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O ORNITO ASSISTIU! VENHA SABER TUDO SOBRE OS INDICADOS A MELHOR FILME NO OSCAR



O que é o Oscar? (Mohamad Mourad)

O Oscar, aquele evento que todo mundo ama, finge que ama, ou simplesmente não liga, é organizado anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. O prêmio tem uma ambição global e é considerado o "top" do cinema mundial. Nessa premiação, só entram os filmes, diretores, atores e outros talentos que arrasaram no palco da sétima arte. É tipo o "quem é quem" do cinema, mas com um troféu dourado e muitas falas emocionantes (alô, Fernanda Torres)! Mas afinal de contas, quais são os critérios de premiação estabelecidos? Quais as etapas? A Gazeta tá aqui para explicar TUDO. 


Para se eleger, o filme deve ter sido lançado no ano anterior e também deve ser exibido por pelo menos uma semana em cinemas comerciais de Los Angeles (aqui já começa a palhaçada, mas não é só isso). Logo depois, os membros da Academia (os que se acham os melhores diretores, roteiristas e etc.) votam nos filmes elegíveis para escolher o melhor, mas, para a manipulação ser menos escancarada, a votação é feita por meio de uma cédula secreta.


Para escolher o "Melhor Filme", a Academia usa um sistema de votação preferencial, que parece mais uma rodada de "qual é o seu favorito?" entre amigos, só que com mais glamour. O filme que receber mais votos de "primeira escolha" já leva a estatueta, mas, se nenhum filme conquistar a maioria, os votos vão sendo redistribuídos entre as outras escolhas até um filme alcançar a vitória.


E aí, na grande noite, o Oscar rola ao vivo para milhões de pessoas ao redor do mundo assistir e torcendo para aquele filme que, provavelmente, nem sabia que ia ser indicado na hora da gravação. E por fim, o Melhor Filme (Ainda Estou Aqui, obviamente) é anunciado! O grande prêmio? A famosa estatueta dourada, que parece simples, mas é o troféu mais cobiçado da história do cinema. 


Anora (Erick Martins)

Muito mais do que um filme sobre uma “puta”! Dirigido por Sean Baker, Anora, conta a história de Ani (Mikey Madison), uma stripper americana que se envolve com Ivan (Mark Eidelshtein), um herdeiro russo. Em um primeiro momento, a relação entre os dois é construída como um sonho capaz de retirar Ani da situação de vulnerabilidade social em que vivia, bem como de viver um verdadeiro romance. No entanto, tudo muda quando os pais de Ivan descobrem seu casamento com Ani, uma “prostituta” – adjetivo negado pela protagonista, que se vê exclusivamente como uma dançarina erótica. 


A preciosidade de Anora está no fato do enredo extrapolar a história de uma mera stripper do subúrbio dos Estados Unidos. Grande parte de nós, em maior ou menor escala, podemos nos ver na história retratada por Sean Baker. Vivemos um período histórico em que as diferenças socioeconômicas parecem cada vez mais estratificadas, de modo que a prometida mobilidade social capitalista seja só mais um sonho daqueles que vivem embaixo. Ou, até mesmo, uma brincadeira que no fim apenas serve aos interesses daqueles que estão no topo. O bem-estar procurado por Ani não está muito distante do buscado por nós cotidianamente, crescidos sob à luz do “american dream”. 


Anora é também um dos filmes que merece atenção para o próximo domingo. Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, o longa se tornou um dos principais favoritos ao Oscar de Melhor Filme após ter levado a melhor em uma série de premiações recentes. Mikey Madison, inclusive, acirrou a disputa por Melhor Atriz nas últimas semanas, colocando em cheque os favoritismos de Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui) e Demi Moore (A Substância). 


O Brutalista (Rauhã Capitão)

Eu realmente queria ter gostado de O Brutalista. Não que eu considere o filme ruim, porém é um filme que quer dizer muita coisa, porém, ao final, soa como se tivesse passado 3h20 apenas ameaçando dizer algo. 


