Muitos acreditam que com o passar dos anos, o sentimento de luto se ameniza, encolhendo-se com o tempo e tornando-se uma parte cada vez menos presente no cotidiano. Que restando somente um sentimento sereno de saudades, acende-se uma nostalgia que aquece a alma. Pessoalmente, discordo completamente de tal afirmação. O luto, em minha visão, enquadra-se na vida assim como as ondas no mar.
Nos primeiros meses, nos deparamos com um tsunami, furioso e violentamente dominando e controlando a maioria dos nossos pensamentos, fazendo-nos sentir afogados pela própria consciência, com noções de arrependimento e negação poluindo quaisquer capacidades de racionalidade pré-existentes. Outro infortúnio que surge é que, infelizmente, apesar do sentimento de que o mundo acabou e que nada mais será da mesma maneira, você é a pessoa que sobreviveu, e, portanto, deve continuar existindo normalmente: acordar no mesmo horário, seguir a mesma rotina e fazer as mesmas coisas, tendo que balancear tudo isso com carregar o que parece ser uma tonelada de pensamentos inimigos na sua cabeça. O desafio principal é ter energias para se manter boiando e não se afogar nas profundezas, mesmo que pareça ser a única coisa justa a se fazer.
Tempos depois, o mar está, de certa maneira, mais ameno. Porém, um mergulho nas águas te diz justo o contrário: há tremenda raiva, angústia e tristeza espremidos num pequeno canto do cérebro, sendo 'protegidos' por uma fina camada de negligência derivada do subconsciente de autossabotagem, que sempre busca maneiras de interferir em todos os aspectos do cotidiano. As pessoas ao seu redor não lhe perguntarão mais se você está bem, não irão te olhar com cara de preocupação, parecendo simplesmente não se importarem nem lembrarem mais. Mas você se lembra de todos os detalhes, de todos os momentos. As memórias se repetem em um loop constante como uma fita quebrada, a saudade que lhe torturava mentalmente agora parece ser física, porém, não se pode mostrar mais nenhum sinal de fraqueza. Já ''deu tempo'' de ficar triste, agora, tem de superar e seguir em frente. Tenha cautela, um passo descuidado no mar e voltamos pro estado inicial de afogamento, lutando por ar no meio das profundezas de seu próprio luto.
Um tempo maior já se passou, as ondas estão pequenas depois de tempos turbulentos, surgindo em períodos mais separados entre si. Há dias onde podemos prever uma maré alta: seu aniversário, visitando pros mesmos lugares onde se criaram memórias, fotos antigas, músicas, feriados, os nasceres do sol… Há respingos de sua alma em todos os cantos do mundo, e em vez de querer me cegar da realidade, agora passo a ver o céu da noite com extrema atenção, procurando a estrela mais brilhante e sabendo que aquela é a sua, me vigiando de longe e cuidando de mim. Saber se preparar para as ondas não é fácil, mais difícil ainda é aceitar a realidade e não sentir culpa, mas, apesar do que sua cabeça tenta lhe convencer, é possível. Cada onda alta lhe torna mais resistente, o mundo começa a ter cor novamente, mesmo que esteja faltando seu calor.
Dia 22 de abril é um dos dias do ano onde a maré está turbulenta, porém, depois de quase 6 anos, o problema não é mais o excesso de memórias, agora, é a falta. Ter que recordar o tom de sua voz por vídeos antigos, lembrar de datas importantes via notificações do celular, olhar para fotos nossas e não saber de cada detalhe por trás delas… tais situações não eram previstas. O mundo, que antes tinha praticamente um excesso de traços seus, parece ter apagado sua existência. Por que as ondas não conseguem me afundar da mesma maneira, carregando as mesmas dores?
Mesmo assim, apesar do ódio e culpa que acumulo devido à minha incapacidade mental de memória, ainda busco por você no céu da noite. Dessa vez, pedindo desculpa. As ondas continuarão vindo periodicamente, eu sei, é inevitável, e espero que quando chegarem, possam mudar essa realidade.
Inspirado num comentário do Reddit.
Autoria: Maria Luiza Cerize
Revisão: Laura Freitas, Sofia Nishioka
Imagem de capa: Pinterest
Comments