Um dia desses me disseram um “não”. E eu até gostei. Não que eu tenha algum prazer com a rejeição, pelo contrário, o “sim” teria sido bem agradável. Mas o que eu quero mesmo é que queiram de verdade, sabe? Não quero que queiram por minha causa. Pelo menos não sempre. Algumas vezes, até que é saudável fazer concessões para a vontade do outro, faz parte das trocas da convivência, mas lindo é quando a discordância é possível e a autonomia prevalece sobre os anseios de me agradar. No fim, é sobre receber alguns nãos e, quando receber um sim, saber que é de verdade.
Por vezes, quando somos rejeitados, podemos acabar sentindo que a rejeição é culpa nossa. Essa possibilidade, no entanto, centraliza tudo em nós mesmos, como se as decisões do outro só levassem em conta as nossas próprias condições. A autonomia do outro não é enxergada aqui. Esquecemos que o outro pode rejeitar nossos anseios porque é outro e tem anseios próprios.
Pior é quando nos sentimos desrespeitados com a rejeição, como se fosse um desrespeito que a nossa vontade não fosse atendida. Mas, ora, onde está o respeito quando não se quer de verdade, quando se mente sobre seus desejos? Eu diria a alguém “se deseja me respeitar, respeite primeiro os seus próprios desejos”: não me diga algo que não quer, nem sem querer fique comigo. Talvez o respeito aqui more na honestidade.
Parece, na verdade, um desrespeito para com o outro quando nos ofendemos porque ele simplesmente seguiu as suas próprias vontades. Por vezes, ao se incomodar com a negação de um pedido, é válido se questionar se era, de fato, um pedido ou se era uma exigência, esta que não aceita recusas. Afinal, o pressuposto do pedido é a possibilidade de ser negado.
Perceber que as rejeições têm menos a ver com nós e mais com o exercício que o outro faz de sua autonomia é, apesar de libertador, um passo simples. O que realmente é bonito disso é enxergarmos a beleza do espontâneo, aquilo que se faz sem muita solicitação, pelo querer de verdade. Talvez seja por isso que aquilo que vem sem pedido é o que mais nos encanta. Quando o desejo é mútuo, aquele abraço inesperado, que precisávamos tanto sem saber. As risadas não combinadas. Os elogios que nos pegam desprevenidos!
Há ainda quem se ancore nas promessas para prevenir a rejeição. “Promete que vai ficar comigo para sempre?”. Grande besteira! Vender um tempo que não te pertence, o futuro. Sabe-se lá o que vai acontecer ou como vou me sentir daqui a dois minutos, a três semanas ou a quatro anos. Quando se rompe a promessa, cobram a dívida, depositando no outro a culpa, como juros, do descumprimento do pacto. A verdade é que às vezes o combinado sai caro e precisamos ter o direito de sair de algo que não nos cabe mais, que passou a custar tanto, mesmo que rompa com as juras. O amor que era para ser leve e as promessas que eram para serem bonitas acabam se tornando fardos e obrigações, que nos prendem em vez de nos libertarem. Às vezes, o cumprimento da promessa pode significar a renúncia dos nossos próprios desejos, o abandono de nós mesmos.
Diante dos votos de “até que a morte nos separe”, fico com a beleza dos encontros espontâneos. De quem fica sem promessa – ou se despede sem débito. De quem não se abandona. Fico com o livre exercício ético da autonomia.
“Não prometeu que me amaria a vida toda, mas tem me amado cada dia como se fosse uma vida inteira”
Geni Nuñez
Autoria: Lucas Tacara (@lucastacara)
Revisão: Artur Santili
Imagem de capa: Vecteezy
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