 A obra de Brady Corbet mergulha na arquitetura brutalista como metáfora para a construção de uma identidade dilacerada pelo trauma, pela migração e pelo confronto com o "sonho americano". Em sua primeira metade, o filme, de fato, impressiona. A Estátua da Liberdade virada de cabeça para baixo é uma cena extremamente forte visualmente e consegue prender a atenção do espectador com facilidade. O diretor consegue criar uma atmosfera grandiosa, mas também opressiva, expressando, justamente, o “sonho americano”. Ao mesmo tempo que há o medo de estar em um novo lugar, há a esperança de que a vida de Lázló, brilhantemente interpretado por Adrien Brody, irá mudar. Irá se tornar melhor. E isso é desconstruído pouco a pouco no filme. O filme prende o espectador na cadeira e encanta.


Mas só temporariamente.


A segunda metade é uma queda absurda. É como se o próprio diretor tivesse se cansado da metáfora com o brutalismo, que, até então, era o que mais sustentava o filme, cansado de tudo o que construiu até aquele momento e largasse tudo. E assim, o que era impressionante, se torna tedioso. Ademais, se o próprio diretor parece cansado de seu filme, o que dirá o espectador?


Todos os temas abordados não são mais aprofundados. O filme torna-se uma crítica superficial que, como enfatizei no início, quer falar, mas apenas ameaça falar. Para além disso, o personagem Lázló parece estagnar — não evolui e passa a ser trabalhado de uma maneira repetitiva e pouco original, constrantando negativamente com a primeira metade. O roteiro começa a escorregar em estereótipos. A cinematografia, antes belíssima, pesada e carregada de significados, pode até continuar bela, mas perde o seu peso e seus símbolos. O final decepciona. Após mais de 3h, surpreende como a conclusão ainda assim soa apressada, artificial e desconectada do restante do filme. A sensação é de que a segunda metade é um outro filme, completamente diferente e muito inferior. Faz O Brutalista tornar-se um filme bonito, mas sem rigidez ou propósito.


A consequência é que, a partir da segunda metade, eu, ao invés de estar assistindo ao filme, estava esperando que acabasse.


Diversas pessoas vêm apontando os mesmos problemas e relatando experiências semelhantes com o filme. Apesar disso, O Brutalista segue com grandes chances de premiações no Oscar. Resta saber se serão justas ou não.


Um Completo Desconhecido (Enrico Recco)

Para ele, não vai ser a primeira (e espero que não a última) vez que um filme é feito sobre sua vida. Afinal, para uma carreira como a de Robert Zimmerman, ou Bob Dylan para os íntimos, nada menos justo do que honrar um dos maiores legados da história da música mundial. “Um Completo Desconhecido” (A Complete Unknown) é um filme sobre o início da carreira de Dylan até um de seus momentos mais controversos: quando o músico de folk rock decidiu utilizar a guitarra ao invés do seu convencional violão. Por mais que seja apenas um pequeno detalhe, esse foi um momento que dividiu muitas opiniões entre os amantes de Blowin’ in the Wind por se tratar de uma transição brusca de seu estilo característico de instrumentos acústicos.


Com uma atuação aclamada pela crítica com Edward Norton (interpretando Pete Seeger), Monica Barbaro (interpretando Joan Baez) e o papel principal interpretado por Timothée Chalamet, a história nos leva pelo começo de uma carreira em Minnesota, as tensões do estrelato e o conflito de Dylan entre o que o público espera dele e o seu coração. Eu, amante de Dylan até o fim, estou ansioso para ver quando estrear no Brasil e ver se o filme está à altura daquele que já foi definido como “A voz de uma geração”.


Um Completo Desconhecido estreia nos cinemas do Brasil dia 27/02.


