(Música para leitura:
“Brain Damage” – Pink Floyd
porém, se fosse você, escutaria ao álbum todo também)
Eu amo Pink Floyd. Meu gosto musical se resume ao rock psico-progressivo, um estilo repleto de melodias complexas, loucuras líricas, solos incríveis de guitarra e muito LSD. E como todo fã de Pink eu já ouvi todos os tipos de críticas possíveis de como suas músicas são muito malucas: “On the Run” é só um monte de barulho e ninguém tem saco de ficar escutando “Echos” por seus (maravilhosos, por sinal) 23 minutos, mas eu amo independente de crítica e mantenho minha calma mesmo quando me perguntam qual deles é o Pink.
Contudo, tem uma coisa que não se pode negar o quão impressionante é: o efeito O Lado Escuro do Arco-íris. Esse efeito acontece quando você sincroniza o icônico álbum “The Dark Side of the Moon” com (pasmem) o filme “O Mágico de Oz”. Ninguém sabe ao certo quem foi o fã alucinado de prismas e tijolos amarelos que primeiro descobriu esse fenômeno, tudo que se sabe é que em 1995, no jornal Fort Wayne Jornal Gazete nos Estados Unidos, o jornalista Charles Savage publicou uma matéria que sugeria aos leitores fazer essa sincronia, e o resto é história. Desde então, todos os envolvidos na produção do anacrônico álbum negaram qualquer conexão e alguns até se sentiram ofendidos com a sugestão de que a criatividade e genialidade na criação do álbum não passava de uma cópia do roteiro do filme. Particularmente, a minha resposta favorita foi a do baterista Nick Mason, que disse em uma entrevista à MTV em 1997: “É uma completa baboseira. Ele [o álbum] não tem nada a ver com ‘O Mágico de Oz’. Ele foi todo baseado mesmo em ‘A Noviça Rebelde’”.
Concordando ou não, o efeito é verdade e, em minha humilde opinião, a sincronia é perfeita, se feita de forma correta. Quando Dorothy está se equilibrando em cima da cerca ao som do verso “Balanced on the biggest wave” (“se equilibrando na maior das ondas”) da canção Breathe, quando a tempestade chega ao seu extremo, gritando e destruindo tudo como Clare Torry em “The Great Gig in the Sky”, ou quando o filme radicalmente inova na arte cinematográfica e torna-se colorido, bem na hora do som da registradora de “Money” (e que também é a primeira música do lado B do álbum).
Agora, sabe o que é mais impressionante do que tudo isso? Bem, ainda nas palavras de Nick Mason, foi que esse efeito foi descoberto devido à “algum cara com muito tempo livre que teve essa ideia de combinar ‘O Mágico de Oz’ com ‘The Dark Side of the Moon’”. Ou seja, a incrível capacidade humana em encontrar padrões em todas as partes. O nosso cérebro é viciado em padrões de todos os tipos, por isso nos agrada combinar peças de roupa com certas cores ou toda a ideia de simetria em nosso mundo. Da arquitetura ao paisagismo a como você corta uma cebola, fazemos tudo de um jeito que nos traz um prazer reconfortante: padrões.
Juntamente com a nossa obsessão com padrões, Carl Jung já descrevia também uma outra compulsão de nossa mente que é a sincronicidade. Ele a define como quando, para nós, eventos coincidentes parecem ter alguma relação, mas, na realidade, não possuem uma real causalidade. Esse conceito se encaixa perfeitamente em O Lado Escuro do Arco-íris porque estamos apenas focados em momentos que, coincidentemente, filme e álbum se complementam e ignorando todo o resto (que pode muito bem ser a maioria do filme). Enxergamos somente aquilo que queremos, no final das contas, e já cantamos vitória e clamamos o fenômeno como a maior descoberta de todos os tempos e os amantes anunciam a grandiosidade e a genialidade do Pink Floyd em colocar essa referência bem na frente de nossos olhos sem nunca termos percebido. Já os críticos começam a dizer que tudo é obra de Satã e que estamos todos sendo contaminados pela demoníaca melodia do rock psicodélico. Muaha ha ha ha.
Enxergamos somente aquilo que queremos…quando eu paro para pensar nisso, me vem à cabeça a história de Ícaro, aquela que nos ensina o que acontece se prestamos atenção somente naquilo que queremos e não naquilo que precisamos: acabamos queimados pelo sol. Atualmente, são inúmeras as pessoas que vendem experiências e estilos de vida “padrão” e inevitavelmente pressionam nossas consciências a aceitar uma vida que não necessariamente precisamos, mas que deveríamos querer.
Essa é a hora em que eu abro o jogo e começo “esse texto não é sobre o Pink Floyd e nem ‘O Mágico de Oz’” e, bom…realmente não é, mas que graça teria se eu começasse tudo da maneira mais analítica e clichê possível?
