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COMO VOCÊ




Que desgraça de título é essa? Você teve esse pensamento? Eu com certeza teria, não minto. Hoje, quero falar de expressão. Não é meu propósito analisar a liberdade de expressão, porque acho que liberdade é um conceito muito relativizável, mas ele aparece ao longo do texto também. Enfim, vamos pegar o título como premissa para nossa primeira análise da expressão descrita. “Como você”. Isso significa “em comparação com você”? “Igual a você”? Ou significa o que você está pensando que significa? A questão é o que podemos problematizar e o que não podemos. Quem é que baterá o martelo e dirá que minha frase é isto ou aquilo? Um juiz? Nós inventamos a justiça humana e adotamos critérios bem questionáveis para determinar quem tem o poder de julgar, e inventamos o poder humano também. Mas de verdade. O que eu disse é necessariamente alguma coisa certa?


Acho que não. Acho que nunca teremos a capacidade de escrever uma coisa só. Se eu digo “eu te amo” para o meu pai e a mesma coisa para minha namorada, o digo, a princípio, com intenções diferentes. Essas intenções são percebidas particularmente com base em cultura, na perspectiva imediata de cada um, em minha entonação, mesmo que seja idêntica em ambas as ocasiões (porque os recipientes são distintos), e em quaisquer outros fatores. Veja bem que o que torna uma enunciação problemática é algo para além de seu conteúdo escrito. Pensemos numa palavra aleatória: garfo. De que buraco saiu o significado dessa palavra? Será que, junto aos dez mandamentos, Deus ordenou à humanidade que, quando se utilizassem de um objeto com pequenas pontas independentes para comer, via de regra isso haveria de ser um “garfo”? Não, simplesmente criamos uma palavra para uma coisa que também criamos.


Pois então, o motivo dessa palavra significar exatamente o que significa e não corresponder a “estelionatário” não tem nada a ver com a sonoridade da palavra, nem com suas letras, nem com sua forma. Tem a ver unicamente com quem a recebe. Um tatu ou uma pedra não saberiam o que fazer com a informação “garfo”. Pois bem, agora podemos expandir para nossa sociedade moderna, ainda insipiente. Que tratamento o direito ou as pessoas devem dar para um discurso e com base em quê? Veja que um discurso de ódio é um código escrito ou sonoro facilmente determinável pelas línguas. Temos enormes enciclopédias chamadas de dicionários e estudos da dinâmica desses códigos chamados de “gramática” para entendermos o que cada coisa pretende exprimir.


Mas não obstante, tem-se algo que se adiciona a isso que é o tal do contexto. A linguagem corporal, as relações entre as pessoas (que não deixam de ser contexto) para significarem uma expressão (texto ou fala). Ora, se eu hei de analisar tudo isso para classificar a periculosidade de um discurso, será que devo, como julgador, perder noites inteiras, esboçar esquemas complexos e tecer enormes relatórios com exaustivas dogmáticas para acordar com os requisitos legais de exercício de meu poder analítico e julgador? Me parece que mais fácil do que isso é analisar os potenciais efeitos do discurso. O que ele pode causar, como pode ser interpretado. Não que vá, mas que pode, exatamente porque é muito mais simples aceitarmos que não podemos prever o verdadeiro efeito das coisas do que nos forçarmos a fazê-lo.


E tudo isso parece redundante porque estou apenas discorrendo sobre a realidade. Mas sinceramente, muitas coisas óbvias do dia a dia se tornam opacas frente à quantidade de informações com as quais lidamos para trabalhar, estudar e performar na sociedade humana. Prazos, textos, documentos, horários e planejamento. A análise discursiva fica em que grau de prioridade em minha memória RAM enquanto eu tenho que me preocupar com tanta coisa? Pois por quê, então, é que eu tratei do discurso e de sua análise? Qual a importância disso? Na verdade, estou apenas pegando um exemplo para falar de um tipo de raciocínio. O olhar para as coisas não pelo que elas de fato são, mas para o que podem ser a depender das circunstâncias. E isso poderia dar um bom texto acadêmico, mas é apenas o pensamento que tive numa quarta-feira qualquer.


Dito isso, lembre-se sempre, antes de me julgar pelo título do texto, que eu sou um mero ser humano assim como seu pai, como sua mãe, como seus tios, como seu avô e sua avó, como sua família inteira e se bobear, até como você.




Autoria: Rodrigo Ferreira Viana

Revisão: Ana Carolina Clauss, Artur Santilli

Imagem de Capa: Among Us, AI art by uhdpaper.com

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