Conclave (Rauhã Capitão)

Quem diria que, em uma temporada em que um dos filmes destaque é uma (suposta) representação do México e da comunidade LGBTQIA+, um longa sobre a política por trás do alto escalão da Igreja Católica seria aquele que melhor daria visibilidade ao México e à comunidade LGBTQIA+.


Dirigido por Edward Berger, Conclave chama atenção naturalmente por seu enredo: após a morte do papa, dá-se início ao processo de escolha do novo líder dos católicos. Simples, mas chamativo — afinal, são pouquíssimas as pessoas que têm a oportunidade de saber o que acontece em um conclave. A curiosidade pelo filme é quase que natural, e é ao reconhecer isso que o longa, então, dá a sua “cartada”: desconstruir todo o sagrado em torno do conclave, de maneira a torná-lo meramente político.


Antes de serem representantes da Igreja Católica, todos ali presentes são seres humanos. Com interesses pessoais, sejam estes bons ou ruins. E, a partir destes interesses, dos cochichos nos corredores e de cada atitude sutil de alguém ali presente, o conclave se desenrola.


A construção do suspense e da imprevisibilidade do que irá acontecer é muito bem acompanhada de uma trilha sonora imersiva, atuações marcantes — não seria exagero Ralph Fiennes ganhar o prêmio de Melhor Ator por seu papel como Cardeal Lawrence — e uma cinematografia belíssima que muito bem transmite a mensagem do filme. 


Há quem critique, de maneira plausível, a dualidade feita pelo roteiro – é facilmente identificável quem é o lado “bonzinho” e quem é o lado “malvado”, já que este último é retratado de forma quase caricata. Eu entendo a crítica, mas discordo. Afinal, ainda que sua retratação seja, de fato, exagerada, ela não está tão distante da realidade (ainda que eu assim desejasse). Basta ver as recentes falas de Donald Trump sobre Gaza ou as frequentes declarações de Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, sobre o Islã. Não estão distantes do exagero retratado no filme. Ou seja, o lado “malvado” nada mais é que uma representação da realidade: existem pessoas, com poder, que agem daquela maneira. E, tal qual o lado “malvado”, são pessoas perigosas. 


Não digo que “Conclave” é o melhor filme dessa temporada de premiações – considero, por exemplo, “Anora” um filme melhor - contudo, dentre todos que assisti, é o filme (desconsiderando “Ainda Estou Aqui”) que mais me deixou imerso e ansioso para saber o que aconteceria em seguida. 


“Conclave” recebeu um total de oito indicações para o Oscar 2025, dentre elas Melhor Filme. Acredito fortemente que pelo menos um prêmio será entregue a “Conclave” no domingo. Resta apenas saber qual.


Duna: Parte 2 (Bernardo Albernaz)

Em 2021, o diretor canadense Denis Villeneuve introduziu um novo público ao rico universo de Duna, obra de ficção científica do escritor americano Frank Herbert. Sucesso enorme durante os anos 60 e 70, os livros de Herbert se passam em um futuro distante no qual a humanidade se expandiu por diversos planetas e se organiza em uma estrutura feudal interplanetária. Com uma narrativa lenta e complexa, repleta de política, religião, cenários exóticos e grandes diálogos, a sua adaptação ao cinema sempre foi considerada difícil. Nos anos 80, o renomado diretor David Lynch fez a sua versão da obra para a grande tela, mas não obteve sucesso nem com o público geral, nem com a crítica. 


Diferentemente de Lynch, Villeneuve optou por separar o primeiro livro da série de Herbert em dois filmes, o que se mostrou um acerto. Para a surpresa de muitos, o primeiro Duna foi um grande sucesso. Villeneuve entregou um filme visualmente impressionante que constrói e contextualiza com paciência e maestria a narrativa, os personagens e o rico universo dos livros, preparando o terreno para uma continuação eletrizante.


