Não sou religioso, mas tem uma passagem bíblica que sempre me despertou a curiosidade. Apocalipse, capítulo 3, versículos 15 e 16: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca”. A frase serve de alerta para aqueles que evitam se posicionar, os apáticos, os que ficam sempre no meio, pois não querem desagradar a ninguém, os mornos. A ideia é que, independentemente do que fazemos, devemos ser convictos, devemos seguir nossos princípios com assertividade e devemos evitar a mediocridade. Seja frio ou quente, mas nunca morno!
Novamente, não sou religioso. Não vou à missa, não me confesso, não rezo antes de dormir. Mas tem algo na Bíblia que me intriga. Se aquelas palavras são divinas ou não, não sei dizer, mas me impressiona como os ensinamentos ali escritos muitas vezes são verdadeiros. Faz sentido, afinal, é um livro com um acúmulo de conhecimento milenar sobre o comportamento humano e, apesar de os tempos terem mudado, a nossa natureza pouco muda.
Se tem uma coisa que tenho certeza de que não mudou é o quanto é ruim ser morno. Infelizmente, desconheço algo mais morno do que o prédio novo da EAESP. Talvez essa frase e todo esse papo bíblico soe exagerado. Mas, francamente, o meu descontentamento com o novo prédio é tamanho que justifica o exagero.
Desde quando entrei no curso de administração da FGV, escuto a lenda do prédio prometido. Uns diziam que os alunos de economia ganhariam um prédio novo; outros, que o prédio seria para os alunos de direito. Alguns iam além e diziam que o novo prédio era para administração e que os alunos de outros cursos utilizariam o antigo prédio da Itapeva. Entre tantas teorias, só havia uma certeza: a de que ganharíamos um prédio novo e que precisávamos de um.
Em nível institucional, talvez realmente precisássemos. Enquanto os cursos de direito e economia estavam espremidos em pequenos prédios comerciais, o curso de administração utilizava um prédio antigo que necessitava (e ainda necessita) de reformas. Em um mundo de Inspers e Links, em que o marketing das universidades se baseia em infraestrutura, inovação e tecnologia, a GV estava ficando para trás.
Finalmente, há cerca de seis meses, conquistamos a nossa Canaã. Ganhamos o tão sonhado prédio novo. O curso de administração ficou com um prédio construído do zero pela própria GV, enquanto os cursos de direito e economia ficaram com um prédio comercial enorme adaptado às necessidades de ambos os cursos. Mas o que era para ser uma novidade agradável rapidamente se tornou uma grande decepção.
O Edifício Picarolo tem seus pontos positivos: as salas são novas e boas, os banheiros são novos e bons e, particularmente, eu adoro o mercadinho do 12º andar. Entretanto, os meus elogios param por aí. Em linhas gerais, o prédio é uma grande oportunidade desperdiçada. O grande arquiteto Oscar Niemeyer certa vez disse: “A beleza é fundamental, ela não é um luxo, mas uma necessidade do espírito humano.” Beleza, infelizmente, é algo que falta ao novo prédio. Olhando de fora, o edifício parece mais uma torre hospitalar do que qualquer outra coisa. A fachada é tediosa, com cores mortas. Por dentro a decoração é genérica. Não é um prédio que agride a paisagem, não é horrível. Mas é morno. É reflexo de um projeto em que a ambição e a inspiração ficaram em falta.
Outro ponto irritante é a má utilização dos espaços do prédio. Em geral, faltam espaços para estudo e convivência e sobram espaços sem nada ou sem uso definido. Logo na entrada, do lado dos elevadores, há um enorme espaço ocioso. O que poderia ser uma excelente área de convivência aos moldes do fumódromo da Itapeva é apenas um vão morto. No 4º andar, temos a única cafeteria, um dos poucos ambientes que funciona bem no prédio. É um andar vazado, com vista para a rua, circulação de ar e mesas espalhadas, um local onde as pessoas se encontram, conversam, convivem. Entretanto, o calor e a superlotação tornam impossível ficar ali por mais de cinco minutos.
Isso me leva ao ponto que mais me tira do sério no dia a dia. Na falta de espaço no 4º andar, muitos alunos acabam utilizando o 12º andar. Esse andar retrata a essência do prédio. O projeto, morno e indeciso, não soube definir se faria ali uma área de estudo ou um espaço de convivência, e resolveu então fazer os dois. O resultado é trágico: o único espaço reservado aos estudos no prédio é também o mais barulhento.
Eu poderia escrever mais 30 páginas sobre outros problemas do prédio, como o acabamento das tomadas, o fato de que só existem tomadas no chão, as varandas onde não se pode fumar, a falta de estacionamento ou os elevadores que nunca chegam, mas, a essa altura, seria chover no molhado. O fato é que esse prédio não foi feito para os alunos, o projeto não pensou em nós. O prédio é uma grande vitrine. Foi feito pensando nos tours com doadores, nas fotos para o site, na competição com o Insper. É um projeto com uma falsa ideia de modernidade que, na prática, não oferece nada novo, nada diferente, não toma riscos. É um prédio extremamente morno.
Autoria: Bernardo Albernaz
Revisão: Ana Carolina Clauss e Giovana Rodrigues
Imagem de capa: site FGV EAESP
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