O meu amor pelos esportes vem desde pequena: eu sempre corria por aí, era a mais forte ao jogar e não temia uma bolada. Hoje eu tenho medo de me machucar, não se chutam uma bola em minha cara, mas se eu viro o pé ou se sinto que me mexi de um jeito errado. E tenha certeza, eu sei o que é se machucar, já fiz mais de 30 raios-X e algumas vezes escolhi colocar uma bota sem nem ir ao pronto socorro, mas algumas lesões são piores que as outras, não pela dor, pelo tempo que te afastam da adrenalina que o esporte proporciona.
Cada um se relaciona com o esporte de uma maneira diferente, mas pode ter certeza, se você realmente ama o que faz, uma lesão é seu pior pesadelo. Atletas profissionais sentem isso com mais intensidade, é claro: você é impedido de trabalhar, de praticar (talvez) a razão do seu viver. Atletas amadores, no entanto, não deixam de sentir essa dor: parece que uma parte de você foi arrancada e o maior medo é nunca conseguir recuperá-la.
Pós Econo talvez esse não seja o tema mais esperado, principalmente de alguém que competiu pela GV e não teve nenhuma lesão que a impediu, mas a verdade é: alguém próximo a mim se machucou e eu lembrei de cada lesão que tive ao longo dos anos. Cada raio-X que eu fiz, cada tala que usei, cada consulta que tive de ir, me afastaram das quadras e das piscinas. Cada competição e cada jogo que eu perdi por licença médica assombram meus pensamentos.
Recentemente eu torci o tornozelo, virei o dedo e talvez mais alguma coisa aqui ou ali, mas nada grave o suficiente que me tirasse dos esportes por mais de duas semanas. Mesmo assim, quando eu senti a dor, engoli em seco, não sabia ao certo se seria algo passageiro ou se arruinaria meu humor por noites a fio, sendo impedida de treinar. Agora já faz mais de cinco anos que eu tive a minha maior lesão, e de certa forma sei que minha vida nos esportes é dividida por esse momento.
No meio de 2018 eu descobri que eu tinha uma fratura na minha coluna. No meio da minha “carreira” como nadadora eu seria impedida de praticar qualquer esporte, carregar peso nas costas, pular e até subir escadas por um bom tempo (não lembro ao certo quanto). E sim, eu descobri. Eu tive o que chamam de espondilólise, uma fratura por estresse, ou seja, ficar fazendo o mesmo movimento repetidas vezes quebrou minha vértebra. No meu caso, a culpa foi da natação.
A notícia foi avassaladora, me sentia desamparada e não sabia o que isso significaria pra mim. Passava mais da metade da minha vida na piscina, o que eu faria com todo esse tempo? O que seria de mim se não fosse esportista? O que seria de mim sem ver minhas amigas da natação diariamente? Depois de todos os sacrifícios que escolhi fazer por esse esporte, ele me recompensou com uma grave lesão e um sentimento de abandono. Não pertencia mais a lugar algum e não sabia se algum dia voltaria a pertencer.
Quiçá isso seja mais um relato pessoal do que qualquer coisa, mas a verdade é que eu sei que todo esportista que já se machucou se sentiu do mesmo jeito. Dizem que cada experiência é única, mas às vezes parece que algumas são idênticas, cada sentimento é compartilhado e cada mágoa se repete. Tudo é parecido até demais.
Eu fiquei então de repouso, sofrendo por não ter mais o meu espaço de escapismo mais adorado e me afogando em outras tarefas para não sentir o tempo vago que teria sem os treinamentos. O tempo passava mais devagar do que nunca, fiquei alguns meses afastada, mas senti como se fossem anos. Ansiosa para voltar eu consegui convencer meu médico a deixar que eu competisse, afinal eu já tinha minha vaga garantida para um grande campeonato e eu queria viajar com o meu time. Prometi que forçaria as costas o mínimo possível, mas isso não foi suficiente: descobri depois, que agora tinha duas vértebras lesionadas. Passei mais alguns meses em recuperação, e agora já era 2020. Segura de que eu estava 100% nova e pronta para nadar, voltei aos treinos. Consegui voltar à piscina, mas dessa vez, foi a pandemia quem me impediu de treinar.
Nunca voltei realmente ao nível que tinha antes da lesão. Em 2021 tentei treinar novamente, fui em algumas competições, mas não era a mesma coisa. Em 2022 eu parei de nadar e fui pro esporte escolar, que exigia de mim menos habilidade. Quando entrei na faculdade, vi a oportunidade de retomar essa parte de mim, que nunca tinha morrido, mas apenas adormecido.
A diferença foi: eu entendi a importância de fortalecer meus músculos, porque fiquei com medo de me machucar de novo. Talvez isso seja uma súplica para que todo mundo que faça qualquer esporte, seja em alta ou baixa intensidade, se fortaleça, faça academia, mesmo que odeie. Mas a verdade é que isso não vai garantir que você não se machuque.
Esse texto é para te dizer que pode levar tempo, mas você vai voltar a jogar, a nadar, a correr. Esse texto é pra você que está andando de muleta, você que adotou a tipoia como um acessório de moda e você que ainda sente a dor de algo que deveria ter passado eras atrás. O estresse, a angústia e o medo não desaparecerão do dia pra noite, mas a adrenalina voltará a correr pelas suas veias.
Autoria: Elis Montenegro Suzuki
Revisão: Enrico Recco e Ana Carolina Clauss
Imagem de capa: Montagem por Elis Suzuki
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