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OUTUBRO PARA ALÉM DO ROSA



Se tem algo com o que podemos contar no mês de outubro, além do Halloween, dos feriados estendidos e dos dias mais quentes por causa da Primavera, é uma mensagem sobre o Outubro Rosa nos relógios de rua. Outubro chegou e com ele também chegou a onda de ações do governo e de marcas como Marisa, Avon, Adidas e tantas outras sobre o câncer de mama, o câncer que mais mata mulheres no Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), 17.825 pessoas morreram de câncer de mama em 2020, 16% das pacientes. Por mais importante e impactante que seja ver toda essa mobilização, trata-se de uma taxa de mortalidade que se mantém estável desde 2008, o que me provoca um questionamento: o quão efetiva é a política de adoção ao “Outubro Rosa”?


Primeiramente, é interessante entender de onde veio esse movimento, que começou nos anos 1980, nos Estados Unidos, quando Nancy Goodman Brinker criou a Fundação Susan G. Komen for the Cure após perder sua irmã, Susan, para a doença. A campanha se popularizou mais ainda em outubro de 1997, quando a Fundação, durante uma das primeiras edições da Corrida da Cura, realizada em Nova York e Califórnia, distribuiu laços cor-de-rosa para os participantes, em homenagem à cor favorita de Susan. Depois disso, o laço passou a ser distribuído em locais públicos, em desfiles de moda e em outros eventos. Já no Brasil, as primeiras ações apareceram apenas em 2002, com a iluminação em rosa do monumento do Obelisco do Ibirapuera, situado em São Paulo - SP. Desde 2010, o Instituto Nacional de Câncer, o INCA, participa deste movimento, promovendo espaços de discussão sobre o controle do câncer de mama e divulgando e disponibilizando seus materiais informativos, trazendo qualidade para o debate com informações técnicas e atualizadas.


Sob esse contexto, o Brasil melhorou consideravelmente sua taxa de sobrevivência com essa campanha anual. No entanto, ela se mostra falha ao focar na população feminina mais jovem ao invés da faixa-etária realmente alvo da doença, mulheres entre 50-69 anos. Segundo Arn Migowski, chefe da Divisão de Detecção Precoce de Câncer e Apoio à Organização de Rede do INCA, o Outubro Rosa transmitiu informações de saúde, as popularizou e induziu comportamentos relativos às informações transmitidas, três aspectos desejáveis na comunicação e na educação em saúde. Porém, gerou um excesso de mamografias de rastreamento e não incentivou a autonomia e o consentimento livre e esclarecido.


Autonomia, consentimento livre e esclarecido e o conceito de decisão compartilhada são três elementos extremamente importantes no tratamento de qualquer doença, sendo assim também muito importantes na luta contra o câncer de mama. O consentimento livre e esclarecido garante ao paciente (ou representante legal) a autonomia e a participação na escolha das opções diagnósticas ou terapêuticas da sua condição clínica, mediante informação clara sobre um procedimento recomendado. Esse direito do paciente e dever do médico estão previstos no Código de Ética Médico em diferentes pontos, incluindo o Princípio Fundamental XXI, o artigo IV do capítulo 3, o artigo 22 do capítulo IV e o artigo 31 do capítulo V. Já a decisão compartilhada é o reconhecimento de que o doente é um sujeito ativo nos rumos do tratamento e, assim, deve ter acesso a informações sobre os benefícios e os efeitos adversos das terapias disponíveis e as consequências do não tratamento. Esse último conceito é muito relevante quando se trata do câncer de mama, uma vez que, em um estado inicial, existem diversas opções de tratamento (cirurgia, radioterapia, quimioterapia, medicamentos), que podem trazer uma abordagem local ou sistêmica, de forma que é de suma importância que o paciente tenha um panorama completo de suas opções antes de tomar uma decisão.


O artigo “A pesquisa Outubro Rosa e mamografias: quando a comunicação em saúde erra o alvo” , publicado na edição do fim de 2021 dos Cadernos de Saúde Pública, explicita essa relação ao avaliar a tendência temporal e a sazonalidade das buscas dos termos “câncer de mama” e “mamografia” no Google Trends entre 2004 e 2019, bem como sua correlação com exames mamográficos no Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados apresentados demonstram claro padrão sazonal com picos de ambos os termos de busca em outubro, o que, por sua temporalidade, sugere fortemente uma relação causal com a campanha Outubro Rosa. Poderia ser uma boa notícia, mas, na verdade, sinaliza um cenário complexo e preocupante. Ao avaliar o conteúdo de matérias jornalísticas publicadas no Brasil em outubro, o rastreamento mamográfico apareceu em cerca de 80% das matérias, mas a recomendação de iniciá-lo aos 40 anos foi predominante. Esse estudo mostrou ainda que a recomendação oficial de rastreamento bienal de 50 a 69 anos foi citada em apenas 17,5% das matérias; apenas 3,3% citaram os riscos do rastreamento; 1,5%, a importância da decisão compartilhada e 11,8% listaram todas os principais sinais e sintomas suspeitos de câncer de mama. Para Arn, esse rastreamento mamográfico fora da faixa etária de 50 e 69 anos e em periodicidade menor do que bienal está associado a expressivo aumento de riscos de sobrediagnóstico e sobretratamento, sem comprovação conclusiva de benefício adicional. Claro que o tratamento preventivo a partir dos 40 anos é importante, mas é ainda mais importante questionar se uma política pública que se diz voltada para a prevenção do câncer de mama está realmente atenta às mudanças da sociedade brasileira, que está envelhecendo.


