“Claro que tudo isso é uma escolha do aluno, mas não é contraditório que um aluno sem condições de pagar os estudos na tão sonhada faculdade precise escolher entre acumular uma dívida imensa [...] ou abdicar de atividades fundamentais no seu desenvolvimento profissional e acadêmico?”. É com esse questionamento que uma aluna do sexto semestre do curso de Relações Internacionais da FGV começa a entrevista. O tema bolsas de estudos na FGV como um todo sempre gera polêmicas, mas nenhuma escola da Fundação em São Paulo possui tantas incongruências quanto a de Relações Internacionais.
Fundado em 2018, o curso de Relações Internacionais da FGV não apenas é o mais novo, como também o que mais permanece um mistério para os alunos das outras escolas da Fundação. O prédio que ocupa a Avenida Paulista, N° 548, abriga hoje cerca de 300 alunos, dos quais 22,8% são bolsistas, segundo levantamento do último censo do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI). Mesmo assim, se comparada a outros cursos, a famosa GV RI, ainda se encontra muito atrás no quesito bolsas de estudo.
Embora a defasagem em muito advenha do pouco tempo da escola, o número de bolsistas também se relaciona com o precário sistema de seleção de bolsas, que tem como critério principal manter os alunos na escola ao invés da necessidade socioeconômica destes. Do total de bolsistas de Relações Internacionais, apenas 3% são contemplados pela modalidade “não restituivel”, ou seja, completamente gratuita. Mesmo assim, menos de 1% do alunato possui renda equivalente a menos de 6 salários mínimos, o que, em geral, é um critério para concessão de bolsas nas outras escolas da FGV.
fonte: reprodução site FGV RI
No quadro acima, retirado diretamente do site da graduação em relações internacionais da FGV, encontram-se as explicações para as diferentes bolsas da escola. Entretanto, quando analisadas de forma mais profunda, estas não seguem parâmetros muito claros. Um dos pontos de maior atenção são as chamadas bolsas “Mario Henrique Simonsen”. Nesta modalidade, alunos aprovados em vestibulares de faculdades públicas com campus na cidade de São Paulo ganham bolsa de estudos integral durante os quatro anos da faculdade independente de sua necessidade, como uma forma de retê-los e agregar valor ao nome da escola. Apesar de apenas divulgada oficialmente recentemente, há registros desta modalidade de bolsa desde os ingressantes de 2021, ainda que de maneira não oficial. Alunos que entraram naquele ano e foram contemplados por essa modalidade não foram avisados que a bolsa só valeria por um ano, perdendo-a em 2022: “Fui contemplada apenas quando informei minha situação sobre ter sido aprovada em uma faculdade pública. [...] um dos motivos de ter ficado na GV foi esse auxílio financeiro.”.
Muitos bolsistas por necessidade econômica que são contemplados com a modalidade restituível, ou uma mistura de restituível com não restituível, reclamam da dificuldade em receber bolsas que não serão cobradas no futuro. “No meu primeiro ano na FGV tive a bolsa não-restituível. No ano seguinte, sem nenhuma justificativa ou aviso prévio, minha bolsa foi alterada para restituível e com uma parcela diferente.” diz estudante. A principal crítica do alunato vai para os grandes números de bolsa Mérito e Simonsen para aqueles que, financeiramente falando, não precisam, enquanto alunos em situação de fragilidade econômica assumem dívidas com juros.
Em um curso que hoje conta com uma mensalidade de R$5877, há, como dito pelos entrevistados, verdadeiros obstáculos para o acesso dos alunos com diferentes realidades socioeconômicas e, com uma distribuição inadequada de bolsas, essa realidade parece perdurar por mais algum tempo. “Os alunos com dificuldades econômicas normalmente têm bolsas restituíveis, o que coloca uma pressão enorme pelo valor que acumulado e a ser pago após a faculdade”, diz uma aluna.
Para além da mensalidade, as condições para os bolsistas também não são muito favoráveis dentro da escola. Sem um coletivo que os represente, como é o caso na EAESP e na EESP, o grupo some em meio aos 72% de alunos que não possuem nenhum tipo de bolsa. “Sempre achei injusto a FGV nos colocar sob uma competição por bolsas de mérito, sendo que alguns alunos precisam conciliar estudos com trabalho para ajudar na renda familiar; [...]os alunos que mais precisam da bolsa acabam tendo que recorrer a bolsa restituível”. Assim, a pressão por notas e pelo bom desempenho no ranking de alunos somada ao processo de insulamento dos bolsistas faz com que a vivência desses estudantes seja muito mais difícil.
Embora seja importante, o entendimento da união entre o grupo de bolsistas não é unânime. “Na medida do possível, todos procuram se ajudar em relação a informações e problemas recorrentes, muitas vezes ajudando muito mais do que o próprio atendimento do Fundo de Bolsas da Fundação” , diz um dos estudantes. Já outra aluna afirma: “Não conheço todos os bolsistas. Mas acredito que conheço a maioria do meu ano. Poderíamos ser mais unidos.” Essa divergência de opinião tangencia todos os semestres dos alunos, revelando também a disparidade das experiências dos bolsistas da escola, pouco homogênea no quesito de vivências.
Como ponto de atenção unânime entre os alunos, bolsistas ou não, há o próprio funcionamento do Comitê de Bolsas da FGV RI. “Acho que o sistema é pouco inclusivo, muito burocrático e, muitas vezes, não inclui quem realmente precisa de bolsa”, diz uma entrevistada. Felizmente, alguns alunos afirmam que encontram na coordenação e no Centro Acadêmico de Relações Internacionais apoio para tratar do assunto. Ainda assim, as dificuldades dos alunos com a burocracia representam mais obstáculos na concessão das bolsas e a pouca transparência do Comitê de Bolsas apenas piora a situação: “O [problema] mais marcante foi quando havia enviado toda a documentação necessária nas datas certas e 3 meses depois [...] minha bolsa havia desaparecido nos boletos. Quando perguntei o que havia acontecido, me responderam que nunca haviam enviado a documentação e pedido a renovação da bolsa.”
Percebe-se que em todas as entrevistas, com bolsistas e não bolsistas, há, como similaridade, a insatisfação geral com o Comitê de Bolsas da escola. Apesar disso, há receio em se pronunciar e justamente para não prejudicarem sua posição com o fundo ou com a própria administração da FGV RI. O temor é que falar a verdade, para eles, pode “pegar mal”. Com um ambiente que estimula a competição do alunato e um injusto sistema de distribuição de bolsas, as políticas de ações afirmativas da FGV RI, com certeza, deixam a desejar.
Autoria: Arthur Quinello e Rafael Monteiro
Revisão: Artur Santilli e Gabriela Veit
Imagem de capa: Reprodução- Escola de Relações Internacionais/ Fotografia própria
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