top of page

ITANHAÉM




Eu só fui a Itanhaém uma vez na minha vida, o que é um tanto surpreendente, já que a infância e a juventude da minha mãe foram marcadas por esta cidade. Muitos anos atrás, nos anos 60, meu avô Antônio comprou uma casa de praia lá. Minha mãe e seus irmãos mais velhos, meu tio Lu e minha dinda Simone cresceram indo a Itanhaém. Eu tenho fotos da minha avó com uns trinta e poucos anos na Praia da Saudade. Eu sinto muita falta da minha avó.


Eu sempre fui muito conectado com a família da minha mãe, os Toledo. Bem mais do que o lado do meu pai, os Pinheiro. Acredito que a maior diferença entre as famílias era o carinho. Enquanto o lado da minha mãe era sensível, alto-astral e amava incondicionalmente, o meu lado paterno era muito mais sério, frio e crítico.


Eu cresci ouvindo as histórias da minha mãe sobre Itanhaém. Sobre a vez que ela teve que atravessar o rio transbordante nadando, no meio da noite, depois de uma baladinha, com a sandália nova da minha dinda em cima da cabeça — se ela molhasse, minha tia teria tido um treco. Sobre como ela caiu da garupa da moto do meu tio e se ralou toda. Sobre as coleções de conchinhas que fazia com a ajuda da minha avó. Itanhaém era uma segunda casa para minha mãe e um lugar que de muitas formas representava sua família e seu amadurecimento. Os mares da Praia de Peruíbe assistiram à minha mãe desde o seu nascimento até o dia em que se tornou uma mulher.


Desde que minha mãe começou a namorar meu pai, quando ela tinha 24 anos, nunca mais foi para Itanhaém. Semana que vem ela faz 52. Minha mãe sempre quis voltar para Itanhaém e sempre expressou este desejo. A razão pela qual ela nunca voltou foi meu pai. Ele tinha uma superstição relacionada a Itanhaém, já que o tio dele, Renato, morreu quando ele estava passando uma temporada nesta praia. Eu entendo. Minha mãe não só entendia, como colocava as necessidades do meu pai em primeiro lugar e fazia este sacrifício por ele. Sempre que a família da minha mãe viajava para Itanhaém, ela não ia. Em vez disso, ela viajava para a Baroneza com o meu pai, onde meu avô paterno, Eduardo, tinha uma casa. Minha mãe nunca gostou, mas sempre ia, pelo meu pai. Ela nunca gostou da forma como o meu avô achava que a família dele era superior às outras, como ele gostava das coisas do jeito dele e como este era o único jeito certo de se fazer as coisas, nem como a minha avó Chiara dava tanta importância para seu dinheiro, sua imagem e sua reputação. A família do meu pai não era apenas elitista, eles também eram frios. Minha mãe cresceu rodeada de uma família que amava muito e não tinha receio em demonstrar este amor. Na casa do meu pai, a linguagem era outra, tanto que eu nunca vi o meu pai chorar. A família Pinheiro fazia as coisas na base da demanda, da exigência. O amor era silencioso, com restrições e condições. Havia muitos problemas, mas todos eram jogados para debaixo do tapete.


Minha mãe estava muito mal acostumada com este sistema, porém hoje acredito que ela seja craque: guarda tudo para si, fica calada, aceita, acena. Nem sempre foi assim. Ela não fala muito sobre, mas sei que foi difícil para ela entrar na família. Mais difícil ainda por conta da minha tia Aurora, esposa do irmão do meu pai, que sempre foi uma pessoa muito malvada com a minha mãe. Mesmo assim, ela viu, pelo menos uma vez por semana, a família do meu pai nos últimos 27 anos. Ela sempre me diz “casamento é sobre sacrifícios”.


Meu pai nunca fez sacrifícios pela minha mãe. Ele nunca foi para Itanhaém. Ele sempre evitou ir almoçar com a família dela. Quando eu era pequeno, de vez em quando nós íamos para Águas de Lindóia com os Toledo. Eu e a Helena, minha irmã, amávamos, tanto que as melhores memórias das nossas infâncias são de lá. Depois da morte do meu avô Antônio em 2010, nós começamos a ir menos e, eventualmente, paramos. Meu pai não gostava de ir, achava sem graça.


Meu avô Antônio era muito próximo da minha mãe, ela era a filha favorita dele. Mesmo depois de crescida, ela ainda era uma pequena menina aos seus olhos, que deveria ser protegida dos perigos do mundo a qualquer custo. Ela era extremamente ligada a ele e, depois de sua morte, isso ficou ainda mais nítido. Ela ficou desamparada e, na busca de alguém que a cuidasse, que a protegesse, aumentou a sua dependência do meu pai. Por isso, acredito, ela sempre fez questão de deixá-lo feliz em seu casamento, mesmo se tivesse que sacrificar sua própria felicidade. Ela tinha medo de perdê-lo, mas tinha ainda mais medo de ficar sozinha.


Mesmo vendo menos a família da minha mãe, eu era muito próximo deles, especialmente da minha avó, com quem eu sempre fui muito conectado. Eu ouvia muito sobre Itanhaém e insistia para minha mãe que queria ir. Meu pai ficava estressado quando eu tocava no assunto. Finalmente, em um feriado, quando eu tinha uns 9 anos, minha dinda Simone levou eu, minha irmã e minha avó para Itanhaém. Minha mãe não foi, ela não podia deixar meu pai sozinho. Meu pai sempre deixa minha mãe sozinha quando ela não quer ir para a Baroneza.


A viagem foi rápida, mas foi uma delícia. Eu lembro das brincadeiras que eu joguei no carro com a minha dinda, do hot dog que ela fez com queijo derretido por cima, de ir para praia, de ir ao passeio para a Gruta da Nossa Senhora de Lourdes e de almoçar no Maneco, que é um clássico. Eu fui a vários lugares que minha mãe sempre falava sobre, mas ela não estava lá comigo. Eu gostaria de ter feito esta e muitas outras viagens a Itanhaém com ela.


Os pais da minha mãe já faleceram e seus irmãos estão brigados. Hoje em dia, só saímos com a família do meu pai. A casa de Itanhaém foi vendida. A casa da minha avó, na qual a minha mãe cresceu, também foi. Ela se arrepende de não ter passado mais tempo com a minha avó, de não ter aproveitado Itanhaém com o meu avô. Ela se sente só e vulnerável sem eles, sem sua proteção e seu acolhimento. Toda semana vemos a família do meu pai, mas aquela não é a família dela, aqueles não são os pais dela. A sua infância é uma memória distante. Sua família é uma lembrança. A Baroneza não é Itanhaém. E a mulher que ela vê no espelho não é a Cacá sorridente que corria na praia para abraçar seu pai. Quem é ela? Quem é a família dela? Será que a sua família só existirá em seu passado?


Autoria: Luís de Paula Eduardo

Revisão: Guilherme Caruso e Lucas Tacara

Imagem da Capa: La Mer, 2012, Mari Loddo







Comments


bottom of page