Hoje mais do que nunca, achamos que precisamos de tantas coisas que, na realidade, apenas nos ensinaram que precisamos. Geladeiras hiper-modernas, celulares novíssimos, roupas caras e de marcas distantes que tentam imortalizar o espírito de seus fundadores, os quais devem todos estar se revirando em seus túmulos dadas as mudanças feitas na sua ausência. Para além de bens materiais, temos também uma espécie de mercado de ideais, onde padrões (sim, olha eles aqui de novo) circulam adoidados, nos ensinando como deveríamos comer, agir, pensar, se comunicar, trabalhar, ou seja, máquinas criadoras de personalidades irrealistas que eu aposto que nem são mantidas por seus próprios difusores.
Assim, não se estranha que a ansiedade e a insegurança tomem controle de nossas vidas, especialmente das de pessoas da minha idade, que de repente se encontram em um mundo novo de responsabilidade e liberdade nunca antes visto, perdidos em meio a um gigantesco oceano de infinitas possibilidades. Dizem que esses são os melhores anos da sua vida e eu também acredito muito nisso, mas eles o são justamente por serem a fase em que decidimos quem queremos ser e o queremos fazer com nossas vidas, descobrindo nossas incríveis facetas no processo, e, se nos tornamos reféns de ideais que nem são nossos propriamente, o que estamos fazendo com esse anos?
E para agregar ainda mais a essa experiência estressante, um mundo com redes sociais e internet tão desenvolvida quanto a nossa traz tanto soluções como problemas. Focamos muito em atingir ideais que não são os nossos, mas nos foram dados, como missões, uma lista de tarefas que deve ser cumprida, caso contrário, você terá falhado no jogo da vida. Focamos tanto no que os outros esperam de nós que acabamos incorporando expectativas gigantescas, ou até muito pequenas, para o nosso potencial. Mas ao invés de virarem motivações para se viver uma vida “melhor”, essas expectativas se tornam nossas angústias, nossos medos, nossas inseguranças. Nós nunca escolhemos essas metas, essas missões e, ainda assim, as seguimos piamente como se estivessem escritas em pedra.
Quem melhor para nos conhecer do que nós mesmos? Quem melhor para criar planos do que nós mesmos? Somos donos do próprio destino, não somos? E claro que um simples texto sobre um álbum e uma lição de moral não vão lhe mudar instantaneamente, não é assim que essas coisas acontecem, para a infelicidade desse autor. Mas é um passo. Um passo para começarmos a entender quem realmente somos e o que realmente queremos de nós mesmos. Os outros são os outros, e esperamos que sigam um código de boas maneiras e respeito mútuo, mas, para além disso, daí é com eles mesmo.
Os seres humanos são peças de um grande mosaico. Colorido e repleto de figuras criativas, que contam as mais lindas e diversas histórias de vida. Existem aqueles que preferem as paredes de concreto puro às cores das formas artísticas naturais que temos a oferecer. É como se estivéssemos todos em um estado de transe por utilizarmos desse grande psicodélico que são os padrões modernos, só que, infelizmente, a sua brisa não é a das melhores. A grande ironia disso tudo é que no auge do movimento hippie dos anos 1960, a liberdade de expressão e o desenvolvimento de personalidades únicas e marcantes estavam com tudo, junto com os psicodélicos, e agora eles nos traem dessa forma. “Até tu, Brutus?”.
No fim do dia, a mensagem desse texto não é “use drogas e escute Pink Floyd”, mas sim que nós comecemos a perceber cada vez mais o nosso potencial como indivíduos, nossos altos e baixos, em que somos bons e em que não somos. Nos desprendamos dessa rede neural psicótica da vida ideal. A vida ideal não existe. Ela é exatamente o que você fizer dela. E como nós quebramos esse vício nos padrões irrealistas? Aos poucos, bem lentamente. Então não precisa sair por aí gritando, mas talvez comece a decidir um pouco mais coisas que você queira fazer, e não aquilo que os outros querem que você faça, ou o que sairia bem no Instagram.
“The Dark Side of the Moon” não é um álbum que fala sobre individualismo e liberdade, muito pelo contrário, mas ele nos mostra a beleza da experiência humana, do nascimento até a morte, além dos vícios inerentes a ela. Não podemos fazer com que esse lindo experimento se torne neutro, calmo, pacato e cinza, utilizemos de nossas brilhantes individualidades e características únicas para tornar essa mistura vulcânica, colorida, quente e inquieta. E devemos ser rápidos, porque senão, como a banda bem nos avisa em “Time”: “But then one day you find ten years have got behind you/No one told you when to run, you missed the starting gun.” (“Mas então um dia você percebe que dez anos se passaram. Ninguém lhe disse quando correr. Você perdeu o tiro da largada”).
Recentemente, eu descobri que existe um efeito “Another Brick in the Wall-E” , não sei o que vai dar, mas vou verificar e quem sabe escrevo 1600 palavras sobre também. Eu amo Pink Floyd.
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Autoria: Enrico Romariz Recco
Revisão: Anna Cecília Serrano e Artur Santili
Imagem da capa: The arts desk
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