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DESCULPE, MAS ESTE É MAIS UM TEXTO SOBRE BIG BROTHER



Semana passada, uma amiga compartilhou um post do Instagram no qual estava escrito que era possível “ler filosofia e assistir BBB”, “ser formado em piano e ouvir pagode”, e outros cenários que, à primeira vista, apresentavam exercícios para intelectos opostos. Junto com a imagem, uma simples pergunta: “concordam?”.


Concordei. Concordo. Mas respondi falando que, no exercer de todas as atividades, deve existir um senso de moral, e que eu não o percebia nas pessoas que estavam assistindo a esta edição do programa. Disse, também, que, obviamente, cada um faz para sua diversão o que bem entender, desde que não machuque ninguém ao fazê-lo – e foi ao redor disso que nossa conversa girou: a (in)capacidade de aceitar que pessoas estavam vendo (literalmente) como entretenimento seres humanos sofrendo xenofobia, bifobia e, como se essas duas primeiras categorias não se encaixassem na próxima, tortura psicológica.


Na minha bolha – e acredito que na sua também, porque, no final, vivemos na mesma –, a audiência dada ao programa não se trata de um estudo socioantropológico, mas, sim, puramente, de falta de vontade de se desligar desses tipos de violência. O que antes era um programa com simples provas de resistência física se tornou uma edição de Jogos Vorazes de resistência emocional – e a Capital estava amando assistir enquanto fazia discursos de militância nas redes sociais.


É possível ler filosofia e assistir ao BBB. Mas é possível ser militante, defensor dos direitos humanos, carregador da Constituição e gostar de assistir a essa temporada de BBB?


Encorajando a roda de discussão, outra amiga disse que não seria suficiente desligar a TV para que essas atitudes fossem repreendidas ou para que a responsável fosse retirada do programa pela Globo. Ora, ela certamente foi mantida por mais tempo no programa pela emissora devido à audiência que causava; por que o contrário não seria verdade? E digo isso pelas duas provas com realização duvidosa das quais Conká saiu vencedora: a de líder e da “bate-e-volta” do paredão. E com sua eliminação, um acontecimento inédito comprovou essa teoria: um intervalo entre a participante receber a notícia de que estava fora do jogo e a conversa com o apresentador, do lado de fora da casa. A própria Globo explicou que esse terceiro comercial foi necessário pelo tamanho da expectativa pelo resultado: a emissora vendeu todos os espaços de mídia nacional, regional e local. Mas tratarei da eliminação da Conká mais adiante.


Enquanto ainda no programa, ela foi a estrela. E qual a única maneira de não se ver uma estrela brilhando em uma noite de céu limpo? Fechando os olhos – no nosso caso, desligar a TV. O programa, bem como sua emissora, é movido e mantido por audiência. Se o povo assiste a abusos psicológicos e gosta deles, é isso que eles vão mostrar, é isso que eles vão deixar acontecer. E foi exatamente esse o cenário, com a maior vítima saindo da casa, voluntariamente, com poucas semanas de confinamento.


Com a saída de Lucas, alguns telespectadores começaram a ficar desconfortáveis ao falar sobre o programa – era incontestável: uma das participantes era extremamente abusiva, e eles não fizeram nada sobre. Pobre de Angela Davis se soubesse que pessoas que replicam seu discurso, em uma sociedade de reality show que escancarava tortura psicológica, não foram torturadoras, mas também não foram antitortura. Então surgiu o argumento “tudo bem, foi por causa desse comportamento que ele saiu do programa e agora está bem, vivendo momentos alegres com um amigo que fez na casa, e vai até conseguir comprar a casa da mãe”. De fato, foi por causa desse comportamento que ele saiu.


Lucas não precisava ter passado pelo que passou para estar bem psicologicamente. Ele poderia estar dentro da casa com estabilidade emocional, vivendo momentos alegres com vários amigos que viria a fazer, e talvez até ganhar o prêmio de R$ 1.5 milhão. Se não ganhasse, teria tido mais tempo para conquistar o público, sem sofrer nas mãos (ou boca) de Conká, o que, da mesma maneira, muito provavelmente resultaria em uma vaquinha online para a compra da casa de sua mãe. Os fins não justificam os meios, especialmente se os fins seriam os mesmos sem um meio cruel.

