Hoje, meu despertador não tocou. Acho que ele anda tão indisposto quanto eu. Tão indisposto que resolveu jogar a toalha antes mesmo que eu pudesse reclamar do seu ruído aborrecedor e refletir sobre a possibilidade de arremessá-lo na parede mais distante da cama. Isso! Na mais distante, pois assim seus estilhaços dificilmente me acertariam, impedindo que eu começasse o dia com mais um problema, mais uma irritação, mais um infortúnio. Ou então, a parede mais distante seria o alvo perfeito simplesmente porque ainda não teria dado meu veredito sobre se arregaçaria completamente o dispositivo ou se apenas causaria uma pequena ranhura em seu corpo. Logo, em meio a essa indecisão toda, achar o meio termo seria a escolha segura, digamos. O resultado final não poderia ser tão diferente do esperado, já que o esperado nem existia, considerando que não havia me decidido do que queria com aquilo. Então, o descontentamento em não atingir algum objetivo inicial bem definido talvez fosse atenuado, caso houvesse êxito.
Acabei me atrasando, mas isso nem importa a essa altura. Meu Deus, como minha cara está um bagaço. Será que alguém além de mim vai reparar? A escova de dentes que repousa em minha pia é a mesma há pelo menos alguns meses. Acho que trocá-la seria o ideal para a minha higiene. Mas e se, na realidade, esse negócio de ter que trocar de escova para fins higiênicos fosse uma maluquice e só devêssemos fazer a mudança quando já estivéssemos cansados de usar a mesma escova? Quando olhar para ela causasse náusea e desconforto tão contundentes e tão intensos a ponto de fazer-nos pensar “É, realmente, já deu”. E se, no fim das contas, a escova velha só vai parar no cesto de lixo porque está escangalhada e com uma gastura evidente – tão puída que nem mesmo as bactérias deveriam ter o trabalho de se proliferar para, em alguma ocasião quem sabe, tentar pegar-lhe desprevenido? O que vale são as aparências, certo?
Será que meu compromisso é tão importante assim? Talvez remarcar seja uma opção viável, de preferência para algum dia em que meu ânimo esteja melhor. Não. Pensando bem, terá que ser feito hoje mesmo. Remarcar nunca é a melhor opção e o bom humor já está em falta há tempos. Na verdade, nem o suprassumo da boa vontade salvaria a situação. Se a preparação foi medíocre e o trabalho está capenga, não há trevo da sorte que traga a solução. Será só mais um dia como qualquer outro, o que pode dar errado?
Sim, mais um dia. Mais uma vez cultivando os problemas de ontem da pior forma possível. Queria eu saber como tirar da cartola uma profilaxia para tal enfermidade, como parece acontecer vez ou outra por aí – mas não comigo. Comigo não, porque nada dá certo quando é fruto de um trabalho capenga e de uma preparação medíocre. Nada. Às vezes, nem mesmo empenho e dedicação são suficientes. Simplesmente não era para vingar, eu acho. “Não era pra ser”. Chega até a ser cômico isso, como inúmeras vezes achamos desculpas para nossos fracassos. Não que essas justificativas supersticiosas façam algum sentido em nossa mente, mas elas trazem um conforto, não é mesmo? Trazem o fôlego necessário para que o colapso seja evitado e para que mais preparações medíocres e trabalhos capengas sejam colocados no mundo. Para que problemas de ontem sejam conservados, tendo sua existência e efeitos prolongados para além do amanhã. Não querendo ser pessimista, mas, considerando que o céu está nublado há dias e o café veio com aquele gosto de queimado, confesso que não me recordo do tempo em que me dava por satisfeito com os resultados que obtenho. Em um momento, você percebe um problema, algo insignificante. Logo mais, outro aparece, provavelmente tão pequeno e insignificante quanto o anterior. E então, você age da mesma forma: o ignora e deixa para tentar resolvê-lo em uma hora mais conveniente. Isso se repete até que trocentos micro-problemas estejam martelando sua cuca a cada cinco minutos. Quando se der conta, a bola de neve estará formada e pronta para te engolir. Dava para ter sido evitado, mas foi deixado de lado, como sempre.
Não tenho culpa se tive a certeza de que uma questão pequena demais para aquele momento jamais viraria algo tenebroso. Tá bom, tenho culpa sim. Sempre tive! Sabia que aconteceria, nunca foi uma dúvida. Apenas não lidei bem com a ideia de que deveria colocar em prática mais um trabalho capenga, resultado de uma preparação medíocre, para talvez (quem sabe) providenciar uma resposta a ela – resposta essa bem mixuruca, diga-se de passagem.
Na verdade, estou cansado. Cansado de não ter base para esse sentimento, de não ter um porquê para justificá-lo. Estou exausto de enxergar qualquer oportunidade como uma chance mal-aproveitada, mesmo que ela ainda esteja em sua fase inicial, mesmo que sequer tenha sido dada a largada. Cansado de antecipar o fiasco sem mesmo terminar o prefácio. Cansado de despencar nesta escala abstrata e totalmente arbitrária em que a régua sempre estará muito alta, muito distante, independentemente de qualquer circunstância. Cansado de não tentar criar raízes e me envolver demais com o que me proponho a fazer, já que o receio de ser incapaz de obter um resultado relevante ou mesmo satisfatório é muito maior do que a determinação e o empenho necessários para realizar decentemente certa atividade.
Qual o propósito deste texto? Bem, talvez você, caro leitor, que sabe-se lá por que chegou até aqui, também tenha algum desses sentimentos e porventura consiga tirar algum proveito disso (identificação, empatia, uma mão no ombro vinda de um companheiro de trincheira, vai saber).
Tá bom… é mentira. Eu só queria reclamar mesmo. Esse texto provavelmente nem deveria ter saído da pilha de rascunhos que coleciono, assim como boa parte dos outros textos que aqui sepultei ao longo dos últimos meses. Dê mais atenção ao título da próxima vez.
Autoria: Rafael Diz Motooka da Cunha Castro
Revisão: Enrico Recco e Laura Freitas
Imagem de capa: Pinterest