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CARTAS QUE FALAM: UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE OS FONOPOSTAIS



“[Betty:] Olá, tio Bob, tia May e Anne. Aqui é a Betty no Woodside Park, uh, é 12 de julho e estamos no Woodside Park. E, hum, Dorothy está aqui comigo e vai dizer olá para vocês também.


[Dorothy:] Olá tio Bob, olá tia May, e não estou esquecendo Joan. Como você está aí?


[Betty:] Ah, esqueci de dizer olá para Joan, mas não sei o que dizer, estou tão nervosa. Eu gostaria de poder ver todos vocês, podemos vir aqui em uma excursão no próximo ano. Os Orangemen virão. E eu queria que vocês estivessem aqui conosco, estamos realmente nos divertindo muito. Dorothy deixou o bebê com minha tia.


[Dorothy:] [murmurando] O bebê agora tem dois dentes e está aparecendo outro.


[Betty:] E está ficando tão grande que Dorothy diz que Chester nem vai reconhecer quando forem para o Kansas. E, ah, acho que você ouviu tudo sobre como o papai se sentiu quando Bob chegou, estávamos todos muito animados. Bem, tenho que ir agora, adeus” -Tradução livre de uma transcrição de um fonopostal gravado na Filadélfia. Não se sabe a data.



A voz é uma ferramenta poderosa, acho que mais do que nos damos conta. Ela sozinha é capaz de gerar um turbilhão de emoções, inspirar, persuadir, gerar alegria, compaixão, ou até mesmo tristeza. Às vezes, só de escutar a voz de alguém que amamos, nosso dia muda de uma maneira extraordinária, da mesma forma que em muitos casos daríamos tudo o que temos para escutar a voz de alguém de novo, nem que seja só mais uma vez. 


Eu, como qualquer outra pessoa vivendo durante a era digital, estou muito acostumada com a ideia de ouvir vozes através de mensagens por áudio. Diariamente escuto dezenas de áudios através de qualquer que seja a rede social, quase que de modo automático, meio que banalizando o verdadeiro impacto de tudo aquilo. Entretanto, isso mudou uns meses atrás. Quase que sem querer acabei me deparando com um conceito que me intrigou de uma forma que na hora nem entendi muito bem. O conceito dos fonopostais. 


De uma forma mais técnica, os fonopostais eram um serviço postal comum em alguns países no século XX, mas ao invés de cartas, eram enviados discos e fitas com gravações de vozes humanas. Países como a Argentina, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Taiwan, e até mesmo o Brasil, ofereciam esse serviço e possuíam diversas regulações e até mesmo selos exclusivos para os fonopostais. Ou seja, não passava de uma mensagem de voz do Whatsapp enviada pelo correio. 


O pesquisador Thomas Levin, que atualmente é um dos maiores colecionadores de fonopostais, explicou em uma entrevista oferecida à Rádio Novelo que apesar do serviço não estar disponível para todos, era muito mais barato do que fazer uma ligação de longa distância. O pesquisador também explica que as gravações eram normalmente realizadas dentro de cabines de gravação, tipo essas que vamos para tirar fotos 3x4 de última hora antes de tirar um documento importante. E, assim como essas máquinas, as cabines de gravações estavam em todos os lugares. Todos os lugares mesmo. Em pontos turísticos, estações de trem, dentro dos correios, em lojas de departamento e até mesmo em cima do Empire State Building em Nova York. 


Os fonopostais podiam ser ouvidos através de vitrolas e toca-discos. Mas, caso alguém não tivesse esses aparelhos em casa, também era possível ir até a estação de correio mais próxima e ouvir a mensagem lá mesmo. Tal aspecto demonstra então um ponto interessante sobre os fonopostais, a democratização que eles proporcionaram ao acesso às mensagens. Para as pessoas que não sabiam ler nem escrever, poder receber e mandar mensagens de voz era algo super inovador, e permitia a elas acesso a algo que até então era exclusivo para apenas uma parcela da população. 