E que terreno bem preparado. Sem a pressão de introduzir o espectador a nada, Duna: Parte 2 entrega ação desde suas primeiras cenas. A excepcional fotografia e trilha sonora do primeiro filme se fazem presentes, mas tudo se eleva com o desenrolar tão aguardado dos eventos da narrativa. O filme foi um sucesso ainda maior que o primeiro, arrecadando 714 milhões de dólares em bilheterias, ficando apenas atrás de Wicked entre os filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme. 


Na premiação, no entanto, Duna: Parte 2 é visto como um azarão. Além de melhor filme, o longa concorre também a melhor design de produção, melhor som, melhores efeitos visuais e melhor fotografia. 


Emilia Pérez (André Rhinow)

Não é exagero dizer que Emilia Pérez, do diretor francês Jacques Audiard, é o filme mais controverso do Oscar de 2025. Mesmo antes de todas as polêmicas envolvendo Karla Sofía Gascón, a atriz principal do filme e a primeira mulher trans a ser indicada à estatueta de Melhor Atriz, o longa já vinha gerando burburinho como um queridinho dos prêmios da crítica especializada, para a perplexidade dos espectadores no geral.


Como disse a grande Isabela Boscov (na sua resenha de Sex and the City 2, outra bomba cinematográfica): “É de uma imbecilidade atroz, de uma grosseria e uma vulgaridade em vários momentos, imperdoável”. Sinceramente, fui tentar assistir o filme com uma mente aberta, genuinamente curioso para entender por que um filme tão polêmico e com tantos defeitos aparentes conseguiu ter tanta tração na awards season e ainda levar tantos prêmios, mesmo sendo tão rechaçado pelos espectadores. Saí da experiência quase igualmente embasbacado, porque realmente é um desastre completo. Queria estar exagerando. Chegou um ponto ali no meio em que eu apenas rezava para que a experiência terminasse o quanto antes. Todo momento em que se anunciava um novo número musical eu e minha amiga que me acompanhou nessa sessão de tortura olhávamos um para o outro e soltávamos um longo suspiro — ou então uma arfada de “pelo amor de Deus, de novo não”. É realmente chocante o quão abissalmente ruins as músicas são. E não é nem de um jeito camp, de uma maneira propositalmente ruim para fazer algum argumento, não; são só tenebrosas mesmo. Aquela que viralizou no TikTok, La Vaginoplastia, é talvez a melhor, pelo simples fato de que ela, ao menos, entretém — diferente das outras, uma sucessão de martírios. O restante do filme é um porre, com os 130 minutos de duração se arrastando como uma lesma idosa.


Ou seja, falando do filme sem tratar da trama, é uma bomba. Mas se a qualidade cinematográfica fosse o maior pecado desse filme, ainda daria para relevar. Contudo, entrando no vespeiro que são os temas sensíveis que o tema aborda, fica claro que essa obra é um desserviço às vítimas da violência no México — e aos mexicanos no geral —, às pessoas trans e a todas as categorias de pessoas que o longa pretende representar. É uma patacoada condescendente, culturalmente preguiçosa e insensível. O próprio diretor confessou que não pesquisou direito sobre o México antes de fazer o roteiro — entre outros impropérios eurocêntricos —, e é notável a falta de mexicanos no elenco principal do filme.


As duas atrizes principais, Gascón e Zoe Saldaña, não estão ruins nos seus respectivos papéis. As duas são competentes e, às vezes, até cativantes. Mas os fãs de Selena Gomez que me desculpem, ela está péssima. Para além do sotaque bizarro no espanhol dela, que mais parece Daenerys Targaryen falando alto valiriano com seus dragões em Game of Thrones, a atuação é xoxa e a cantoria é tão insuportável quanto as outras. Francamente.


Enfim, gostaria de ter trazido aqui uma resposta à questão de como é possível que essa pilha de lixo fumegante de um filme tenha sido indicada a treze Oscars, mas infelizmente eu também não sei o porquê. Minha única explicação plausível é que o tal do Audiard sabe os podres de metade de Hollywood e está usando isso como chantagem para angariar votos, porque sinceramente não é possível.


