O texto de hoje é da nossa diretora institucional, Carolina Zweig! As queimadas dos últimos meses foram, com certeza, desastres brasileiros... catástrofes, na maioria das vezes, são seguidas de ajudas financeiras externas, mas como fica a nossa Amazônia?
A recente tragédia na floresta amazônica agravou as preocupações dos brasileiros a respeito da (pouco controlada) expansão do agronegócio. Catástrofes como essa são previsíveis e evitáveis, mas este nem sempre é o caso. É neste segundo contexto que surgiram os “títulos de catástrofes”, derivativos financeiros atrelados a desastres naturais ou pandemias.
O objetivo é que funcionem como um seguro: investidores lucram em circunstâncias normais e, caso contrário, é feita uma doação imediata com o valor do investimento para socorrer os afetados É um caso peculiar de como o mercado financeiro pode prover um seguro para riscos de saúde pública em locais em que outrora não haveria essa oportunidade. Seriam esses títulos viáveis e desejáveis no caso brasileiro?
Para discutir a viabilidade desses títulos no caso brasileiro, deve-se olhar para os casos já existentes. Em 2017, o Banco Mundial emitiu 425 milhões de dólares (em valores da época) em “títulos pandêmicos”. Investidores compram títulos associados a uma possível pandemia em países em desenvolvimento e recebem juros (11.5% acima da taxa Libor, uma taxa de referência britânica) até que se declare a mesma. A partir desse momento, o dinheiro é utilizado para enfrentar o surto.
A ideia surgiu em 2014, quando 11.000 pessoas morreram no oeste africano (Guiné, Libéria e Serra Leoa) por um surto de Ebola. Arrecadaram-se mais de 7 bilhões de dólares para combatê-la. Os PEF (sigla em inglês para Mecanismo de Financiamento de Emergências Pandêmicas) surgem para realizar essa transferência de recursos de maneira mais rápida e eficiente. O objetivo não é substituir o auxílio humanitário de grande escala, mas evitar maiores perdas enquanto este não é mobilizado. No momento da sua criação, eles cobriam apenas novos vírus influenza, coronavirus (como SARS e MERS), filovírus (como Ebola), Febre de Lassa, Febre do Vale Rift e Febre Hemorrágica Crimeia-Congo.
O surto mais recente (2018 até os dias de hoje) de Ebola começou na República Democrática do Congo (RDC) e já matou aproximadamente 2000 pessoas. No entanto, assim como um seguro, o título exige que certas circunstâncias sejam atendidas para que o dinheiro seja enviado ao suporte médico. De acordo com as cláusulas, seriam necessárias 20 mortes em um 2º país atingido para que ocorra o pagamento. O vírus de fato chegou a um país vizinho, Uganda, onde houve três mortes (Informação referente ao dia 29/08/19). Se houver 250, 750 ou 2500 mortes em pelo menos dois países, são transferidos 45mi, 45mi e 60mi dólares respectivamente.[1]
Para Andre Rzym, gestor de portfolioda Man AHL, as condições para a transferência de recursos (como mortes em pelo menos dois países) protegem esse fundo de seguro para pandemias de um uso inapropriado. Mas há críticas de que esse mecanismo atrase a ajuda. Andrew Farlow, economista da Universidade de Oxford, alerta que se o vírus se espalha lentamente, é possível que esses recursos jamais cheguem ao local do surto - ou pelo menos não tão cedo, quando são mais necessários.[2]
Caso as condições dos títulos pandêmicos não sejam atingidas até 2020, os investidores que compraram 320 milhões de dólares em títulos pandêmicos de Ebola receberão seu dinheiro de volta[3]. Apesar da pressão internacional, o Banco Mundial provavelmente não vai desrespeitar os termos do contrato e conceder os recursos: investidores podem não querer comprar esses títulos no futuro e quando outra pandemia acontecer, não haverá sequer a possibilidade de receber essa doação imediata.[4]
Será algo bom no quadro atual, é que o não pagamento indica que o surto não atingiu ainda o nível de casos e mortes definido por esse modelo para uma pandemia. Assim que situação na RDC foi declarada emergência internacional (maior nível de preocupação possível), o Banco Mundial anunciou que concederá 300mi de dólares para a auxiliar a resposta à crise (independentemente dos títulos).
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O modelo de títulos pandêmicos está longe de ser perfeito, mas é difícil acreditar que os países conseguiriam providenciar (imediatamente ou não) essa quantidade de recursos em casos de pandemias. Em contraste com outros títulos de catástrofes, cuja função também é transferir riscos, a imprevisibilidade de surtos e sua baixa probabilidade (em comparação com furacões, por exemplo) torna muito difícil formulá-los. Ao serem muito arriscados, pagam um cupom altíssimo e atraem principalmente administradores de fundos especializados.
Não que isso seja algo único: qualquer contrato de seguro possui um valor de face maior que o retorno esperado. Olga Jonas, membra do Instituto de Saúde Global de Harvard, aponta que esse valor chega a 17mi de dólares por ano no caso dos títulos pandêmicos e alega que esse valor seria melhor aproveitad0 em sistemas de saúde públicos e vigilância sanitária para evitar surtos.
De fato, foi justamente a vigilância que evitou que o Ebola se espalhasse em Uganda – poupando vidas e os milhões dos investidores. David Heymann, da Organização Mundial da Saúde, também aponta que o ideal seria desenvolver a saúde pública local ao invés de ajudar países subdesenvolvidos com doações durante as tragédias. No entanto, quando esses países têm ainda outros problemas domésticos (principalmente políticos e econômicos), a necessidade de recursos emergenciais aumenta.
Tendo em vista o retorno esperado e real desses títulos, assim como as críticas recebidas, existe a possibilidade de uma renovação desse modelo de títulos. Surgem, portanto, novas perguntas: seria útil esse modelo no caso dos incêndios na Amazônia? De que maneira deveríamos ajustá-lo neste contexto? Se os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) são mentirosos, como afirmou o presidente Jair Bolsonaro, como definiríamos as condições necessárias para que se faça a doação? Seria possível que alguém se beneficie deste modelo? Caso essa última resposta seja positiva, não podemos deixar de nos fazer uma nova pergunta: Quem ganha quando a Amazônia perde?
Bibliografia:
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