Óbvio que tudo isso é muito interessante. Mas tudo fica ainda mais legal quando analisamos o conteúdo desses fonopostais, pois tinha de tudo – tudo mesmo. Muitas das mensagens são passagens corriqueiras, apenas para atualizar quem quer que estivesse do outro lado da linha, ou melhor, do gramofone, sobre as novidades do dia a dia, acontecimentos de uma viagem… 


“[Gene:] Olá mãe, pai e Blanche. Como está tudo em casa? Estou gravando isso em Dallas (...) Quero alertar para não se preocuparem em não saber onde estou, por favor não se preocupem. Meu carro está funcionando bem, funciona perfeitamente, e tudo está indo bem. Em Dallas, estou me divertindo. A propósito, vi a Nieman Marcus, que é uma loja maravilhosa, maravilhosa, e algum dia vocês terão que vir a Dallas e ver por si mesmos. Estou realmente conhecendo a América e fazendo isso com o dinheiro de outra pessoa, e acho isso muito bom. Uh, até breve, esta gravação está quase acabando. Tchau” -  Tradução livre de um fonopostal enviado em 24 de outubro de 1957, nos Estados Unidos.



Há também alguns onde as pessoas soltavam a voz e cantavam em coro um singelo “parabéns para você” para comemorar o aniversário de algum ente distante. Nessa mesma onda, cantar durante as gravações das mensagens era algo bastante comum, especialmente entre pequenas bandas que buscavam alcançar o estrelato através de discos demos gravados assim mesmo, dentro das cabines de fonopostais. 


“[Group singing]  … to you!

Happy Birthday to you,

Happy birthday dear Melvin, 

Happy birthday to you!”

- Transcrição de um fonopostal enviado em 17 de março 1951, nos Estados Unidos.


Também há aqueles que usavam tal invenção tecnológica para fazer declarações de amor, recitar poesias e mandar recados íntimos – às vezes íntimos até demais…


“[Speaker 1:] Quiero yo por siempre estar a tu lado en un sueño de amor, de este amor eterno Rene. Sueña Rene. Quisiera amar tus ojos. Yo estoy a tu lado con mi cariño Rene” - Transcrição de un fonopostal enviado en 5 de junho de 1945, na Argentina.


Teve até um casal que usou essa tecnologia para gravar seus votos de casamento, deixando o “I do” registrado na eternidade, uma mãe portuguesa que registrou as primeiras palavras de seu bebê para enviar para o pai que estava viajando, e pais alemães mandando uma última mensagem para seus filhos alguns anos antes do início da primeira guerra mundial. 


Tendo em vista as limitações deste texto, sendo ele escrito e não falado, não é possível de fato escutar as mensagens de voz aqui apresentadas. Para aquelas almas curiosas que desejam fazer isso, basta acessar o site do projeto Phono-post, responsável pela categorização e arquivamento dos fonopostais, linkado no final desta página. 


Ouvir um fonopostal e não se sentir um grande intruso na vida de alguém é uma tarefa quase que impossível, pois, no fundo, o que os fonopostais nos proporcionam mesmo é mais do que um registro histórico, é um vislumbre de alguns momentos de intimidade que ficaram guardados, escondidos pelo tempo e redescobertos pela curiosidade. Desde as risadas até as profundas declarações de amor, eles deixam registrado para o futuro um pedacinho de vidas que tiveram suas vozes guardadas pelo tempo, nos mostrando o passado através de uma tecnologia do presente. Todo o processo é muito privado e público ao mesmo tempo, é antigo na medida em que também é muito inovador. Só nos resta então ouvir às vozes do passado e ficar assim, imaginando, tentando entender o que de fato aconteceu depois que essas cartinhas foram enviadas… 


Nota da Autora:


Durante a escrita deste artigo, acabei enviando uma mensagem para a minha avó perguntando se ela já havia utilizado esses serviços. A resposta foi negativa, mas ela me contou que, na época em que tinha a minha idade, várias amigas dela recebiam tais gravações com declarações de seus respectivos pretendentes… Me resta agora descobrir se essas juras de amor duraram mais tempo do que o próprio disco no qual foram gravadas rs 


Bibliografia:

Acesse aqui o site do phono-post para escutar as transcrições originais. Para aqueles que quiserem ir mais a fundo, escutem a entrevista oferecida por Thomas Levin à Rádio Novelo.


Autoria: Victorya Pimentel

Revisão: Enrico Recco

Imagem de Capa: Novo Milênio



1 comentário

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Adorei conhecer essa versão de correspondência. Eu nunca tinha ouvido falar.

Parabéns Vicky por nós trazer algumas vocês do passado que ficaram eternizadas em um pedacinho de Vinil...👏👏👏

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