Como a Lua está linda esta noite.
De todos os telespectadores que acompanham minha vida, a Lua é quem mais sabe a meu respeito. Durante seus extensos turnos, acaba vigiando minhas ações mais pessoais e genuínas. Não importa se estou perambulando pelo meu pequeno apartamento em busca de um chá de camomila às duas da madrugada ou se estou sentada sobre a cama, com as pernas cruzadas e enroladas no emaranhado de panos mal dispostos em meu colchão; o luar bate à minha janela, salvando-me da longa noite que ainda está por vir.
Normalmente, elas são tão longas que até perco a noção de tempo. Mas nem sempre foi assim. Quando criança, dividia meu quarto com Linda e, mesmo com seu choro incessante, eu costumava cair no sono rapidamente. Apenas acordava em uma das cinco visitas de nossos pais ao cômodo, quando eles buscavam fazer de tudo para acalmá-la, antes que pudessem devolvê-la ao berço.
“Linda”, que nome engraçado. No momento em que descobri que mamãe estava carregando um casal na barriga, implorei para que a menina se chamasse Olivia, porém a ideia não foi muito bem recebida em casa. Mesmo quando chegou o grande dia e soubemos que apenas Linda viria a integrar nossa família, meus pais não concordaram em trocar o nome para, ao menos, me distrair e me animar minimamente. Afinal, eu não conseguia parar de pensar em meu irmãozinho. Onde será que ele estava naquele momento? Será que Linda o havia devorado? Será que ele conseguia ver suas duas irmãs passando um tempinho juntas e se imaginava no meio, fazendo parte das brincadeiras que teríamos feito com ele também?
Será que ele seria um irmão protetor? Teria uma namorada que viria a se tornar nossa amiga? Será que estaria ao lado de nosso pai quando ele adoeceu, ou votaria para que arranjássemos uma daquelas cuidadoras, que apenas esperam seu turno acabar e partem o mais rápido possível? Bom, acredito que essas sejam as dúvidas de hoje, e não mais as de 30 anos atrás. Talvez desligar um pouco esse maquinário de pensamentos e observar o luar seja uma tática razoável.
Mas até quando? Inúmeras foram as consultas, as conversas, o tempo “investido”, e aonde cheguei com toda essa bagagem? Foram tantas as idas à farmácia, que logo foram substituídas pelas idas à portaria para receber os fármacos que começaram a chegar ao meu endereço, cada um com sua recomendação de horário de consumo, para que fossem estrategicamente encaixados na rotina. Como conseguiriam desacelerar essa oficina sem que acabassem esvaziando-a por completo?
Nada disso importava agora. A Lua está linda essa noite. Depois de anos, senti pela primeira vez o almofadado que sustentava minha cabeça trazer leveza para ela. Meu corpo estava confortavelmente posicionado na cama. Enquanto minhas pálpebras pesavam a cada piscada, sentia o entorpecimento se alastrando pelas extremidades de alguns membros.
Finalmente, adormeci.
Ao abrir os olhos, vi-me em um local totalmente inusitado: um aposento amplo, com acabamento em madeira, muito semelhante a um quarto de chalé. Havia um imponente guarda roupa ao meu lado, posicionado paralelamente ao tapete que preenchia a área ocupada pela cama. Ao levantar-me, inspecionei o ambiente, ainda me sentindo levemente sonolenta e desnorteada. Pouco a pouco, recuperei minha coordenação e voltei a andar de maneira equilibrada. Tinha a impressão de já conhecer aquele local.
O silêncio reinava ao meu redor. Nada era capaz de emitir um som sequer. Então, aproximei-me da janela adjacente, com o objetivo de analisar o lado externo do cômodo. Para minha surpresa, aquela não era a cidade em que morei a vida toda. Estava em um ambiente totalmente estranho. Até onde minha vista alcançava, parecia ser uma pequena cidade interiorana, sem prédios no horizonte ou qualquer construção que ultrapassasse três andares. A região assemelhava-se a uma localidade no interior da Holanda, a qual vi pela primeira vez em uma revista de destinos de viagem e, desde então, sonho em levar minha mãe para visitá-la.
Entretanto, não havia sinal de carros, pessoas ou qualquer movimentação nas ruas. Somente a harmonia entre concreto e natureza.
Com um pouco de esforço, avistei uma placa chamativa, razoavelmente próxima de onde me encontrava. Ela dizia: “Boas-vindas! Você acaba de chegar à cidade de Pérgamo. Aproveite sua estadia!”
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
Fim do primeiro capítulo
Autoria: Rafael Diz Motooka da Cunha Castro
Revisão: Giovana Rodrigues
Imagem de Capa: Pinterest
Comments