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LIVROS CLÁSSICOS, PINGUINS E CELEBRIDADES: Como a leitura se tornou um símbolo de status social



Prefácio:


No meu aniversário de 14 anos, pedi de presente um livro da coleção Penguin Classics. Para aqueles que não estão familiarizados com ela, essa coleção é o sonho de consumo de qualquer leitor. Simplesmente o equivalente à Ferrari do mundo dos livros, mas não essas edições novas cheias de tecnologia e botões desnecessários. Estamos falando do carro vermelho clássico, aquele conversível com os faroizinhos arredondados e apenas um vidro baixo na parte da frente. As edições da Penguin Classics são versões capa dura de clássicos da literatura mundial, que são encapados em tecido e vêm até com aquelas fitinhas acopladas para marcar as páginas. Um luxo!


Como o livro precisava ser importado — como dita a nossa velha síndrome do vira-lata — encomendei ele com meses de antecedência e fiquei naquela constante ansiedade, sempre parando na frente da guarita do prédio para perguntar ao porteiro se algo havia chegado. Até que um dia, ao chegar da escola, me deparei com uma caixa de papelão ao lado da fruteira da cozinha. Não podia ser! Abri o pacote às pressas e, quando vi o livro preto embalado em plástico bolha no fundo da caixa, podia até ouvir o coro dos anjos. Peguei o livro e após folhear cuidadosamente as páginas, coloquei ele numa prateleira no meio da minha estante para que ele ficasse bem visível para todos que entrassem no quarto. E lá ele está até hoje… Nunca o li. 


Não me entenda mal. Já li aquela história milhares de vezes, em outras edições em papel e até mesmo digital. Mas a formosa edição da Penguin Classics nunca saiu da estante. E sinto até certa vergonha em informar que, depois dela, vieram muitas outras edições grandiosas de livros que também nunca foram lidos. A verdade é que, de certa forma, sinto como se elas não tivessem sido feitas para isso. Ler um livro desse porte estragaria ele. Deixaria as pontas amassadas, a lombada frouxa e as páginas amassadas. Mas às vezes, ao entrar no meu quarto e me deparar com aquele calhamaço intacto no meio de tantos livros já usados, repletos de anotações e post-its coloridos, me pergunto o porquê de eu ter comprado aquilo. E a resposta, apesar de eu não gostar de admitir, é clara para qualquer um — especialmente para aqueles que também possuem lindos livros intocados na estante. 


Assim como algumas pessoas compram bolsas luxuosas, sapatos e Ferraris, a minha edição em capa dura da Penguin Classics é apenas algo para ser visto como um símbolo de status social. Para ser visto e apreciado. E nada além disso. Vamos concordar que se eu quisesse apenas ler a história, poderia muito bem ter comprado a edição mais barata numa livraria qualquer, ou até mesmo baixado um e-book, e simplesmente lido. Sem ter que ficar meses esperando uma pequena caixa de papelão ser enviada do outro lado do mundo.


Capítulo I: Livros como símbolo de status social Uma análise histórica 


Obviamente não fui a primeira, e nem serei a última, a usar livros como um símbolo de status social. Desde a época da invenção da escrita, cerca de 3500 A.C na Mesopotâmia e 3150 A.C com os hieróglifos no Egito, não só as escrituras como também os escribas possuíam uma grande importância social e eram vistos como atores influentes por toda a sociedade. Já no império romano, apenas a elite tinha acesso a tais bens, e aqueles que os possuíam eram vistos como detentores de conhecimento, e por isso, tinham um grande prestígio cultural. Assim, as classes mais altas gostavam de encher suas casas com diversos livros para mostrar tamanho poder intelectual e aquisitivo, muitos dos quais nunca eram lidos — o que, vamos combinar, não está nem um pouco distante do que acontece hoje em dia. No início do século I A.C, o filósofo romano Seneca ficou conhecido por criticar esse ato de acumular livros apenas para deixá-los amostra como peças de decoração. 


“É possível ver as obras completas de oradores e historiadores em prateleiras até o teto, porque assim como os banheiros, uma biblioteca se tornou um ornamento essencial de uma casa rica” - Seneca (tradução livre)


Essa mania de usar livros como símbolo de status social, e de criticar aqueles que o faziam, seguiu acontecendo por milhares de anos. Até que, especialmente após a invenção da imprensa, os livros foram se tornando objetos cada vez mais acessíveis e, lá pelo século XVIII, já eram considerados bens populares. A elite precisava então encontrar novas formas de se destacar em meio a um cenário literário no qual eles não eram mais os únicos com acesso aos livros. E é bem nessa época que surge o conceito de “Crítica Literária”. 