Além do foco no público errado, o Outubro Rosa falha ao não informar as mulheres de seus direitos legais ao serem diagnosticadas. Segundo uma pesquisa de 2023 encomendada pela Pfizer ao instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), 45% das mulheres entrevistadas disseram não saber que a lei obriga a rede pública a iniciar o tratamento de uma paciente com câncer em até 60 dias após o diagnóstico (Lei nº 12.732/2012). Já cerca de 44% delas não tinham conhecimento de que, caso haja uma suspeita, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve realizar exames na paciente em até 30 dias (Lei nº 13.896/2019). De que adianta passar legislações como essas se não há a devida divulgação dos direitos garantidos ou a implementação efetiva do que está previsto na lei?


Como um mês tão “rosa” falha em reconhecer as necessidades do grupo ao qual o mês é dedicado? É interessante que, durante esses 30 dias, esse aspecto da saúde da mulher vire um tópico de discussão, mas a mesma exposição é negada a outros tópicos da saúde reprodutiva, como o câncer de ovário e o câncer de colo de útero, comuns entre as mulheres brasileiras. Cada vez mais, todos os aspectos da saúde feminina precisam se tornar tópicos de discussão, uma vez que nós representamos 51,1% da população brasileira, uma população que está envelhecendo e que exige que as políticas públicas acompanhem essa transição.



Autoria: Isabella Jancso

Revisão: Anna Cecília Serrano e Gabriela Veit

Imagem de capa: Women's Destiny



REFERÊNCIAS


Agência Câmara de Notícias. “Deputados e Ministério da Saúde discordam sobre mamografia antes dos 50 anos para prevenir câncer. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/816464-deputados-e-ministerio-da-saude-discordam-sobre-mamografia-antes-dos-50-anos-para-prevenir-cancer/#:~:text=%22O%20rastreamento%20fora%20dessa%20faixa,anos%20de%20idade%22%2C%20explicou. Acesso em: 4 de out.2023


Agência Câmara de Notícias.”Dificuldade no acesso a exames e tratamentos mantém estável a mortalidade por câncer de mama no Brasil”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/886107-dificuldade-no-acesso-a-exames-e-tratamentos-mantem-estavel-a-mortalidade-por-cancer-de-mama-no-brasil/ Acesso em: 30 de set 2023


Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. “PARECER SOBRE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA COMISSÃO NACIONAL DE MAMOGRAFIA” Disponível em: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Parecer-sobre-Consetimento-informado-em-procedimentos-de-mama.pdf Acesso em: 4 de out.2023


Fiocruz. “Sucesso do Outubro Rosa é uma boa notícia para o controle do câncer de mama no país?: tema deste mês de 'Cadernos de Saúde Pública'”. Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/52447 Acesso em: 30 de set. 2023


INCA. “Debate: Decisão compartilhada?” Disponível em:https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//rrc-35-debate-decisao-compartilhada.pdf Acesso em: 4 de out. 2023


MIGOWSKI, A. "Sucesso do Outubro Rosa no Brasil: uma boa notícia para o controle do câncer de mama no país?." Cadernos de Saúde Pública 37 (2021).


Mulher consciente. “Tratamentos para Câncer de Mama”. Disponível em: https://mulherconsciente.com.br/cancer-de-mama/tratamentos-para-cancer-de-mama/#:~:text=O%20tratamento%20para%20os%20est%C3%A1gios,a%20cirurgia%2C%20em%20alguns%20casos. Acesso em: 4 de out. 2023


Tribunal de Justiça do Espiríto Santo. “A Origem do Outubro Rosa”. Disponível em: http://www.tjes.jus.br/a-origem-do-outubro-rosa/#:~:text=As%20primeiras%20a%C3%A7%C3%B5es%20no%20Brasil,o%20INCA%2C%20participa%20deste%20movimento Acesso em: 30 de set.2023


UOL. Outubro Rosa: Mulheres não sabem seus direitos frente ao câncer de mama, mostram dados. Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/saude-e-bem-estar/2023/09/15605618-outubro-rosa-mulheres-nao-sabem-seus-direitos-frente-ao-cancer-de-mama-mostram-dados.html Acesso em: 30 de set.2023

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