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ASTROLOGIA NÃO É CIÊNCIA



A Astrologia é um campo de estudo milenar sobre a posição relativa dos corpos celestes e da influência deles no comportamento e na personalidade humana. Seu principal instrumento é a interpretação do mapa astral do indivíduo, uma diagramação da posição relativa dos astros vistos no local e horário de nascimento de uma pessoa, de forma a identificar como as “forças” celestiais influenciam a sua formação e, portanto, o seu comportamento para o restante de sua vida. Muitos astrólogos buscam dar respeitabilidade ao campo, lançando mão de justificativas que afirmam serem científicas, reproduzidas na internet como atestados de veracidade. Com frequência, pessoas crentes na astrologia utilizam essas justificativas para diferenciarem-se dos crentes religiosos, fazendo uso da seguinte presunção: “mas não é só uma crença, estudam a astrologia há milênios” - como se não estudassem as escrituras sagradas também por milênios. Pelo menos nenhum teórico do judaísmo, cristianismo ou islamismo tem a pretenção de fazer ciência.


Para entendermos o porquê da Astrologia ser uma crença e não um conhecimento científico, é preciso diferenciar os dois termos. Crença é um estado psicológico em que o indivíduo assume uma premissa que entende como verdadeira, ao passo que o conhecimento é uma crença efetivamente verdadeira e justificada, ou seja, que corresponde à realidade e foi devidamente sustentada. Conhecimento científico, por sua vez, é uma crença (na forma de hipótese) comprovada por meio do método científico, um conjunto de regras e procedimentos que conduzem à aproximação do entendimento da verdade. Em disciplinas como a astronomia, trata-se de coletar evidências empíricas verificáveis por meio da observação controlada em experimentos ou em pesquisas de campo e fazer uso da racionalidade para analisá-las.


Assim sendo, a Astrologia não pode ser caracterizada como conhecimento científico, porque não utiliza do método necessário para tal. Não existe nenhum estudo científico realizado até o momento que tenha demonstrado a eficácia da astrologia na descrição dos efeitos das posições relativas dos astros no comportamento e caráter das pessoas. Pelo contrário, existem estudos que indicam a falibilidade das previsões buscadas pela Astrologia.


A fragilidade da previsão astrológica foi demonstrada no teste duplo-cego de Shawn Carlson, publicado em 1985 na revista Nature, em que se testava a capacidade de dedução de signos por parte de astrólogos profissionais respeitados. Para cada horóscopo completo, selecionavam um entre três questionários de personalidade preenchidos por voluntários. Os astrólogos falharam em acertar o signo de 100 pessoas mais do que a pura chance, acertando a uma taxa de apenas 34%. Em outro estudo, o psicólogo Bernard Silverman estudou o casamento de 2978 casais e o divórcio de 478 casais, comparando-os com as previsões de compatibilidade e incompatibilidade entre horóscopos e falhou em encontrar qualquer correlação.


Mesmo diante da inexistência de qualquer indício verificável de que a posição relativa dos astros efetivamente afete características humanas (e da existência de outras de que os astrólogos não acertam mais que a sorte), as pessoas insistem em acreditar que, em virtude da magnitude dos astros, é “evidente” (embora não haja evidências) que suas “forças” impactam, de alguma forma, nossas vidas. Todavia, não fica claro de que forças são essas de que estão falando. Se se referem à força gravitacional e eletromagnética, desconsideram que a força gravitacional de um obstetra sobre um bebê é muitas vezes maior do que a do planeta Marte sobre o mesmo indivíduo, e que os sinais de rádio emitidos pelo Sol e por Júpiter são muito menos intensos do que os de uma pequena emissora de rádio a 500 quilômetros de distância. Se não estiverem falando de forças conhecidas, há de se assumir a existência de alguma “força mística” não observável, caindo na admissão do que alguns crentes da astrologia se recusam a admitir, que o que acreditam é uma força sobrenatural, como as “forças do Diabo” são para os cristãos.


Não é minha intenção aqui desmerecer as crenças religiosas que, ao contrário da Astrologia, estão intrinsecamente arraigadas na cultura das pessoas e constituem parte indissociável da identidade de indivíduos e de sua relação com o mundo, assim como cuidam de grandes questões existenciais e fornecem sentido para a vida dos humanos. A Astrologia, por outro lado, é uma tosquice coletiva que pauta aspectos muito mais triviais da vida, sendo, em alguns contextos, mais respeitada do que a própria religiosidade, por motivos que desconheço. Não é difícil encontrar gente que acredita na astrologia e outros misticismos que estão em moda, criticando pessoas religiosas por serem “enganadas” e "iludidas" pelas suas crenças e seus líderes religiosos. Mas, pelo menos, a grande maioria dessas pessoas seguem suas crenças por conta de forças culturais anteriores e fortes sentimentos de pertencimento, ao passo que as pessoas que acreditam em astrologia (pelo menos no Ocidente entre filhos de não astrólogos) abraçam a crença por mero modismo e um tanto de falta de crítica. Até porque, se alguém parar para pensar um pouco, todo o sentido por trás da lógica astrológica se perde: supondo que essas forças místicas existam, por que é o momento do nascimento do indivíduo que conta? As forças não faziam efeito durante a concepção e ao longo da gravidez? E ao longo de toda a vida, as forças também são desprezíveis? Pessoas que nascem no mesmo hospital e no mesmo horário não deveriam ter personalidades parecidas? Por que isso não ocorre? Se ocorre, por que não é observado? Se algum crente tiver as respostas para essas perguntas, estou disposto a ouvi-las.



Apesar do exposto, sinceramente, não sou nenhum fiscal de crença e defendo que cada um possa ter suas crendices sem que ninguém fique lhe enchendo o saco por conta disso, até porque a maioria das pessoas leva a Astrologia como uma brincadeira. O problema, no entanto, reside na indevida interpretação da crença, seja ela qual for, como conhecimento científico, e nas consequências dessa errônea interpretação. No dia quatro deste mês (março), saiu uma reportagem da BBC News Brasil que relata casos em que se utilizou da astrologia como critério em entrevistas de emprego. Entre os relatos, foi levantada a intenção de fazerem o mapa astral de candidatos para a seleção e a colocação de um chefe que afirmou não contratar ninguém do signo touro. Na mesma matéria, muitos astrólogos consultados defendem que a astrologia possa ser devidamente utilizada por um profissional em um processo seletivo. Além de se tratar de um método de seleção incrivelmente tosco, ele parte de crenças pessoais não objetivamente verificáveis e, como apontado no teste duplo-cego citado, não é uma boa fonte de discernimento entre candidatos, sendo a sua aplicação ilegítima e discriminatória. Esse é somente um exemplo de como a percepção de uma crença como conhecimento científico faz com que essa crendice ocupe espaços que devem ser reservados à racionalidade objetiva. Devemos ser claros quanto a quais métodos de escolha são aceitáveis em uma sociedade laica que busca eficácia e justiça, sempre que possível priorizando o conhecimento científico sobre as demais crenças na solução de problemas práticos, tanto na escolha de um candidato a uma vaga de emprego, como na elaboração de políticas públicas de combate à pandemia. Defender o uso de Astrologia em uma entrevista de emprego é tão válido quanto a prescrição do kit de tratamento preventivo para a covid com cloroquina e vermífugo, ou seja, não o é.


Revisão: Letícia Fagundes e João Vitor Vedrano

Imagem de capa: Reprodução Astrocentro

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