Ainda Estou Aqui (André Rhinow)

De todos os filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme, Ainda Estou Aqui talvez dispense apresentações, pelo menos para nós, brasileiros. Estrelado por Fernanda Torres e dirigido por Walter Salles, o longa se tornou o primeiro filme nacional a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme, além de angariar indicações para as categorias de Melhor Atriz e Melhor Filme Internacional, com boas chances de levar ao menos uma estatueta para casa. Torres já ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz em um Filme de Drama, se tornando a primeira brasileira a vencer o prêmio. Independente do resultado no Oscar, essa já é uma campanha histórica.


O filme, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, narra a história de sua família, em especial de sua mãe, Eunice Paiva, e do que aconteceu com seu pai, Rubens Paiva. A trama se inicia em 1970, auge da Ditadura Militar, momento em que os Paiva residiam em uma casa pé-na-areia no Leblon. O que vemos são cenas idílicas de uma vida familiar feliz, uma comunidade vibrante, rodeada de amigos e pessoas sob o sol do Rio de Janeiro. Contudo, tanto para quem sabe o desfecho trágico, quanto para quem não sabe, o senso de inquietação é palpável. Eunice vê caminhões do exército passando pela orla; a filha mais velha do casal, Vera, é parada em uma blitz policial em busca de guerrilheiros contrários ao regime; e casais amigos dos Paiva se autoexilam para fugir da perseguição política. Rubens, que foi deputado federal pelo PTB antes do golpe e cassado pelo AI-1, minimiza essas preocupações e decide permanecer no Brasil. Até os militares baterem à sua porta para levá-lo a um interrogatório, em uma cena desesperadora em que o pai tenta fingir naturalidade aos filhos antes de sair pela porta da sua casa uma última vez, rumo aos porões da ditadura. O filme então muda de perspectiva e passa a focar na luta de Eunice Paiva pela verdade, enquanto tenta sustentar sua família e dar sentido à sua vida.


Marcelo Rubens Paiva decidiu escrever o livro logo após ter seu primeiro filho, quando sua mãe estava com Alzheimer. Um dos seus objetivos era contar a história de Eunice, que ele descreve como a grande heroína de sua família, uma mulher que se reinventou quando seu mundo desabou aos seus pés com o desaparecimento e assassinato de seu marido. Sua principal preocupação ao longo da obra, no entanto, é a questão da memória: seu filho criando suas primeiras, e sua mãe perdendo as de uma vida. No pano de fundo nacional, a Comissão da Verdade buscava esclarecer os crimes da ditadura. Em um país com memória curta como o Brasil, em que um regime autoritário violento é visto como a solução — ou, pelo menos, algo tolerável — por uma parcela considerável da população, obras como Ainda Estou Aqui são essenciais para manter viva a lembrança das atrocidades cometidas, para que nunca mais se repitam.


O maior destaque da obra é certamente Fernanda Torres, que entrega a melhor performance de sua carreira — e certamente a melhor do ano, com uma sensibilidade arrebatadora, ao mesmo tempo em que é marcada por nuances e sutilezas, avessa ao melodrama. Em uma entrevista, a atriz falou da importância de fazer jus à figura de Eunice: “Espero que a gente tenha sido digno dela, sabe? Da história dessa mulher. Que a gente não tenha traído ela com melodrama barato.” E grande parte do poder de Ainda Estou Aqui reside justamente nisso: no respeito que o filme tem para com a sua protagonista, tanto com a sua dor quanto com a sua força e perseverança diante da injustiça.


