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ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL NO CENÁRIO DE PANDEMIA: PARA PENSAR EM UM “NOVO NORMAL”



No começo deste ano, a pandemia do novo coronavírus pegou o mundo de surpresa; a proliferação desenfreada do vírus logo atingiu uma proporção global e fez com que começássemos a pensar no que seria tido como o "novo normal". De forma paradoxal, a escala global que a COVID-19 alcançou fez com que o pensamento naquilo que é local ganhasse novamente força e fosse colocado em destaque: fosse pela corrida das nações para garantir a propriedade dos tão concorridos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a qualquer custo, seja ele econômico e moral, ou mesmo pelo patriotismo de ser a primeira nação a conseguir a vacina para a doença. Ou, ainda, pelas novas formas de consumo e relacionamento que passaram a se centralizar em tudo que era mais próximo e alcançável, sem grandes esforços à longa distância, devido, inclusive, às inúmeras restrições de deslocamento e transporte.


Em outra perspectiva, a pandemia trouxe também um outro efeito: grupos e nações que há tanto tempo lutavam contra seus problemas sociais - enfrentando-os ou tentando, ironicamente, mascaŕá-los - agora viram ainda mais expostas suas feridas de desigualdades. O Brasil, por compor esse grupo de nações, enfrenta uma retomada ou um agravamento de inúmeros de seus problemas sociais de caráter histórico, ainda mais em um momento em que o clima de intensa polarização política agrava a situação e acrescenta novos obstáculos à resolução dos problemas.


É nessa conjuntura que o debate sobre Economia Solidária se faz tão atual e necessário. É crucial retomar o desenvolvimento de economias locais de modo mais responsável e estrutural, para fomentar as redes de produção e consumo mais próximas da população, assim, atendendo as necessidades e peculiaridades regionais, especialmente em um momento em que a crise sanitária atinge de maneira desigual os vários territórios do país. E para, mais do que nunca, fomentar a criação e manutenção de empregos que valorizem e dignifiquem o trabalhador e, assim, pensar em uma forma de economia alternativa a um sistema socioeconômico evidentemente em crise.


A Economia Solidária, em termos gerais, caracteriza-se como um modo alternativo de organizar as relações econômicas de troca, venda e produção. Entrando em contraste direto com as premissas do capitalismo tradicional, ela propõe uma economia baseada em princípios como democracia, cooperação, valorização do meio ambiente, da diversidade e das particularidades locais, além de um ponto essencial para o desenvolvimento de qualquer economia local: a reorientação do consumo local para a produção também local, em vez de exterior ao município ou região onde o consumidor está.


Na prática, a Economia Solidária, ou simplesmente EcoSol, como muitas vezes é referida, é muito mais próxima de nós do que parece. Segundo os dados da última coleta feita em 2013 da agora extinta Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), no Brasil, existiam cerca de 20 mil dos chamados Empreendimentos de Economia Solidária (EES). A caracterização como EES, apesar de bastante ampla, muitas vezes ainda não revela a real magnitude da presença desse tipo de economia em nossas vidas: embora existam os empreendimentos mais evidentes, como os bancos de fomento ao desenvolvimento local e economia solidária, as diversas cooperativas - sendo importante também salientar que nem toda cooperativa é de caráter econômico solidário - muitas das associações e coletivos que acabam por praticar economia solidária não são catalogados como tal. Esse é o caso, principalmente, de coletivos de produção e venda que atuam de forma local - a exemplo de produtores e comerciantes de alimentos e roupas.


Muitos desses empreendimentos não possuem a regularização necessária para serem oficialmente identificados enquanto EES, mas compartilham dos mesmos princípios da EcoSol em sua atuação: a valorização do trabalhador enquanto ser humano em primeiro lugar, a não hierarquização de poder, a partilha equitativa dos bens e lucros e a criação de redes que aproximam produção, comércio e consumo de maneira mais consciente e sustentável.


Ainda, pensando na esfera do trabalho, vários são os exemplos que podem ser citados de como a EcoSol tem um potencial de impacto em diversas situações que se tornaram ainda mais presentes em nosso cotidiano no contexto da pandemia. Uma das situações mais evidentes é a dos entregadores de aplicativos, uma das atividades de maior crescimento nesse período. Atualmente, são incontáveis as demandas dessa classe em relação a sua situação de trabalho e remuneração. A rotina desse ofício é extremamente problemática e insegura para o trabalhador, que tanto se expõe e se desgasta. Uma alternativa pautada na EcoSol é a criação de cooperativas de plataforma, que promovem, através da autogestão e uma melhor distribuição de lucro, possibilidades de acesso a proteções trabalhistas, salários justos e jornadas reduzidas.


Assim, é possível notar o quanto a Economia Solidária, apesar de muitas vezes não ser conceituada como tal, está próxima de nós e possui um potencial enquanto alternativa para muitos dos problemas sociais que acometem nossa sociedade. Um período de rompimento de inúmeras premissas socioeconômicas, como a pandemia pela qual estamos passando, acaba por ser favorável para que se pense ainda mais a fundo a EcoSol e, também, para que o Poder Público se aproxime dela enquanto política de Estado, para fortalecer o movimento e, consequentemente, a luta de tantos trabalhadores que compõem e apoiam essa esfera de economia. Neste breve texto, esperamos ter exposto alguns conceitos da Economia Solidária para destacar o quão importante é pensar estratégias de recuperação econômica, que sejam verdadeiramente estruturais e pautadas no desenvolvimento local e na valorização das pessoas, para que o debate ganhe ainda mais força dentro do universo da FGV.



Texto por: Ana Beatriz Oliveira e Rafael Echechipia

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