por Ana Flávia Kajita e Equipe administrativa
Como resultado dos conflitos e consequências econômicas, políticas e sociais das Guerras Mundiais do século XX, as potências europeias tiveram sua hegemonia mundial fragilizada, tornando possível a ascensão dos Estados Unidos da América (EUA). Esse, por sua vez, continua a exercer influência enquanto potência global até o momento, desfrutando de posição e autoridade assimétricas em comparação a outros países no Sistema Internacional (S.I). Consequentemente, diversos fenômenos políticos e econômicos que ocorrem nos EUA desencadeiam um efeito dominó no mundo. Sendo assim, a relação assumida por países coadjuvantes no S.I, como Brasil e China até recentemente, é amplamente moldada pelo teor de suas relações com os EUA. Neste ensaio, abordaremos os principais marcos da política externa dos três países ao longo dos últimos cinco anos, analisando como as dinâmicas entre eles repercutem em todo o sistema.
Em 2020, a derrota do presidente Donald Trump deu lugar à posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos. Tradicionalmente, alianças e convergências, tanto políticas como econômicas, criam o elo de aproximação entre diferentes governos - da mesma forma como podem criar barreiras. Ao que tudo indica, um número significativo de governantes mundiais que detinham o apoio do ex-presidente norte-americano, Donald Trump, corre riscos reputacionais e de governabilidade em seus respectivos países graças a fatores exógenos, tal qual a eleição norte-americana, bem como questões domésticas; esse é o caso do Brasil. O atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, adota políticas diretamente influenciadas pelas medidas e ideologias adotadas por Trump desde o início de sua gestão. No entanto, o novo presidente dos EUA diverge de seu predecessor em múltiplos aspectos, gerando uma crise de identidade no governo brasileiro - afinal, o custo reputacional de Bolsonaro ao mudar sua linha ideológica pode ser ainda maior do que o de manter-se no caminho adotado desde sua campanha presidencial.
Analistas¹ argumentam que a reputação brasileira, sob o panorama internacional, tornou-se fragilizada nos últimos anos. Além de decisões questionáveis tomadas pelo Governo em ocasiões pregressas, a má governança e administração pública ineficaz no combate à pandemia do coronavírus são alguns dos principais agravantes para o escalonamento do escrutínio internacional. Isso deve-se ao fato de que o Brasil tem o maior o maior número de mortes em decorrência da Covid-19 por milhão de habitantes: o país conta com 2,7% da população mundial, mas concentra 37%² das mortes por coronavírus no mundo. Só em março de 2021, mais pessoas morreram pela Covid-19 no Brasil do que em 109 países juntos durante a pandemia inteira. Ademais, até o momento, segundo o G1, apenas 16% da população brasileira tomou a primeira dose da vacina contra o vírus, o que traz uma maior incerteza quanto a contingência da pandemia. ³
Além disso, no quesito econômico, a principal aliada e cliente das exportações brasileiras é a China, que possui alto grau de transações comerciais com o Brasil, garantindo sua influência direta no país. Entretanto, atualmente, os EUA e a China travam uma guerra comercial, desencadeada pelo alegado risco proveniente do crescimento abrupto e contínuo da economia chinesa, que tem assustado a maior potência do mundo. Essa guerra tomou forma nos anos 2000, quando o país asiático já apresentava um crescimento do PIB em proporções sem precedentes em decorrência das novas políticas econômicas adotadas ao fim da era socialista chinesa (anos 80). Dentre elas, a implantação das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais), nas quais investimentos estrangeiros são permitidos e atraídos por diversas vantagens econômicas oferecidas pelo governo chinês às empresas de capital estrangeiro.
A quantidade da produção, importações e exportações chinesas exerce expressiva influência mundial. Durante o ano de 2020, todos os países do G7 tiveram a variação do PIB negativa, com exceção da China, que apresentou um crescimento de 2,3%. Com isso revelou-se como a posição de autoridade dos EUA havia sido afetada pelo crescimento exacerbado da potência em ascensão. Durante o governo Trump, sanções econômicas foram adotadas para conter a influência chinesa no mundo, gerando descontentamento por parte do governo chinês. Desde então, a relação EUA-China permanece recheada de nuances políticas e econômicas. Mas o que tudo isso indica em relação ao Brasil?
Durante o evento convocado por Biden, a ‘Cúpula de Líderes sobre o Clima', cujo objetivo foi tratar das mudanças climáticas de impacto global, o governante estadunidense afirmou que o encontro serviu como uma última chance para o governo brasileiro se posicionar sobre a questão em pauta. No entanto, fontes⁴ indicam que o discurso do Presidente Bolsonaro na ocasião foi baseado em imprecisões e falácias, trazendo informações e constatações sem evidências ou já desacreditadas e, consequentemente, ferindo ainda mais a sua credibilidade frente aos demais líderes de Estado. Não bastasse isso, nos anos de 2019 e 2020, o Brasil enfrentou uma grave crise ambiental por conta das queimadas de grandes extensões na região Centro-Oeste e Norte do país. Nesse cenário, inclusive o presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou repulsa às condições em que se encontravam a fauna e flora brasileira, incitando uma intervenção imediata por parte dos países desenvolvidos.
Por conseguinte, a partir da semana do dia 24 de abril de 2021, a União Europeia e os EUA barraram a entrada de brasileiros vacinados com a CoronaVac (vacina de origem chinesa) em seu território, além de terem iniciado testes para verificar a segurança e eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan. Esses são mais acontecimentos representativos da limitação da influência brasileira e chinesa no Ocidente. Tudo indica que no presente momento ambos os países estejam sendo menosprezados pelos principais atores do Sistema Internacional.
Sob tais circunstâncias, a política externa brasileira segue comprometida, tanto pelo seu desempenho no combate à pandemia quanto pela postura adotada em relação aos esforços dos órgãos e instâncias públicas na preservação ambiental do território nacional. A relevância internacional brasileira, após experienciar uma lenta ascensão no início no século, entrou em queda livre quando o ex-presidente estadunidense, Donald Trump, perdeu a reeleição. Aspectos da política externa brasileira, adicionalmente aos elementos de política doméstica, perderam sua legitimidade no Sistema Internacional, deixando de ser o modus operandi dos EUA; com Trump fora da jogada, Bolsonaro passou a ocupar o posto de pária internacional aos olhos das potências europeias.
Finalmente, é plausível assumir que algumas dessas potências sigam em rota oposta ao de nosso país e governo. Na medida em que o Brasil se isola dos principais atores no Sistema Internacional, sua relevância política decai e seu espaço de barganha é afunilado em todas as facetas exploradas nas interações e negociações multilaterais. Os EUA e a União Europeia já impuseram seus limites e as próximas jogadas estão sendo decididas neste momento. Resta saber quão próximos estamos do momento de virada, no qual o alinhamento político dos países deverá convergir ou presenciaremos a emergência de uma dinâmica de poder polarizada que há anos não encontra palco propício para ressurgir.
Revisão: Glendha Visani e João Vitor Vedrano
Imagem de capa: Itamaraty
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Referências:
³https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56607007
⁴https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/04/22/bolsonaro-cupula-lideres-clima-repercussao.ghtml
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