Eis que surge outro argumento: “eu assisto justamente para ver essas pautas sendo levantadas”. Lembrando que escrevo da nossa bolha para a nossa bolha, essa frase me parece vazia: precisamos, em 2021, de um programa de TV para nos fazer pensar sobre xenofobia, bifobia e desequilíbrios mentais? Já não discutimos isso na faculdade? No bar? No Natal? Alguns, até mesmo desde a escola? Nossos conhecidos, nossos amigos, não estavam assistindo pelas problematizações levantadas, mas, sim, pelas brigas, pelos gritos, pelos choros e desespero. Estavam assistindo pela tortura psicológica, e só ela era o entretenimento. E isso me choca. E durante um governo Bolsonaro, me preocupa.


Por fim, a toalha é jogada e eu ouço: “não interessa mais, ele já saiu; não existe mais abusividade, eu posso continuar assistindo”. Em primeiro lugar, é mentira que depois da saída de Lucas os comportamentos abusivos tiveram fim: Conká espalhou mentiras, criou intrigas, e fez outros participantes perderem sua estabilidade emocional. Em segundo lugar, teríamos um problema enorme se parássemos de problematizar situações injustas assim que elas chegassem ao seu fim. Reconhecidas e respeitadas as devidas proporções, mas qual seria o papel de estudarmos História? De termos uma eletiva de Gênero na Fundação? Não devemos esquecer. Não podemos esquecer.


E, escrevo com um resquício de esperança de que, aparentemente, (ainda) não esquecemos: Conká foi eliminada com a maior taxa de rejeição da história do programa. Com ações de publicidade, shows e contratos cancelados, a estimativa, feita por Ana Paula Passarelli, diretora de operações da empresa Brunch, é de que a rapper já tenha perdido por volta de R$ 5 milhões. Isso nos traz uma reflexão que, quando se trata de uma vilã, poucas vezes fazemos: o que acontece depois que ela deixa de aparecer no filme?


Muito se discute atualmente a “política do cancelamento”, e, inevitavelmente, as redes sociais estão explodindo com comentários acerca do cancelamento de Conká: alguns acham que seu nome nunca mais deve ser citado na face da Terra, enquanto outros julgam que a sua expulsão da casa foi suficiente. Os embates entre essas duas opiniões criaram a “política do cancelamento da política do cancelamento”. Talvez Karl Popper se revire no túmulo ao ser citado em um texto sobre um reality show, mas essa nova política criada me remete ao paradoxo da intolerância.


De maneira curiosa, a intolerância de Conká, que foi personificada através dos seus comportamentos abusivos e táticas vis, foi tolerada pelos telespectadores que não desligaram a televisão; mas estes também não desligaram seus computadores quando lhes foi dada a oportunidade de findar sua intolerância dentro do programa, votando noites adentro pela sua eliminação.


Essa incoerência não me permite tentar adivinhar qual vai ser o futuro de sua carreira aqui fora: cancelamento ou não. Contudo, ouso prever que, sem a ajuda de José Bonifácio Brasil de Oliveira nas provas da vida, seu caminho de volta à liderança será árduo.



Autora: Bruna Assis - @abrunaassis

Revisão: Letícia Fagundes


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Fontes


Carol Conká bate recorde de rejeição do ‘BBB’ com 99,17%; veja lista com maiores rejeições do programa. G1, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2021/02/23/karol-conka-bate-recorde-de-rejeicao-do-bbb-com-9917percent-veja-lista-com-maiores-rejeicoes-do-programa.ghtml>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2021.


Karol Conká é eliminada do ‘BBB 21’ com rejeição recorde de 99,17%; como fica a carreira dela agora?. Estadão, 2021. Disponível em: <https://emais.estadao.com.br/noticias/tv,karol-conka-e-eliminada-do-bbb-21,70003625413>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2021.


FEFITO. Publicidade motivou o intervalo exibido após saída de Karol Conka. UOL, 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/colunas/fefito/2021/02/24/bbb-21-saiba-a-razao-do-intervalo-levado-ao-ar-apos-saida-de-karol-conka.htm>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2021.


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