Na última sexta-feira, dia 3 de novembro, foi lançado no Prime Video o último episódio da primeira temporada da série que se tornou a mais lucrativa do serviço de streaming em 2023. Gen V, spin-off de The Boys, concluiu a primeira temporada buscando um novo público para o universo que teve início com a HQ de Garth Ennis e Darick Robertson, mas não abriu mão das cenas sangrentas e escatológicas que marcam a série original e atraem tantos fãs.
A nova série introduz a GodU (Godolkin University) pelos olhos da protagonista, Marie Moreau, que sonha em ser a primeira mulher negra a fazer parte dos Sete (espécie de Vingadores ou Liga da Justiça do universo da série). A universidade, gerida pela Vought — conglomerado comercial e midiático que produz filmes, controla a imagem comercial dos heróis e tem o poder sobre o uso do composto V, substância que dá poderes às pessoas —, é uma escola de super-heróis que se divide em escola de mídia e escola de crime, sendo que os alunos mais bem colocados no ranking da universidade fazem parte da segunda. Como bem devem imaginar os fãs de The Boys, nada na faculdade é como parece ser, estando vinculada à Vought.
A trama se desenvolve tanto a partir de conflitos internos das personagens quanto através da descoberta do real propósito da empresa que gere a universidade. A série tem muitas qualidades e poucos defeitos, o que permite que pessoas que não viram The Boys tenham um primeiro contato muito prazeroso com o universo, ao mesmo tempo que, para os antigos fãs, traz uma nova camada à série original.
Para começar, é admirável o ar fresco que a série trouxe para o desenvolvimento de personagens em séries e filmes do gênero de super-heróis, superando a simples trama de: descoberta de poderes, conflito interno com esta nova realidade e aprender a lidar com ela. A partir disso, o roteiro se utiliza da escolha dos pais em dar a substância (composto V) que dá poderes a quem a injeta, como forma de trabalhar os traumas e desafios enfrentados por jovens por escolhas e um passado que eles não escolheram. Nesse sentindo, a série explora os sentimentos dos heróis sobre realizar um sonho que, por vezes, nunca foi deles. Levando em conta a proposta de apelar para um público mais jovem, tal escolha de roteiro fez muito sentido tendo em vista que isto reflete muito do que se vê na realidade: jovens que arcam com escolhas dos pais, tomadas na infância, que os leva a viver uma vida muito mais em função dos desejos e sonhos dos pais do que em função dos próprios. Contudo, me pareceu que os criadores perderam uma ótima oportunidade de aprofundar este debate e explorar melhor estes sentimentos, se afastando do convencional (isto é, utilizar a temática não apenas como entretenimento superficial, mas algo mais aprofundado), para dar espaço ao desenvolvimento do mistério que envolve os personagens. Aqui, é importante apontar que o tempo de duração dos episódios não é nada grande, permitindo que, em vista do padrão atual das séries, muitos fossem prolongados por alguns minutos (alguns nem chegam a 35 minutos, excluindo os créditos) para permitir este maior desenvolvimento, não abrindo mão do suspense central da trama.
Outro ponto interessante do roteiro é que a série se beneficiou muito da pré-existência e da concretude de um universo conhecido, fazendo com que um maior tempo de tela fosse gasto apresentando apenas o núcleo de personagens e ambientação que fossem necessários para o desenrolar da trama. Ainda assim, é uma série com uma história suficientemente desvinculada da série original para atrair novos espectadores. Até mesmo porque apela para um novo público mais jovem que não teve a oportunidade de conhecer o universo por meio de The Boys.
Também, percebe-se que os roteiristas não se preocuparam em fazer uma série que mencionasse The Boys a todo momento ou que se limitasse apenas a ampliar esse já conhecido universo, que era um grande medo meu depois de tantas séries da Marvel que não se preocuparam em desenvolver a trama e os personagens, mas apenas em expandir o universo. Dessa forma, se trata de um desenvolvimento em um pequeno núcleo, que conta com poucos cenários e personagens e não serve apenas para criar terreno para novas séries, personalidades ou até filmes, mas sim de uma nova história relevante para entender o funcionamento da sociedade ali apresentada e para entender as grandes frustrações dos heróis desta e da outra série.
Quanto aos personagens, o único que me parece passível de críticas é o Golden Boy, interpretado pelo filho de Schwarzenegger. Não que o personagem seja ruim, mas ele parece um pouco largado na trama e serviu de instrumento para o roteiro se desenvolver no começo. Nem nas aparições do personagem depois do evento trágico do primeiro episódio ele parece aportar muito à história.
Os demais heróis que compõem o grupo de protagonistas são ótimos. A forma como utilizaram os poderes para refletir sobre questões muito pertinentes da atual juventude contribuiu ainda mais para entender os conflitos que se passam na mente destes jovens que pouco puderam escolher sobre seu futuro e para compreender como ter poderes pode ser muito mais um peso do que uma virtude. O que se vê, portanto, é uma jovem que precisa se automutilar para usar seus poderes e outra que sofre com distúrbio alimentar. Além disso, há uma representação gráfica e muito interessante da fluidez de gênero, agora sim como um poder, e não como um fardo.
Por fim, Gen V é uma série que deve ser vista e que independe de The Boys. A trama adolescente apresenta mais uma camada a este universo tão entusiasmante e complexo criado por Ennis e Robertson. Gen V foi renovada para uma segunda temporada, o que deixa em aberto se os eventos vistos na série devem continuar na quarta temporada da série original ou na próxima da nova série.
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Autoria: Gustavo Abou
Revisão: Anna Cecílina Serrano, Artur Santilli e Laura Freitas
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