Nickel Boys (Giovana Rodrigues)

Baseado no premiado livro de Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer, o filme dirigido por RaMell Ross traz uma história brutal e comovente sobre racismo e resiliência. Nickel Boys acompanha a vida de Elwood Curtis (Ethan Herisse), um jovem negro promissor da década de 1960 que, inspirado pelos discursos de Martin Luther King Jr., busca na educação um caminho para a emancipação e igualdade. No entanto, sua vida toma um rumo trágico quando, após estar no lugar errado no momento errado, Elwood é injustamente enviado para o Reformatório Nickelback, uma escola-reformatório que esconde um sistema cruel de abusos e assassinatos. Lá, ele conhece Turner (Brandon Wilson), um garoto cético que aprendeu a sobreviver em um sistema corrupto da instituição desconfiando de tudo e de todos. Enquanto Elwood mantém sua fé na justiça e nos ideais de mudança, Turner tenta convencê-lo de que a única saída é a adaptação – ou, melhor ainda, a fuga.


Nickel Boys é um filme sobre dor, mas, sobretudo, é sobre memória. A narrativa se desenrola entre passado e presente, revelando o impacto da violência institucional na vida dos personagens: tanto naqueles que vão, quanto naqueles que ficam. É um lembrete do impacto duradouro da injustiça e da necessidade de preservar a memória daqueles que foram vítimas dela. O longa faz um excelente trabalho ao mostrar como o Reformatório Nickelback não é um evento isolado da história estadunidense, mas um reflexo de um sistema que, por séculos, esmaga sonhos e apaga vidas sem consequências. Ao final, o filme nos força a questionar se realmente aprendemos com os erros do passado ou se estamos apenas os repetindo com novas versões. O Reformatório Nickelback pode ter sido fechado, mas o que o substituiu? O sistema prisional, as desigualdades no acesso à educação, a violência policial: todas essas formas de opressão são variações do mesmo problema.


Injustamente, Nickel Boys foi indicado a apenas duas categorias do Oscar: Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado. Na minha humilde opinião de entusiasta de filmes, o longa deveria ter sido reconhecido por sua edição, fotografia e direção. Toda a história de Elwood e Turner é contada a partir do ponto de vista deles, o que faz com que o nosso olhar e o dos protagonistas sejam os mesmos. Essa perspectiva fortalece ainda mais a ideia de lembrança, uma vez que nós, espectadores, vemos apenas o que os personagens viram e viveram. A partir de imagens de arquivo, o diretor torna a história verdadeira, indicando que, apesar de ser uma ficção, o filme reflete uma triste realidade. Se o Oscar é, de fato, uma celebração da excelência cinematográfica, então Nickel Boys merecia muito mais reconhecimento. Mas, como a história nos ensina repetidamente, nem sempre a justiça prevalece.


A Substância (Erick Martins)

Você já sonhou com uma versão melhor de si mesmo? É por meio dessa pergunta que Coralie Fargeat dirige A Substância, um dos filmes mais comentados de 2024. No enredo, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma celebridade em decadência devido a sua idade. Inconformada com a perda de apreço do público, Sparkle aceita experimentar uma substância que liberaria sua versão “mais jovem, mais bonita e mais perfeita”: Sue (Margaret Qualley). Para tanto, ambas deveriam conviver em equilíbrio, lembrando que ainda são uma só. 


Não é novidade a força que padrões estéticos possuem em nossa sociedade. Menos novas ainda são as críticas à descartabilidade de mulheres mais velhas pela indústria do entretenimento. Mesmo assim, A Substância é digno de sua nomeação a Melhor Filme, justamente por tratar com absurdo, o que é absurdo. A explosão do “monstro”, criado pela busca incessante por beleza, sobre a audiência é extremamente simbólica. Quantas não são também as pessoas que explodem diariamente na luta contra o Instagram? Dietas restritivas, procedimentos estéticos agressivos, distúrbios alimentares, Ozempic: todos são as nossas substâncias do mundo real. 


