Escrevo das trincheiras. São exatamente 08:33 de uma quinta-feira e estou no intervalo de uma aula que começa às 7:00, da qual gosto muito. Quando chego à sala, às 07:49 — ou seja, bastante atrasado — mais 11 pessoas, de uma sala de 36, estão presentes. O contexto é importante: estamos no final do semestre, um peculiar momento no qual calculamos nossas faltas como balanços financeiros, e imagino que muitos de meus colegas, dada a prerrogativa, trocaram a aula por mais algumas horas de sono — certos eles.
Mas a questão não é essa. A questão é que, para chegar às aulas que começam às 7:00, precisamos acordar cedo, muito cedo. E aí precisamos pegar o ônibus, o metrô, enfrentar as forças ocultas da manhã e todos os problemas que pairam sobre nossas cabeças, para chegar às 7:00 na FGV. Provavelmente, estaremos cansados após noites maldormidas, em um estado de esgotamento mental, mais um dia vivendo em São Paulo, esta cidade ótima, que definitivamente não testa a nossa sanidade todos os dias. E não é só a gente: os professores passam por este mesmo problema de acordar muito cedo, enfrentar forças ocultas, tentar se manter acordado com café, etc, etc.
Nesse conflito metafórico que é existir, estamos falando de uma guerra sem vencedores. Simplesmente ninguém sai ganhando. Os alunos simplesmente não estão acordados o suficiente para prestar atenção em qualquer coisa às 7:00, e isso implica em também não conseguirem chegar todos no horário marcado — não é incomum as aulas começarem com poucas pessoas na sala. Nossa aprendizagem é punida por um horário estapafúrdio, nossas outras atividades são prejudicadas, e, subitamente, a vida parece pior.
Os professores estão em uma situação parecida. Afinal, na escola da vida, não seriam os professores… alunos? Eles também chegam cansados na faculdade, dispostos a gastar o seu réu primário a qualquer momento, tendo que dar uma aula com um quórum aquém do desejado e para alunos que provavelmente estão interessados na matéria, mas não estão em condições espirituais de assimilar o conteúdo como gostariam. Parafraseando um conhecido áudio no Whatsapp, estamos falando de, abre aspas, "[...] um circo de trevas e horrores sem fim, é uma roda viva de sofrimento, um castelo de areia [...]", fecha aspas.
Durante um belo momento de 2012, em um vislumbre de um mundo que não existe mais, os alunos de Administração Pública tinham o inestimável privilégio de começar suas aulas às 8:00. Um lindo mundo. Mas aí os queridos membros da Turma 1 de AP fizeram uma solicitação tão absurda que até os professores e a coordenação mostraram-se opostos: a de adiantar o início das aulas para às 7:00. A justificativa dos queridos ex-alunos é de que essa mudança possibilitaria que eles cursassem as disciplinas eletivas de Administração de Empresas. Os professores em choque com tal solicitação se mostraram contrários ao pedido, mas a história é escrita pelos vencedores, e aqui estamos.
"Um povo é identificado por sua cultura, seus costumes e suas pilantragens", já diria o filósofo Hans Ernesto. Se transpormos essa colocação para a realidade do gvniano, observa-se rapidamente que parte integral de nossa cultura é a exaustão que permeia as salas da Fundação e os olhos de alunos, professores e outras entidades espirituais que vivem aqui. Faço uma súplica: vamos voltar a começar as aulas às 8:00, ou até mesmo às 7:30. 7:00 é um horário impraticável por todos os motivos, é uma guerra espiritual que ninguém ganha e que apenas condena nossa existência ao martírio (talvez) inescapável que é… viver?
Obrigado.
Autoria: João Pedro Fernandes
Revisão: Anna Cecilia Serrano, Gabriela Veit e Lucas Tacara
Imagem de capa: Portal FGV/Reprodução
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