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O QUE A COVID-19 TEM A VER COM O MEIO AMBIENTE?

A análise "ecochata" que você sabia que alguma hora ia chegar (texto por Gabriela Pinheiro)

A atual COVID-19 não será a última pandemia que a maioria das gerações atuais vivenciará. Um estudo do Journal of the Royal Society Interface afirma que o número de surtos de doenças infectológicas aumentou significativamente desde 1980 e Fórum Econômico Global nomeou doenças infecciosas como um dos 10 principais riscos em termos de impacto nos próximos 10 anos. Esse dado está ligado a uma combinação de fatos como, por exemplo, a globalização, a urbanização e também a mudança climática. No entanto, talvez o fator mais chocante nessa equação toda é o meio ambiente. Considerada por muitos como uma pauta de "elite", a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente são vistas por uma parcela da população como separadas de temas como saúde e economia. No entanto, conforme demonstrado pela COVID-19 e outros surtos recentes como SARS, Zika, Ebola, entre outros, o aumento no número de surtos de epidemias está diretamente relacionado com a pauta do desenvolvimento sustentável.


Mudanças climáticas não causaram diretamente pandemias como a COVID-19, mas as exacerbaram. As mudanças climáticas são causadas por vários fatores, tais como a emissão de gases que contribuem com efeito estufa e o desmatamento. Estes também contribuem em grande medida para a proliferação de novas doenças infectológicas. Por exemplo, um estudo francês afirma que as emissões agrícolas de metano representam a maior fonte do gás na atmosfera. Porém, a grande demanda por carne animal causa práticas de agricultura industrial que reúnem um grande número de espécies em um espaço minúsculo, facilitando a proliferação de doenças, que podem eventualmente “pular” para o ser humano, como ocorre com zoonoses virais. A produção industrial também afetou os pequenos produtores de carne, que, segundo a autora Laura Spinney, empurrou-os para zonas não cultiváveis, como florestas, onde se caçam, para venda, animais silvestres antes consumidos apenas para subsistência como morcegos (espécies que carregam tipos de coronavírus). Assim, a grande demanda por carne, um fator que contribui para o aumento da emissão do gás metano, também está diretamente relacionada a novos surtos epidêmicos, já que facilitam o surgimento de novas zoonoses virais.


As mudanças climáticas também facilitam a transmissão de doenças que dependem de vetores. Doenças como a Zika, Malária e Chikungunya são transmitidas através de picadas de mosquitos como o Aedes aegypti. Esta espécie é predominante em regiões tropicais, no entanto, com o aumento das temperaturas, é possível que os mosquitos possam se proliferar em novas regiões. Além disso, segundo o Dr. Aaron Berstein, diretor interino do centro de clima, saúde e meio ambiente da universidade de Harvard, “as mudanças climáticas já tornaram as condições mais favoráveis à propagação de [outras] doenças infecciosas, incluindo a doença de Lyme [e] doenças transmitidas pela água, como o Vibrio parahaemolyticus, que causa vômitos e diarreia”. Portanto, apesar de não serem uma causa direta de epidemias, as mudanças climáticas aumentam seus riscos, trazendo novas doenças a lugares antes intocados por elas e promovendo o surgimento de novos vírus.


Com isso, percebe-se também como a falta de preservação de ecossistemas também propicia o surto de epidemias. O desmatamento é um fator que está ligado tanto às mudanças climáticas quanto à preservação do meio ambiente. No entanto, à medida em que avançamos sobre o meio ambiente nativo, nós, humanos, estamos nos expondo a riscos recorrentes, entrando em contato com vírus e bactérias que estão abrigadas dentro de áreas nativas. Isso vale tanto para a fronteira agrícola, conforme mencionado anteriormente, quanto para o avanço das cidades. A ONU estima que cerca de 68% da população viverá em cidades até 2050. À medida em que vamos desmatando para aumentar o território urbano, estamos nos expondo cada vez mais aos microrganismos presentes nesses ambientes, os quais entramos em contato diretamente ou indiretamente por espécies que saem dos seus habitats graças ao desmatamento. Assim, a preservação da biodiversidade local está longe de ser uma pauta independente – muito pelo contrário – como mostram surtos como Ebola, Zika e a mais recente COVID-19, a falta dela nos afeta diretamente.


Então, voltando à pergunta inicial: o que é que a COVID-19 tem a ver com o meio-ambiente? Praticamente tudo. As metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável, como conservar e melhorar o estoque de recursos e incluir o meio ambiente no processo decisório, estão diretamente ligadas com questões de saúde pública, como surtos epidêmicos. Os efeitos de mudanças climáticas, desmatamento, alta demanda por carne e urbanização, colocam a população mundial em riscos muito maiores para contrair novas doenças e podem explicar, em alguma medida, o aumento dos surtos. Claro que estes não são os únicos fatores que influenciam o risco, que também depende de medidas como boa governança e planejamento urbano, algo de que o Brasil, especialmente, carece bastante. Mas, de qualquer maneira, precisamos entender que, conforme afirma o ecologista marinho Dr Enric Sala (e faço das suas palavras as minhas) “não há saúde humana sustentável sem um ecossistema saudável. Para governos e formuladores de políticas, ficará muito claro que o investimento em proteger nosso mundo natural é o mais econômico que eles podem fazer.”


Fontes:

SMITH, K. F. et al. Global rise in human infectious disease outbreaks. Journal of the Royal Society Interface, v. 11, n. 101, 6 dez. 2014.


Foto da capa: Julia Molchanova


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