Ao avistar o véu resplandecente tecido pela lua cheia, dou início a mais uma de minhas caminhadas noturnas. Não são muito demoradas, como as de quem caminha pensativamente por meio de passos largos e incertos buscando resolver os problemas da vida. Mas também não são muito breves, iguais aquelas que envolvem as passadas elétricas e enérgicas dos transeuntes da Grande São Paulo, que se locomovem com o velocímetro em seus olhos marcando elevadas quantidades de adrenalina por hora. Se me permite dizer, são caminhadas com a duração certa, perfeita, impecável! Afinal, levam o tempo necessário para se apreciar os astros, se observar os animais, que pelo trajeto transbordam sua graça, e se refletir sobre as vantagens de estar em uma cidade interiorana tão charmosa quanto a de Ribeirão Preto.
Porém, não quero passar uma imagem errada sobre mim. Jamais! São Paulo capital é meu local de nascimento e berço de todos os meus sonhos. Entretanto, a verdade a ser confessada é que nunca tive o perfil para viver em uma cidade tão grande. Sinto angústia das ruas congestionadas, tomadas por um movimento acalorado de máquinas de todos os portes e potências disputando por espaços menores do que uma vaga para o curso de medicina. Sem falar dos cumprimentos entre seus cidadãos: tão quentes e acolhedores quanto os olhares trocados entre os Montecchios e os Capuletos. Assim, naturalmente, Ribeirão Preto veio a ser minha segunda casa, desde que comecei a visitar regularmente a cidade após meus tios tomarem a ótima decisão de se mudarem para a “Califórnia brasileira”.
Pois bem, voltando ao que importa! Cá estou eu, novamente no habitat natural dos meus anseios, percorrendo a trilha de sempre, sem grandes mudanças. A noite está calma, e o petricor preenche o ambiente assim como a essência de um lavandário se dissipa pelos campos longínquos. As estrelas são magníficas! Sinto que Sirius está me seduzindo nessa madrugada: quer tornar-se o brilho mais encantador já visto pelos olhos humanos. Brilho esse que me entorpece a cada passo que dou em sua direção. Os gatos escondidos nas bocas de lobo acompanham meus passos assim como um recém-nascido observa fixamente os olhos da mãe: sem muito compreender, mas incrivelmente fascinado. Ao fundo, a linha do horizonte é camuflada pelo imponente enfileiramento de prédios da região central, que cria um contraste cinematográfico com a extensa plantação que nos separa.
Por mais que tudo isso tenha seu charme, digo que a verdadeira magia não está em nenhuma das observações listadas, mas em algo incorpóreo que flui instantaneamente para dentro de nós, causando intensa sensação de embriaguez e criando uma forte dependência. Algo simplesmente conhecido como paz. A paz que nos possibilita reparar nos pequenos prazeres que se apresentam à nossa volta, fazendo com que os problemas do cotidiano pareçam simples e leves como uma folha. Paz que nos tira a noção de tempo, deixando-nos à mercê dos atrativos que nos rodeiam, mantendo-nos vidrados nesse sentimento que instala um sorriso de canto de boca que não sabemos explicar. Paz que Ribeirão Preto pôde proporcionar-me, abrindo meus olhos para a bela Lua cheia que pintava o céu nessa linda noite, que traçaria meu caminho sob sua iluminação resplandecente e me puxaria para mais um encontro apaixonado em meio às suas belezas.
Autoria: Rafael Diz Motooka da Cunha Castro
Revisão: Guilherme Caruso e Fernanda Abdo
Imagem de capa: Capa da playlist do Spotify "pra ouvir deitado na grama olhando o céu", de alanisbeatriz
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