Apoteótico. Não há outra palavra para descrever o show de encerramento da Celebration Tour na praia de Copacabana. Madonna fez um show avassalador que, para além de recontar sua trajetória no palco, serviu como um respiro de arte para lembrar ao mundo seu impacto e o porquê dela, aos 65 anos, ainda carregar o título de rainha do pop com orgulho e merecimento.
Foi o encerramento perfeito para uma turnê que comemora quatro décadas de trabalho da artista. O espetáculo foi carregado de simbolismos e representou bem o legado de Madonna que, em seus 40 anos de carreira, se rebelou, se reinventou e se renovou, sendo muito mais do que uma cantora. Destrinchar partes do evento, das músicas e da própria Madonna não é tarefa fácil, mas é importante para entender - e reafirmar - por que ela ainda é a rainha do pop.
O nome de Madonna é conhecido por todos. Com sua carreira estelar se iniciando em 1983, ela garantiu que o mundo jamais se esquecesse dela. Mais do que isso, ela fez questão de cantar sem se desprender do que importa para ela, das pautas que ela defende e, acima de tudo, sem esquecer de se divertir.
Se em 2024 já não é fácil fazer e falar tudo o que Madonna fez e falou, em 1983 foi talvez ainda pior. Por isso, sempre acompanhado de manchetes escandalosas ou polêmicas, o nome da cantora fez fama também a partir da subversão. Com Like a Virgin, Madonna mostrou pro mundo o que uma jovem de 20 e tantos anos era capaz de fazer. Cantou sobre sexo, prazer e sentiu tudo o que colocava em suas letras, sem nunca se preocupar com o que pensavam dela. 40 anos depois ela continua exatamente assim, não se entregando aos estereótipos da idade ou do envelhecimento precoce que a industria musical impõe às suas artistas femininas.
Com uma trajetória recheada de momentos icônicos, não se pode falar de Madonna sem falar em suas polêmicas com a religião e a igreja. Poucos são os artistas que tiveram a coragem e a ousadia de criticar tão abertamente a Igreja Católica, expondo os problemas e as hipocrisias de uma das instituições mais antigas da história. Com Like a Prayer, Papa Don’t Preach e Erotica, todos hinos presentes na setlist da turnê, ela provocou comoção conservadora e revoltas nas alas cristãs da sociedade. Protestos foram feitos em seu nome e, claro, houve a famosíssima história da excomungação da cantora feita pelo Papa João Paulo II. Um acontecimento icônico para um nome icônico. Esse feito, inalcançado por outros artistas que flertaram com a subversão, deu a Madonna um status cult atemporal. Dizem, inclusive, que foi ela que começou com a onda de pânico cristão sobre os artistas, criando quase que um selo de qualidade para as gerações futuras, que precisavam ter o seus problemas com o Vaticano para atingir status artístico próximo da veterana.
Não apenas de cruzes flamejantes foi feito o nome de Madonna, mas também de ativismo e luta em prol de nomes silenciados na sociedade. Como uma norte-americana branca, Madonna poderia ter seguido um caminho suave na música pop, com baladas românticas e sons dançantes, talvez o mais esperado de uma mulher como ela. No entanto, pelo contrário, ela não se calou e trouxe para sua arte e seus espetáculos aqueles que o mundo preferia não ver.
Desde o início de sua carreira, Madonna foi um nome forte na luta pela liberdade das mulheres e pela causa LGBTQIA+. A comunidade queer, talvez a sua maior base de fãs, encontrou no ícone pop, na mulher mais poderosa da indústria, uma aliada e protetora que usou da sua influência para defendê-los. Madonna assistiu à efervescência cultural da comunidade LGBTQIA+, à revolução sexual e às movimentações feministas, apoiando e lutando ao lado de cada um deles através do que sabia fazer de melhor: arte. O livro Sex Madonna escandalizou ao mostrar a maior estrela da música nua, vulnerável, tendo seu prazer e desejos explorados em uma época na qual as expectativas de gênero eram marcadas de forma ainda mais contundente.
Com Vogue, ela jogou luz para uma comunidade perseguida, que via também na dança e na música formas de se libertar e protestar contra as injustiças do mundo. Foi o casamento perfeito. Celebrou e cultuou a cultura queer, trouxe para a evidência do mundo homens e mulheres LGBTQIA+ marginalizados e transformou seus shows em ballrooms imensas para lembrar a todos de onde vêm suas influências. Na Celebration Tour, chorou por amigos que ela viu morrerem pela AIDS, ainda nos anos 90, com Live To Tell, talvez um dos mais emocionantes momentos do show, mas também festejou e transformou os palcos em uma pista de voguing com seu júri recheado de celebridades. Não é à toa que o impacto do show e a importância daquele momento sejam tão significativas para esse público, de uma forma que jamais será compreendida totalmente pelo resto da sociedade.
