NOSTALGIA
- Elis Suzuki
- há 3 dias
- 4 min de leitura

O ser humano precisa de música. Ouvimos música para nos concentrar nos estudos, para fazer academia, para nos divertir em festas, para dançar, para cantar desafinadamente com os amigos e até para dormir. Ouvimos música para chorar, para rir e para relaxar. Ouvimos música no carro, no fone, em filmes e séries, em alto-falantes, em shows e em cantorias mundanas. A música é uma linguagem: usamos para nos comunicarmos uns com os outros e com nós mesmos. No ano 60.000 antes de Cristo, já tínhamos flautas para tocar música e, muito antes disso, a civilização provavelmente já cantava como forma de se comunicar, transmitir emoções e histórias.
Música boa é memória. Pelo menos pra mim, não adianta ouvir uma vez e achar que vai se apaixonar. Óbvio que há músicas boas e músicas não tão boas; cantores talentosos e outros nem tanto. Mas a verdade é que o prazer de ouvir uma música mora na memória que ela desbloqueia. Para mim, música é companhia, de outro alguém ou de si mesmo. Música é um respiro, um momento que o mundo inteiro pode se transformar em uma simples melodia.
Sabe o que me faz gostar de uma música? Ouvir. Ouvir e ouvir de novo, e de novo, e de novo. Colocar em looping pra tocar no Spotify, ou adicionar nas minhas playlists favoritas (ou seja, para ouvir e ouvir de novo), ou até cantarolar durante o meu dia. A verdadeira questão é: por que eu decidi ouvir de novo até um dia gostar? O que me faz escolher uma música para ouvir todas essas vezes? Quiçá nós nem tenhamos esse poder de escolha: às vezes, a música só toca várias vezes e você acaba escutando.
Tem música que você ouve pela primeira vez e já acha bonita. Tem música que você ouve pela primeira vez e já faz você sentir algo. Tem música que você ouve porque é um artista que você gosta. E tem música que você ouve porque alguém te indicou. Pelo menos pra mim, é assim que você escolhe ouvir uma música de novo. Isso porque música boa é memória.
Eu ouço Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso porque quando eu era pequena meus pais colocavam nas nossas viagens de carro. Sempre os mesmos CDs que rodavam enquanto a gente conversava sobre a vida. A roda do carro girava e o CD junto. Refazenda sempre foi uma das minhas músicas favoritas do Gil, e Palco e Toda Menina Baiana. Cantar A Banda, do Chico, sempre me tira um sorriso genuíno. Todo Homem e Alguém Cantando, de Caetano, também moram perto do meu coração, e O Leãozinho me traz sempre uma lembrança da infância.
Eu ouço Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos porque minha mãe sempre disse que essa música falava de mim. Eu ouço Beatles porque meu pai adorava colocar em casa para ouvirmos todos juntos na cozinha, dançavamos ao som de Hey Jude na caixa de som. E História de um Homem Mau, Calhambeque e Splish Splash também tem cheiro de infância para mim, porque cantávamos na escola.
Eu ouço Sophia Ardessore porque ouvia ela cantar nos saraus da escola, quando ainda não tinha suas músicas próprias. Quando ela lançou Perigo, eu lembro da minha família inteira ouvindo. Coloquei essa música em looping pra tocar até que decorasse a letra inteira. Ouvi, ouvi e ouvi mais uma vez. Amo suas músicas não só porque são lindas, mas porque sinto que eu vi o álbum crescer e ganhar forma. Amo a Sophia cantando porque a voz dela me é familiar.
Eu ouço Doce Vampiro porque me sinto naquele momento de fim de peça, sorrindo e orgulhosa do que tínhamos criado. Ainda ouço algumas músicas que nem mesmo têm sua versão no Spotify. De vez em quando, me pego ouvindo os áudios das composições do Rafa que cantamos milhares de vezes. Ouço as músicas de Tick, Tick... Boom! porque me lembram daquele tempo em que estávamos todas juntas. Sempre que toca Boho Days lembro delas, decoramos a letra como se precisássemos cantá-la. Independente de onde do mundo cada uma esteja, continuaremos ligadas por essa música. Cinco meninas (já mulheres) que voltam a ser adolescentes quando estão juntas.
Eu ouço Ritmo Quente porque é impossível não me fazer lembrar da Amazônia. Ouvir essa música me transporta para aquela noite quente, para as conversas que tivemos, os pulos no rio, o acalento da rede, a beleza do céu estrelado; sinto o calor que sentia quando aprendemos essa dança. Eu ouço Gasolina e Hey There Delilah porque me sinto na França de novo, me lembra de todas as pessoas que eu conheci (e talvez não veja nunca mais). Era uma mistura de culturas e pessoas, da mesma maneira, as músicas que ouvíamos eram uma mistura de todos nós.
Eu ouço Turma do Pagode e Péricles porque me vem um cheiro de cerveja (que eu não gosto) e um pouco de Gin Melancita. Um grupo caótico de pessoas e um show inesquecível. Quando toca Camisa 10 ou Se eu largar o freio, sinto a necessidade de falar com eles, relembrar aquele dia no Oktoberfest.
E ouço The Only Exception porque sinto que você está ouvindo comigo. A melodia começa e já sinto algumas lágrimas rolarem pelo meu rosto — não por tristeza, mas por saudade? Não sei ao certo, só sei que música também foi feita pra ouvir sozinha e criar memórias dentro das nossas cabeças. A verdade é que eu não tenho certeza se é por isso que eu gosto dessas músicas. Talvez algumas dessas memórias sejam até fabricadas pela minha imaginação, mas prefiro acreditar que não.
Eu ouço música porque é nostálgico.
Autoria: Elis Montenegro Suzuki
Revisão: Giovana Rodrigues
Imagem de capa: Colagem da autora
Comments