O texto de hoje, escrito pela nossa editora, Dora Cavalcanti, reflete sobre algumas políticas relacionadas à Agricultura no governo de Jair Bolsonaro. É um convite a pensar sobre como o caminho tomado pelo presidente favorece determinados tipos de sustento agrícola, enquanto ofusca outros. Venha saber mais sobre as consequências das escolhas do governo federal no que diz respeito à atividade mais significativa da economia brasileira.
Este artigo foi construído a partir de uma das questões da prova final de matéria eletiva “Agroecologia e Agricultura no Brasil: políticas públicas, casos e inovação social”, ministrada pela professora Zilma Borges, na EAESP-FGV.
A agricultura tem papel central na economia brasileira durante a maior parte da história do país e, como tem sido demonstrado desde os anos 90, com a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) a forma como este tema é tratado em políticas públicas reflete na esfera sócio-econômica. A discussão sobre pobreza rural e as formas de mitigá-la se deu com vigor na América Latina entre 1990 e 2010, mas o avanço de governos neoliberais sobre a região muda o panorama geral. No Brasil, isso começa em 2016, quando Michel Temer assume o poder, e se intensifica a partir de 2019.
O governo de Jair Bolsonaro tem dado continuidade a um desmonte das políticas de fomento aos pequenos agricultores e à agricultura orgânica e alternativa, iniciado no governo de Michel Temer. Observa-se um encontro de certo desprezo pelas políticas sociais - iniciadas a partir da Constituição de 1988 e endossadas com mais vigor a partir do primeiro governo de Lula - com um desprezo pelas políticas de preservação ambiental. Juntam-se as condutas contrárias a programas sociais com as condutas contrárias ao meio ambiente para compor uma política geral de desmonte a tudo que tem - ou tinha - sido construído para a diversidade da agricultura no Brasil nas últimas décadas. Dois tipos de ação a serem ressaltados sobre este desmonte: a dissolução de conselhos participativos e a permissão abusiva de agrotóxicos.
O primeiro aspecto faz parte de uma política ligada aos conselhos participativos em geral. Bolsonaro e seus subordinados agem de maneira a excluir qualquer opinião dissonante que possa impedir que certos objetivos do presidente sejam realizados e que suas ideias sejam expressadas. Sobre os temas rurais mais especificamente, o fim das instâncias de participação popular da agroecologia faz parte de um decreto (de número 9784/19)¹ que excluiu 55 colegiados com participação da Casa Civil. Foram excluídas a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica, instituídas em 2012, e também o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, iniciado em 2017. Essas ações do governo resultam no impedimento de discussões plurais dentro do âmbito do governo federal. Isso impede o monitoramento de ações do governo - que, sob a batuta de Ricardo Salles, que prefere “passar a boiada”², aprovando regulamentos prejudiciais à natureza enquanto o país sofre uma pandemia mortal - que podem ser nocivas às espécies em extinção, aos povos originários e tradicionais, aos pequenos agricultores e aos produtores orgânicos.
Ainda sobre “passar a boiada”, o segundo aspecto importante de ser apontado nesse ambiente de desmonte é o de que o governo federal tem autorizado o uso de agrotóxicos proibidos no mundo todo, por serem nocivos à água, à saúde humana, à saúde animal e à natureza em geral. Em 2019, o governo totalizou cerca de 290 novos agrotóxicos liberados³. Em 2020, foi mais de uma centena de produtos agrícolas venenosos autorizados. Essas ações unem alguns pensamentos expressados pelo governo: o apoio a grandes latifúndios e grandes ruralistas; um desprezo - antes velado e, agora, oficializado pelo descaso do governo frente à COVID-19 - à saúde humana e, como é de se imaginar, um desprezo aos pequenos agricultores e agricultores familiares e, principalmente, àqueles que trabalham com orgânicos. Como os químicos, em grandes propriedades, são pulverizados no ar e demoram anos para deixar de contaminar o solo e as águas, muitos produtores não conseguem o selo de alimento orgânico e perdem prestígio e lucro do seu trabalho, mesmo com todo o esforço para ter uma produção mais natural.
Em suma, o governo Bolsonaro não é contra a agricultura. Ele é contra todas as múltiplas e diversas agriculturas que não sejam monoculturas extensivas, exploradoras da natureza e do trabalho humano - enquanto, ao mesmo tempo, também causam desemprego frente à mecanização - contaminadoras de solos e águas, pouco saudáveis, pouco diversas e que concentram lucros em quantidades exorbitantes nas mãos de pouquíssimas pessoas. Assim, o governo muito bem cumpre com seu projeto inicial de desmonte de políticas sociais e de desprezo ao meio ambiente.
¹ Disponível em: https://bit.ly/2BTRorG
² Declaração de Ricardo Salles na reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve suas gravações divulgadas um mês depois. Mais disponível em: https://bit.ly/30nOTar
³ Disponível em: https://bit.ly/3gwHuLW
Foto da capa: Mariana Hashimoto
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