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ENTRE A OPULÊNCIA E A CARÊNCIA: UMA REALIDADE SURREAL



No ano de 2021, a lista de bilionários da revista Forbes recebeu quarenta novos nomes brasileiros. A situação contrasta terrivelmente com a realidade do Brasil no mesmo período, marcada pelo crescimento da pobreza, fome e sofrimento da população nacional em meio à crise gerada pela pandemia da Covid-19. o aumento no número de bilionários brasileiros não deve ser considerado um desenvolvimento positivo, mas sim um diagnóstico trágico da desigualdade produzida pelo sistema capitalista vigente e sua inabilidade de lidar com esse seu inerente estorvo ao pleno desenvolvimento social.


Agravados pela pandemia da Covid-19, a inflação e o desemprego galopantes têm pressionado a população em direção à pobreza extrema, que explodiu após o fim do auxílio emergencial e flagela cerca de 27 milhões de pessoas no país. É tal o mórbido surrealismo da realidade brasileira; famílias que sofrem para conseguir colocar comida na mesa durante uma crise histórica da humanidade, afogando-se no charco da miséria, enquanto bilionários nadam nas progressivamente mais cheias piscinas da fartura. É esse cenário lúgubre que motivou a invasão do prédio da Bolsa de Valores pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto neste 23 de setembro, um protesto no qual manifestantes levantaram bandeiras com a palavra “fome” e pedaços de ossos, sinalizando a situação emergencial enfrentada pelo país. Escancarar a inequidade é justamente o que levou à escolha da B3 como palco da manifestação - já que o prédio simboliza a concentração de riqueza, denunciada pelas telas que exibem ações milionárias. E assinalo que o ponto aqui não é fazer uso de um sentimentalismo vazio e autoindulgente, mas propalar a absurdidade desse convívio cordial entre escassez e exagero na sociedade brasileira.


Aliás, é útil para esse entendimento que eu sublinhe que esse convívio de disparidades no Brasil é uma tendência histórica, e não uma excentricidade da pandemia da Covid-19. A desigualdade vertiginosa presente no país já é parte de sua genética e identidade, o que explica, em parte, o porquê de ela ser normalizada. Talvez um dos melhores exemplos para tal seja o Milagre Econômico da ditadura militar; entre os anos 1968 e 1973, a economia brasileira cresceu de maneira acelerada, alcançando um aumento de 14% no PIB, sob o lema “crescer o bolo para depois dividi-lo”. Todavia, o bolo não foi dividido, e empresários e a classe média ficaram com polpudas fatias, enquanto trabalhadores mais pobres tiveram de se contentar com migalhas e arrocho salarial.


Essa aceitação tácita de uma realidade desigual e desumana se alicerça não só na História, como também na crença da existência de uma meritocracia na estrutura capitalista na qual o Brasil se insere, que fabrica o senso de que o sucesso material depende unicamente do esforço individual. Nessa linha, não teria problema algum em estampar capas de revistas prestigiosas com fotografias de bilionários em poses confiantes e lisonjeiras, afinal, elas representariam um caso exemplar de até onde o empenho pode levar todos nós. Entretanto, em um país como o Brasil, no qual uma família de renda baixa demora 9 gerações para atingir uma renda mediana, a crença meritocrática vai de encontro com a realidade amarga. A verdade é que não existe e nem nunca existirá meritocracia na disputa capitalista por riqueza enquanto houver desigualdade material que, por sua vez, é inerente ao sistema. É essa contradição estrutural que torna impossível o desenvolvimento social e a dignidade humana em lugares como o Brasil.


A recente adição de 40 novos brasileiros ao rol de bilionários, especialmente durante a dura crise pela qual o país passa em 2021, é um desenvolvimento deletério que não deve ser visto com bons olhos, já que retrata tendências históricas e sistêmicas de uma disparidade mórbida presente na sociedade capitalista atual. O que fica de implicação é, acredito eu, a percepção de que é necessária a contestação dessa estrutura cruel e a procura de alternativas para essa tragédia realmente kafkiana em que vivemos.


Autoria: Pedro Augusto Rolim

Revisão: Letícia Fagundes

Imagem de capa: Reprodução/Twitter


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Referências


BRASIL tem 40 novos bilionários em 2021, ano de pandemia, diz Forbes. UOL, São Paulo, 27 de agosto, 2021. Economia. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/08/27/40-novos-bilionarios-brasileiros-forbes.htm. Acesso em: 5 de setembro de 2021.

CANZIAN, Fernando. Brasil começa 2021 com mais miseráveis que há uma década. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 de janeiro, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/brasil-comeca-2021-com-mais-miseraveis-que-ha-uma-decada.shtml#:~:text=Com%20fim%20do%20aux%C3%ADlio%20emergencial,e%20supera%20o%20de%202019&text=Com%20o%20fim%20do%20aux%C3%ADlio,da%20d%C3%A9cada%20passada%2C%20em%202011. Acesso em: 5 de setembro de 2021.

SANZ, Beatriz; MENDONÇA, Heloísa. O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade. El País, 28 de novembro, 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html. Acesso em: 5 de setembro de 2021.

TUON, Ligia. Brasil é um dos países com menor mobilidade social em ranking global. Exame, São Paulo, 22 de janeiro, 2020. Disponível em: https://exame.com/economia/brasil-e-um-dos-paises-com-menor-mobilidade-social-em-ranking-global/. Acesso em: 5 de setembro de 2021.

MTST e frente Povo Sem Medo ocupam prédio da Bolsa de Valores de SP em protesto contra a fome. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 de setembro,2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/09/mtst-e-frente-povo-sem-medo-ocupam-predio-da-bolsa-de-valores-de-sp-em-protesto-contra-a-fome.shtml. Acesso em: 27 de setembro de 2021.

BENASSATTO, Leonardo; PEROBELLI, Amanda. Manifestantes invadem sede da B3 para protestar contra desigualdade e Bolsonaro. Folha de São Paulo, 23 de setembro, 2021. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/manifestantes-invadem-sede-da-b3-para-protestar-contra-desigualdade-e-bolsonaro,a308e421a52f7eb25cce603351ef0b06n5ejm2cv.html. Acesso em: 27 de setembro de 2021.

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