza no próximo governo, segundo Banco Mundial. BBC News Brasil, [s.d.].
Como você avalia o primeiro mês do governo Lula? Conte para a Folha. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2023/02/como-voce-avalia-o-primeiro-mes-do-governo-lula-conte-para-a-folha.shtml>. Acesso em: 9 fev. 2023.
Lula assume a Presidência pela 3a vez com um Brasil dividido para governar | Metrópoles. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/lula-assume-a-presidencia-pela-3a-vez-com-um-brasil-dividido-para-governar>. Acesso em: 11 fev. 2023.
Lula é eleito com a maior quantidade de votos desde a redemocratização. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/30/lula-e-eleito-com-a-maior-quantidade-de-votos-desde-a-redemocratizacao.ghtml>. Acesso em: 12 fev. 2023.
Lula entre as mais pobres e Bolsonaro nas mais ricas: veja as cidades em que os candidatos receberam mais votos. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/11/lula-entre-as-mais-pobres-e-bolsonaro-nas-mais-ricas-veja-as-cidades-em-que-os-candidatos-receberam-mais-votos.ghtml>. Acesso em: 11 fev. 2023.
“Não é possível ver a cara do governo ainda”, diz leitor sobre primeiro mês de Lula. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2023/02/nao-e-possivel-ver-a-cara-do-governo-ainda-diz-leitor-sobre-primeiro-mes-de-lula.shtml>. Acesso em: 9 fev. 2023.
Por que há desconfiança do mercado financeiro em relação a Lula? BBC News Brasil, [s.d.].
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