Esta Copa, Vai Ser no Crédito ou no Débito?
- Eduardo Loeser
- 14 de mar.
- 6 min de leitura

Quando surge a conversa de qual seria a instituição mais contraprodutiva, minha mente vai imediatamente para a Fédération Internationale de Football Association, conhecida pelo anagrama de FIFA. Ninguém odeia tanto o futebol como a FIFA, nem aquele seu amigo que se acha super inteligente ao falar que o esporte é apenas pão e circo, mêo. Esse cara dá mais valor para o esporte que a própria Federação. As decisões toscas deste que é o órgão máximo do futebol chegam a ser cômicas de tão desconexas com fatos básicos da realidade, já que são impulsionadas por uma ganância mitológica que fez, por exemplo, a FIFA romper o contrato com a EA Games, no qual a empresa podia usar o nome “FIFA” em seus jogos; assim, a Federação Internacional de Futebol recebia 100 milhões de dólares sem fazer nada além de ceder o uso de seu nome. Além de inconsequente, a organização também é um antro de corrupção lendário, com diversos de seus membros de alto escalão tendo sido presos, durante sua história, por pagamento de propinas e outras falcatruas. Isso tudo sem falar na sua proximidade com regimes ditatoriais que usam do esporte para limparem suas imagens. A verdade é que a FIFA é corrupta, conivente com violações dos direitos humanos e uma péssima gestora de seu produto.
Comecemos leve: a organização odeia o futebol bem jogado e se sente ameaçada, tal qual uma criança mimada quando não é o centro das atenções. Neste campo temos que reconhecer que a FIFA é relativamente limitada, já que é responsável apenas por competições de caráter mundial, com as prestigiosas competições continentais sendo organizadas pelas entidades regionais, como a Conmebol na América do Sul e a UEFA na Europa. Com isso, temos uma entidade super limitada que busca formas de se tornar mais relevante frequentemente. E como ela fez isso? Da maneira mais inconsequente possível, é claro. Primeiro, mudou o Campeonato Mundial de Clubes. Invejando a Champions League, organizada pela UEFA - que tem a fama de ser o campeonato que coroa o melhor time do mundo - a FIFA resolveu mudar o formato de sua competição global de clubes. Além de apenas reunir os campeões continentais, a organização iria convidar os melhores times de todo o mundo segundo um ranqueamento feito a cada quatro anos, pela mesma. Mas isso tem sérios problemas. Primeiro, atrapalha o já congestionado calendário anual de competições, dificultando a recuperação física dos jogadores entre um jogo e outro e, portanto, aumenta as chances de lesões graves. Segundo, há um problema semântico, visto que é difícil chamar um campeonato de “mundial” quando a maioria dos times vem da Europa. Por fim, e talvez mais grave, é o problema lógico do campeonato: a equipe que ganhou sua competição continental para ganhar seu espaço neste “super mundial” não tem mais o mesmo time. Por exemplo, o time do Palmeiras que ganhou a Libertadores em 2021, conquistando a vaga nesse novo torneio, não é o time que vai competir no Mundial desse mesmo ano. O desmanche de times campeões é extremamente comum em lugares como a América do Sul, vide o atual campeão continental, o Botafogo, que perdeu boa parte de seu elenco para times estrangeiros, incluindo o técnico, e agora terá que disputar contra equipes europeias consolidadas. Portanto, o campeonato não mede o que ele propõe.
