Recentemente, ao navegar pelo acervo de projetos do A’ Design Award & Competition, uma das mais importantes premiações de design do mundo, li uma citação curiosa de Nigel Cross, editor-chefe de uma importante revista de design britânica, em que defendia a posição do design como uma “terceira área” do conhecimento, nem humanidades e nem ciências. No meu dia a dia na FGV, design é sempre tido como um sinônimo de arte, e vice-versa. A partir desse ponto, pensei em trazer uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre o tópico: o que realmente seria o design?
Sendo assim, seguindo uma sequência lógica, devemos primeiro definir “arte”. Uma pesquisa rápida e nos deparamos com um campo todo da filosofia dedicado a responder somente a essa questão: a Filosofia da Arte ou Estética. Começando por Platão, autor de pensamentos vistos como inaugurais no assunto, define-se que a arte é apenas uma representação de uma representação, uma cópia de uma cópia. O filósofo defendeu essa tese partindo da sua visão de que a realidade seria nada mais que uma cópia tangível e inferior de sua essência intangível, praticando ao mesmo tempo um julgamento de valor ao diminuir a legitimidade da arte.
Encaixando o design nessa filosofia, seria possível afirmar que ele é, sim, arte. Arrisco, inclusive, dizer que, a partir do momento em que se propõe a repensar objetos e mensagens para atingir novos objetivos, o design se torna o ápice da arte: uma arte assumida, que deliberadamente distorce aquilo que já existe na condição de representação.
Infelizmente, o esforço para responder se o design é arte não acaba nessa etapa. A concepção de Platão é apenas uma entre dezenas no campo da Filosofia da Arte. Dado que seria impossível, no espaço de um texto, condensar séculos de debate em busca de uma só resposta, é preciso partir de uma única premissa. Portanto, parece satisfatório utilizar uma definição contemporânea à própria noção de design.
Então, tomemos a arte como “uma expressão da experiência humana, valorizada pelo seu valor estético ou emocional” e design como “criar ou desenhar planos para fazer algo", ambas definições presentes em diversos dicionários¹. Dentro desse contexto, os dois são campos distintos, mas que, provavelmente em razão da base compartilhada de conhecimentos como teoria das cores, hierarquia, harmonia, tipografia, etc., se cruzam.
Por exemplo, muitas vezes, um design de um anúncio no Instagram ou uma embalagem de shampoo devem contar com grande valor estético e também por vezes a capacidade de evocar certas emoções. No entanto, parece um exagero considerar essas produções como “expressão da experiência humana”, afinal, ambas têm um claro objetivo exclusivamente comercial.
Além disso, se, porventura, o designer utilizar de seu próprio estilo, em vez da identidade visual do cliente, o produto final não seria adequado ou satisfatório. Essa é a natureza da maior parte das indústrias de serviços, em que o traço individual do designer não é valorizado como o de um pintor ou um ceramista.
Portanto, na mesma medida em que uma produção se afasta de seu objetivo por causa da singularidade de seu autor, ela se aproxima da arte. Assim sendo, é possível argumentar que o que delimita o ponto de cruzamento entre ambos é a adequação de um design a seu objetivo comercial. Isso posto, design não é completamente arte.
Mas com essa conclusão surge um outro questionamento. Se não arte, o que seria o design? A essa segunda dúvida cabe uma abordagem ampla, ao invés de buscar o design em outras definições, é melhor tentar entender seus processos e métodos.
A atividade do designer não é trabalhar horas a fio esperando uma súbita onda de criatividade. Profissionais da área precisam ter processos replicáveis e racionais para manter um fluxo de projetos. É claro que cada designer em sua experiência e formação tem seus próprios métodos. Bryan Lawson, professor de arquitetura no Reino Unido, em seu livro Como arquitetos e designers pensam foi capaz de isolar características comuns a todos os processos de design.
Lawson criou um experimento para observação do comportamento de design partindo da questão "Seria o design uma ciência?". O experimento² consistiu em criar problemas que só poderiam ser resolvidos utilizando um certo arranjo de blocos 3D coloridos que satisfizesse certas regras desconhecidas, e aplicar o mesmo conjunto desses problemas para alunos da pós-graduação de arquitetura e de ciências (matemáticos e físicos).
Os resultados obtidos apontaram que a maior parte dos cientistas adotou estratégias de exploração sistemática da combinação de blocos com o objetivo de descobrir as regras por trás dos arranjos, para então aplicá-las em uma combinação válida. Os arquitetos, por outro lado, mostravam-se predispostos a propor várias soluções e, através de um processo de eliminação simples, encontrar uma solução aceitável.
A partir do experimento, Lawson afirmou que designers têm uma abordagem focada em soluções enquanto cientistas apresentam abordagens focadas em problemas. Contudo, outro fato interessante durante o teste foi que os arquitetos, apesar de serem perfeitamente capazes de alcançar soluções sem se preocupar em conhecer nenhuma das regras, recolhiam informações sobre os padrões que guiavam os arranjos durante a fase de experimentação de possibilidades.
Esse fato aponta para a natureza do processo do design como fundamentalmente diferente de uma ciência, ao passo que este utiliza da síntese, e não da análise, para solucionar problemas. É possível especular que essa característica surge não em razão da formação acadêmica dos profissionais, mas da impossibilidade de ter controle de uma grande parte das variáveis que determinam o sucesso de um design.
Por exemplo, uma peça publicitária de design gráfico depende fortemente do gosto estético e das referências de seu público alvo, fatos que não podem ser precisamente previstos, especialmente considerando limitações rígidas de tempo. Portanto, parece lógico uma abordagem focada na apresentação de soluções, como o rascunho das peças em diferentes estilos para testagem. Dessa forma, é mais eficiente produzir soluções e utilizar a mais adequada, do que conduzir longas pesquisas a fim de entender um público específico.
Retomando a questão inicial, entender o design como processo de construção e criatividade que utiliza da síntese de padrões para alcançar um resultado o afasta não só da arte, mas também da ciência. Ao invés de concluir o texto reduzindo design a um armazém de tudo aquilo que as artes e ciências rejeitam, proponho uma terceira possibilidade, a da linguagem.
Diferentemente de uma língua ou de um idioma, não é necessário que haja propriamente uma comunicação verbal para algo ser considerado uma linguagem. Só é necessário que seja um mecanismo de transmissão de ideias, conceitos ou significados. Um designer, de modo consciente ou não, faz exatamente isso, por meio da síntese de diferentes símbolos em um único projeto, e é capaz de provocar emoções e associações, transmitindo uma mensagem a quem o vê.
Em conclusão, mesmo que o design seja uma espécie de linguagem, ou que ao menos essa definição seja suficiente por hora, é nítido que o esforço de rotular a área requer uma base muito maior de pesquisa, observação e persistência.
Imagem da capa: A' Design Award & Competition
Revisão: João Vitor Vedrano e Julia Rodrigues
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