Em uma época de polimento e tabus, ela falava de sexo, de prazer e do corpo de forma explícita, sem medo de represálias. Isto não apenas em 1983, mas também em 2024, como podemos perceber através das reações cansativas de um público ainda mais careta do que aquele que a cantora encontrou em seu debut. São enxurradas de comentários e críticas negativas de pessoas surpresas com o que Madonna entregou no palco, quase como se nunca tivessem contato com a obra e a arte da cantora nos últimos 40 anos. O mais interessante, porém, é que Madonna segue genuinamente não se importando, assim como sempre o faz..
Indo no caminho oposto da maior parte da indústria musical, Madonna não se importa em ter uma imagem e carreira polidas, com a aprovação do grande público, ou em agradar os haters. Ela não se limita por notas baixas dos críticos musicais, por xingamentos de pessoas furiosas nas redes ou por expectativas que impõem sobre ela. Como sempre fez, ela segue fazendo o que acredita e acha melhor, mostrando que, para alguém com o seu legado, isso é o que mais importa.
Com tudo isso, tranquilamente posso afirmar: Madonna é a maior artista feminina que a música já viu. Toda sua trajetória e legado foram, são e serão fundamentais para trilhar os caminhos da música e da arte e abrir portas para outras mulheres incríveis brilharem.
Eu, como um grande fã de muitas cantoras, de algumas até mais do que de Madonna, devo reconhecer, assim como todo mundo: não haveria pop como o conhecemos e, acima de tudo, não haveria cantoras como conhecemos se, lá atrás, não houvesse Madonna. Ela foi a responsável por abrir e pavimentar caminhos para que outras, bebendo mais ou menos de sua fonte, pudessem ousar com sua arte e talento futuramente.
Não à toa, com 40 anos de carreira, umas das mais longevas do mundo da música, Madonna consegue mobilizar e comover fãs, empresas e mesmo países inteiros em nome de sua música e seu legado. O show de encerramento da Celebration World Tour foi apenas um lembrete do impacto da cantora, que não poderia ser replicado por nenhum outro artista vivo.
Madonna é cantada por avós, pais e filhos. Conquistou legiões de fãs em todas as décadas de sua carreira e continua no topo do pedestal como a maior de todas. Claro, o reconhecimento não é só do público, pois mesmos outros artistas consolidados reconhecem a grandiosidade de Madonna, a “Queen Mother” como foi chamada por Beyoncé em uma faixa recente da cantora texana que interpola o clássico Vogue.
As diferentes gerações, os diferentes gêneros da música e os diferentes públicos se encontram em um lugar em comum: Madonna. A rainha que por 40 anos sustenta seu título celebra a longevidade com um olhar carinhoso para sua trajetória. Revolucionária, polêmica e vanguardista, ela foi e continua sendo um nome que movimenta o mundo.
O Rio de Janeiro parou por Madonna. Copacabana deu lugar à maior pista de dança do mundo, em um espetáculo que nos lembrou que, em altos e baixos, a vida precisa ser vivida. Com a presença de convidados ilustres, como Pabllo Vittar, a cantora assistiu à sua história mais uma vez, agora em terras brasileiras, celebrando nosso país e sentindo as vibrações do maior público de sua vida. Talvez tenha sido a última vez que o mundo viu um show de Madonna nesta magnitude, talvez tenha sido a última vez que o Brasil recebeu a cantora. Nunca se sabe, pois como já fez por diversas vezes, Madonna pode se reinventar e surpreender a todos.
Não há o que questionar, a rainha do pop vive. Apoteótica. Subversiva. Chocante. Icônica. Madonna foi, é, e sempre será o nome de maior sucesso e importância no hall de estrelas que o mundo já viu. 40 anos depois de sua estreia, ela mostrou o porquê de sua coroa ainda estar intacta sobre sua cabeça.
Por fim, acredito que há uma forma mais simples de falar tudo o que foi apresentado neste texto. Caso ainda haja questionamentos sobre como ela, em 40 anos de carreira, segue sendo a maior e mais impactante cantora do mundo, a resposta, parafraseando a própria, é clara: bitch she's Madonna.
Texto: Arthur Quinello
Revisão: André Rhinow, Laura Freitas e Sofia Almeida
Imagem de capa: Madonnas- colagem própria
Comments