Dia de gvjada se inicia com aquela rotina já bem conhecida pelo gvniano. Acordar tarde, comer um bom café da manhã e separar minha roupa, minha maquiagem e todos os outros apetrechos necessários para me trocar na casa de uma amiga. Então, segue-se a arrumação toda, acompanhada de muitas fofocas e típicas críticas à playlist da festa. Dessa vez, também houve um processo de convencimento de troca de roupa, na base das provocações e do carinho, que terminou com uma blusinha amarela no chão e eu colocando um top de renda e abadá — sim, um total clichê gvniano.
Todas prontas e devidamente alimentadas, partimos rumo à festa naquela animação que só universitários conseguem ter em um sábado de chuva. Chegando ao local, dá-se início ao circuito gvjada: olhar o lugar → bebida → procurar pessoas → curtir a música → bebida, a ser repetido em qualquer ordem.
Tudo corria bem, ou pelo menos, tão bem quanto é possível em uma gvjada com chuva e muito calor humano. Até tirei o abadá, ficando apenas com meu top rendado, tentando amenizar o calor. Minutos depois, enquanto danço com minha amigas, sinto mãos na minha cintura. Ao olhar para trás, me deparo com um rosto desconhecido, que me pergunta meu nome e, como se este não bastasse, insiste em saber meu sobrenome. Eu respondo à pergunta com sinceridade, algo que, olhando para trás, foi um erro. Nunca dê seu nome completo a um desconhecido em uma festa.
"E você beija?", pergunta ele. Eu, em minha estupidez, respondo que sim, esquecendo de fazer a ressalva que, naquele momento, não queria beijar. Mas ele já toma minha simples confirmação como indicação de que não apenas beijo, mas gostaria de beijar ele, colocando a mão no meu pescoço e se aproximando. Eu falo não. Eu falo não de novo e de novo, andando para trás, já me arrependendo de ter falado que beijo. “Por que não menti?”, penso. Podia ter falado que namoro ou que não beijo, ou qualquer outra desculpa. Ele continua insistindo, pedindo "pelo menos um selinho, vai?", e eu repito não, tentando me desvencilhar. Me sinto culpada por falar não, sinto que lhe devo desculpas, penso em como poderia explicar que só não estava com vontade de beijar qualquer pessoa naquele momento. Mas não consigo articular uma explicação, só repito não, desculpa, mas não. Até que minhas amigas me puxam para perto, afastando-o de mim.
Tento me concentrar na música e nas minhas amigas, e penso mas não foi nada. Ele não me beijou de fato, eu poderia ter sido mais clara, será que eu passei a impressão errada? Não foi nada. Nem tenho tempo de terminar de formular meus pensamentos quando surge outro menino, que assumo ser amigo do primeiro, e, com o dedo do meio na minha cara, diz: "vai tomar no cu".
Sim, sei que a situação parece uma cena de um filme ruim, desses que exageram tudo para efeito dramático. Talvez foi por isso que fiquei tão sem reação. Aquilo não podia ser real. Só fico parada, incrédula, olhando o menino se afastar, tentando encontrar uma explicação para o que aconteceu. Não foi nada, penso de novo, enquanto minhas amigas me olham, alternando-se entre sentir raiva dele e preocupação comigo. Não foi nada, penso enquanto volto a colocar meu abadá, sentindo-me, de repente, nua. Não foi nada, penso enquanto me culpo por ter tirado o abadá, por ter talvez passado a impressão errada.
Não foi nada, volto a pensar ao contar esta história toda às minhas amigas. Mas, então, ouço as histórias delas. Quase todas relatam algo similar ou pior. E, enquanto as ouço, percebo que nunca lhes diria nem sequer pensaria as mesmas coisas que pensei na minha situação.
Mas, ainda assim, mesmo agora, escrevendo esse texto, meu cérebro volta a repetir mas não foi nada, como se a experiência diária de milhares de mulheres fosse nada.
Autoria: Sofia Nishioka Almeida
Revisão: André Rhinow, Lucas Tacara e Anna Cecília Serrano
Imagem de capa: Blacktag
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