O dilema com o espelho, alvo do confronto de Sparkle consigo mesma, ultrapassa a tela do cinema. Com o sucesso do filme, Demi Moore viu sua história ser refletida no enredo: uma “popcorn actress” em declínio e destinada a nunca ser reconhecida por seu empenho. Porém, não foi isso o que o Globo de Ouro, o Critics’ Choice Awards e o SAG Awards acharam. A cada premiação, Moore tem expandido seu favoritismo na categoria de Melhor Atriz. Agora, basta saber se isso será o suficiente para desbancar a histórica performance da, também favorita, Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui).

 

Wicked (Giovana Rodrigues)

Todos têm direito de voar. Essa é a ideia central de Wicked. Baseado no musical homônimo da Broadway, o filme revela a história não contada da Bruxa Boa do Sul e da Bruxa Má do Oeste. O longa dirigido por Jon M. Chu explora a amizade improvável entre Elphaba (Cynthia Erivo), uma jovem talentosa, porém rejeitada por seu tom pele verde, e Glinda (Ariana Grande), a garota popular e adorada por todos. A trama acompanha as duas ao longo de suas trajetórias na Universidade de Shiz, onde começam como rivais, mas acabam formando um laço profundo. No entanto, à medida que Elphaba descobre as injustiças e mentiras do Mágico de Oz, ela se torna alvo da manipulação midiática, sendo transformada na vilã que conhecemos na famosa história de Dorothy. Paralelamente, Glinda precisa decidir entre manter sua posição de privilégio ou seguir seu coração. 


Wicked desafia a ideia tradicional maniqueísta entre o “bem” e o “mal”. Desde crianças, ouvimos histórias que simplificam a moralidade: bruxas são más e princesas são boas. O filme questiona essa lógica ao mostrar que os vilões nem sempre são tão ruins e os heróis nem sempre são tão bons. Além disso, o filme discute as relações de poder e como a busca por aceitação pode moldar – ou destruir – uma pessoa. Wicked mostra que Elphaba (a futura Bruxa Má do Oeste) não nasceu má, mas se tornou alvo de hostilidade, porque era diferente, questionadora e ousou desafiar o sistema. O grande momento de virada é quando ela canta “Defying Gravity”, em que decide deixar para trás a necessidade de ser aceita e abraça sua singularidade. Por outro lado, enquanto Elphaba escolhe a sua verdade, Glinda opta pelo caminho da aceitação social, mesmo que isso signifique comprometer suas crenças e valores pessoais. A amizade das duas reforça o dilema universal entre seguir a própria consciência ou se adaptar às expectativas da sociedade.


Indicado a dez categorias no Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, Wicked é um dos grandes destaques da temporada. A fidelidade ao musical original, a química entre Cynthia Erivo e Ariana Grande, além dos brilhantes números musicais, como “The Wizard And I”, “What Is This Feeling?”, “Dancing Through Life” e “Popular”, são alguns dos pontos que tornam o filme um fenômeno mundial. 


A performance de Cynthia Erivo é poderosa e aclamada, mas, diante do favoritismo de Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui) e Demi Moore (A Substância), dificilmente receberá o prêmio de Melhor Atriz. Ariana Grande, por sua vez, surpreendeu o público e a crítica com sua atuação como Glinda, tornando-se uma das principais apostas para Melhor Atriz Coadjuvante – e, honestamente, a favorita que deveria ganhar a categoria. Embora Wicked tenha uma presença forte, especialmente nas categorias técnicas, a vitória em Melhor Filme não é esperada. Independentemente dos resultados finais do Oscar, o filme já garantiu seu lugar como uma das adaptações musicais mais impactantes e bem executadas dos últimos anos. Mas, quem sabe Wicked não desafia a gravidade e leva, com surpresa, a estatueta para casa? 


Autoria: André Rhinow, Bernardo Albernaz, Enrico Recco, Erick Martins, Giovana Rodrigues, Mohamad Mourad e Rauhã Capitão

Revisão: Ana Carolina Clauss, André Rhinow, Artur Santilli e Giovana Rodrigues 

Imagem da capa: Getty Images


 

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