A outra ideia da FIFA para ser mais ativa foi mexer em sua outra, e principal competição. A Federação resolveu aumentar o número de times que disputam a Copa do Mundo, saltando de 32 para 48 seleções (com possibilidade de ainda aumnetar para 64 seleções no futuro). Com isso, a Federação deve aumentar sua receita. Não sejamos inocentes, afinal são mais jogos que levam a mais contratos de patrocínio e transmissão, resultando em mais dinheiro.. Sim, é possível que o nível das partidas diminuirá, já que terão já que teremos seleções mais fracas disputando o campeonato, o que pode levar a jogos terríveis na maior competição esportiva do planeta, diminuindo o prestígio da competição. No entanto, isso permite que países que nunca se viram no maior palco do esporte tenham uma chance de mostrar seu espírito esportivo. Sendo assim, apesar de tudo, considero esse aumento o menor pecado Fifesco. O que me irrita é a última ideia: tornar a Copa do Mundo um evento que acontece a cada dois anos ao invés dos atuais quatro. A pessoa que sugeriu essa atrocidade deveria ser expulsa do esporte. Isso destruiria todas as outras competições do planeta bola, sejam elas de clubes ou seleções, pois criaria um calendário ilógico, já que aumentariam também a frequência dos jogos classificatórios para a Copa. O caos seria tão generalizado que acabaria impactando até outras modalidades, como é o caso do futebol feminino que, apesar de ascendente, não resistiria a este apocalipse em suas datas. Quando se jogariam os campeonatos nacionais? E as copas? As copas continentais de clubes e de seleções? Ao sugerir uma Copa do Mundo Bienal, a FIFA demonstra que não se importa com o dia-a-dia do esporte. Pior, demonstra que não o conhece o suficiente, achando que o que desenvolve o futebol em um país são as seleções e não os clubes, quando na realidade é o contrário. Antes da Seleção Brasileira jogo já existiam Botafogo, Santos, Corinthians, Flamengo, Grêmio e inúmeros outros times de importância ímpar no esporte nacional. Mas o maior incomodo é a desvalorização do torneio, que deixaria de ser algo raro para se tornar uma competição barata e comum, com pouca variação de uma edição para a outra, uma vez que não haveria tempo para cada seleção mudar significativamente seus jogadores.
Certo, com a incompetência já adereçada, falemos agora da falta de caráter. A Federação é notoriamente corrupta. Em 2015, foi alvo de uma gigantesca investigação pelo FBI por pagamento de propinas, lavagem de dinheiro e fraude para favorecer a influência de terceiros aos direitos de marketing da organização.Neste esquema, foi descoberto jogo sujona escolha dos Estados Unidos como sede do centenário da Copa América em 2016 e até no processo seletivo para a sede da Copa do Mundo de 2010. Esse escândalo, que na tradição Americana ficou conhecido como FIFAgate, terminou com a prisão de diversos membros da organização e a renúncia e subsequente suspensão do então presidente Sepp Blatter.
Talvez o caso mais notável de corrupção e de falta de senso ético da FIFA tenha sido a escolha do Catar como sede da Copa de 2022. Investigações do FBI apontam que diversos pagamentos de propinas foram feitos para influenciar a escolha do país do Oriente Médio como sede. Realizar aquela edição no Catar foi uma vergonha, algo que não só foi fruto de uma campanha corrupta, mas também demonstrou a complacência da Federação com as violações de direitos humanos gritantes no país. Uma edição onde os estádios construídos por mão de obra escrava de imigrantes que tiveram seus passaportes tomados quando chegam ao país, a fim de impedir que escapassem das condições sub-humanas a que estão submetidos, deveria ser uma vergonha que promoveria reformas na Federação, mas apenas a enriqueceu. No fim, a FIFA contribuiu para lavar a imagem de ditadura escravocrata, relevando os sérios problemas do Catar em prol de embolsar 40 bilhões de reais para financiar mais projetos egocêntricos e que ativamente pioram a qualidade do esporte a qual dizem defender. E o presente repete o passado. Recentemente foi anunciado que a Árabia Saudita será a sede da Copa do Mundo de 2034, um país ditatorial tão brutal quanto o Catar que, assim como a Rússia (que está suspensa pela Federação), está envolvida em uma guerra com um de seus vizinhos, o Iêmen. Coincidentemente essa nomeação veio após a estatal de petróleo Saudita, a ARAMCO, se tornar a principal patrocinadora do FIFA, possibilitando o novo “Super Mundial de Clubes”.
No final, devo dar os meus méritos à FIFA: deve ser difícil ser tão descaradamente corrupta e nociva no que se defende e ainda continuar com algum pingo de legitimidade. As escolhas da organização são bizarras, moralmente falhas e o tratamento diferente com quem aceita ser sede nas Copas do Mundo beira o cômico. Em 2014, a Federação forçou o Brasil a reverter uma lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, devido à violência, para poder vender a cerveja de seu patrocinador. Porém, em 2022, saiu em defesa da política da proibição de bebidas alcoólicas do Catar, mesmo ainda tendo a Budweiser como patrocinadora. Para a FIFA, não importa se os jogadores se lesionam cada vez mais graças a um calendário esquizofrênico, nem se o produto que defendem (ou dizem defender) fica pior, nem se ajudam ditaduras a lavarem suas imagens; o que realmente importa é seu ego e o seu bolso.
Autoria: Eduardo Loeser
Revisão: Isabelle Moreira e Artur Santilli
Imagem de Capa: Fabrice Coffrini / AFP
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