Capítulo II: Quem lê o que? A crítica literária e a romantização da elite 


Agora, não bastava ter acesso aos livros, precisava saber como lê-los. Através do essay “O Leitor Comum”, da escritora Virgina Woolf, é possível ver bem como essa nova divisão era feita: 


“O leitor comum difere do crítico e do acadêmico. Não é tão educado, e a natureza não lhe foi pródiga em talentos. Lê por prazer e não para destilar conhecimento ou corrigir a opinião alheia. (...) Apressado, impreciso e superficial, agarrando aqui este poema, acolá aquela farpa de móvel velho, sem dar a mínima para onde os encontra ou qual a sua natureza” - Virginia Woolf, O leitor Comum, 1925


Essa mesma retórica, apesar de antiga, continua presente nos dias de hoje. Qualquer pessoa que esteve no tumblr durante 2018 e presenciou a popularização da estética “Dark Academia” sabe exatamente do que eu to falando. A glamourização de universidades de elite, bolsas e sapatos de couro vintage, estátuas de mármore antigo e uma estética bem old money, características desse estilo, demonstram isso. Não vou negar, na época eu adorava — fazer o que se sou uma mulher fruto do meu tempo? Mas acho interessante entender de onde vem isso tudo, mesmo que só represente algumas páginas da história. 


Capítulo III: Que livro você tá usando? Livros como acessórios no século XXI


Tendo em vista essa associação entre livros, status social e a esquisita sensação de pertencimento a uma certa elite intelectual advinda da combinação dos dois, não é de se espantar que os livros apareçam direto nas mãos do que, na era da internet, são a forma mais tangente de aristocracia: As celebridades. Em 2023, a Vogue Britânica publicou uma matéria que aborda a utilização de livros como uma espécie de capital cultural utilizada por celebridades para promover uma espécie de status intelectual e seriedade nas redes sociais. 


“É claro que isso só funciona se você se comprometer tanto com os livros quanto com a aparência – e isso tem se mostrado uma combinação poderosa na grande mídia. Em Gossip Girl e White Lotus , descendentes abastados e adolescentes pretensiosos carregam Eve Babitz, Neitzsche e Elena Ferrante como se fossem baguetes Fendi. ” - Trecho do artigo da Vogue Britânica, 2023


A Kendall Jenner lendo uma coletânea de essays em um iate, a Gigi Haddid com uma cópia de “O estrangeiro” do Albert Camus na fashion week de Milão, na mesma época em que sua irmã Bella Haddid foi fotografada com uma edição enorme de um livro do Stephen King debaixo dos braços, e o Marc Jacobs com suas fotos segurando livros de uma forma quase que forçada são apenas alguns exemplos de como hoje em dia, livros são vistos como alguns dos melhores acessórios para complementar um look — só não esqueça de combinar a capa com os sapatos!


Considerações Finais: Meu singelo parecer a respeito de tudo isso 


Acho que minha maior dificuldade ao escrever esse texto foi tentar fazer com que ele não soasse como uma crítica a todo esse fenômeno. Vamos combinar que isso seria super incoerente da minha parte – até porque uma pessoa que gastou uma grana na linda edição da Penguin Classics não tá lá muito longe disso tudo. Não queria tomar o lado do Seneca, e nem da elite romana acumuladora que ele criticava, até porque acredito que no fundo todos temos um pouco dos dois. 


Fato é que livros são sim objetos que simbolizam um certo status social, mas, no atual estágio do capitalismo, o que não é? Às vezes acho que ficamos tão presos em achar significados para as coisas que nos prendemos a uma certa interpretação da realidade, sem levar em conta que nada é imutável. Não se faz mais leitura como antigamente, e isso não é nem um pouco ruim. 


Ninguém é menos leitor por ter livros não lidos na estante. Da mesma forma que ninguém recebe prêmios por lê-los. A leitura é fundamental, e se o que desperta esse interesse em você é o tiktok, recomendações de um crítico literário renomado, comprar edições especiais, aderir a um movimento estético ou até mesmo uma Kardashian segurando um livro em um iate, que seja! Os livros continuarão sendo livros, independente do significado que colocamos  neles e, estando na mão ou parados na estante, o importante é que eles tenham uma boa história para contar. 


Nota da autora:


Para aqueles que ficaram curiosos, o livro da Penguin Classics se trata de uma edição linda de “O Retrato de Dorian Gray”, do Oscar Wilde, um dos meus livros favoritos. Já para aqueles que não estavam nem aí pra essa informação, mas gostariam de acessar o artigo da Vogue mencionado no texto, é só clicar aqui. Vale também ressaltar que a ideia de escrever esse texto surgiu após eu assistir um vídeo essay no Youtube, do canal Mina Le. O vídeo tem quase uma hora, mas para aqueles que se interessarem, vou deixar o link aqui. Já para os historiadores de plantão, as informações da análise histórica vieram majoritariamente desse artigo.


Autoria: Victorya Pimentel

Revisão: Laura Freitas


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