Este ano, a pedido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estabeleceu-se a retomada da discussão sobre uma reforma do sistema eleitoral. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) ficou encarregado de iniciar este destravamento de propostas, que estão paradas há anos e aguardam votação. O senador já deu um parecer inicial favorável a algumas medidas, entre elas o fim da reeleição para prefeitos, governadores e presidentes. Outros políticos também se manifestaram a favor da proposta, como o senador Jaques Wagner (PT-BA), o governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo) e o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Com a volta dessa discussão, o Datafolha realizou uma pesquisa de opinião, em que 58% das pessoas se posicionaram a favor da manutenção das reeleições para chefes do Executivo. Neste texto, irei focar nas opiniões dos que são contrários a tal reeleição, com o objetivo de destrinchar seus argumentos e compreender se são coerentes. É muito comum o argumento de que os primeiros mandatos de presidentes da Nova República foram sempre melhores que os segundos mandatos. Apesar de isto estar aberto para debate, vamos assumir a veracidade desta informação. Por que será que isso acontece?
Uma das respostas é bem simples, a existência de reeleições. A possibilidade de ser reeleito serve como incentivo para os mandatários realizarem um bom governo em seus primeiros mandatos. Ou seja, a existência da reeleição disciplina políticos.
Basta pensarmos: com o fim da reeleição, que motivo um prefeito tem para cumprir com suas promessas? Que incentivo ele terá para manter a saúde fiscal do município? Podemos até argumentar que tais políticos possam estar interessados em eleger um sucessor, e isto serviria de incentivo. Mas, evidentemente, trata-se de uma ligação mais fraca. Sendo assim, por que gostaríamos de acabar com a possibilidade de reeleição?
Teoricamente, a possibilidade de ser reeleito é uma das únicas coisas que mantém um político que já está no poder preocupado em agradar seus eleitores. É claro que há outros fatores, como ética, ideologia etc., mas devemos sempre escolher mecanismos gerais, que criam incentivos positivos independentes destas características, pois elas não podem ser controladas.
Jorge Kajuru (PSB-GO), o autor da PEC 12/2022, que trata do fim da reeleição, defendeu-a afirmando que o segundo mandato é um convite para a corrupção. Em suas palavras: “No segundo mandato, você está preguiçoso, desanimado e, se você for corrupto, mais apetitoso. Mais guloso, cachorro mais faminto. Você vai querer roubar mais porque são seus últimos quatro anos. E vai deixar roubar.”
O argumento do senador pode parecer convincente inicialmente, mas ele ignora um fator fundamental: se não há reeleição, todos os 4 anos de mandato dos presidentes serão seus 4 últimos anos de mandato! Ou seja, se o argumento dele é válido, de que o último mandato gera incentivos à corrupção, então este argumento é muito mais favorável do que contrário à reeleição.
Os economistas Claudio Ferraz (University of British Columbia) e Frederico Finan (University of Berkeley) se fizeram esta mesma pergunta e, em 2011, publicaram o artigo “Electoral Accountability and Corruption: Evidence from the Audits of Local Governments”, em que testam, utilizando rigorosos métodos estatísticos, se a existência de reeleição para prefeitos no Brasil faz com que haja menos corrupção em seus primeiros mandatos. Os resultados encontrados indicam que a existência de reeleição diminui a corrupção de forma significativa. Eles interpretam este resultado através de um modelo em que mandatários evitam ser corruptos com receio de que os eleitores descubram e os punam através das eleições, ou seja, não votem neles.
É compreensível que muitas pessoas entendam que, se o primeiro mandato é sempre melhor, então devemos acabar com o segundo. Contudo, precisamos divulgar o que é praticamente consenso na academia: as reeleições geram incentivos positivos que causam esses bons resultados no primeiro mandato. O lado positivo de uma democracia representativa é a possibilidade de debater ideias livremente, antes que estas sejam legitimadas por lei. É neste contexto que devemos qualificar o debate, trazendo as evidências que já possuímos, para que possamos encontrar o caminho mais próximo do ideal.
Referências:
Ferraz, C., & Finan, F. (2011). Electoral accountability and corruption: Evidence from the audits of local governments. American Economic Review, 101(4), 1274-1311. Acesso em <https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/aer.101.4.1274>
Autoria: Artur Gomes
Revisão: André Rhinow e Laura Freitas
Imagem de capa: Lula Marques/Folhapress
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