No texto de hoje, nosso redator Bruno Daré nos convida a entender um pouco melhor a Reforma Tributária, a partir de uma visão que busca esclarecer como o atual sistema tributário é cercado de falhas que contribuem para o desperdício de recursos e aumento da desiguldade. Entretanto, existem aspectos da Reforma que, de forma alguma, trazem benefícios para o brasileiro. Gostaria de entender um pouco mais sobre um dos aspectos mais importantes da economia do país? Então vem ler!
De duas coisas ninguém escapa – death and taxes. O jargão popularizado por Benjamin Franklin foi abrasileirado do nosso jeitinho – uns morrem mais do que outros, outros pagam menos impostos do que uns.
Nosso sistema tributário é também marcado por “jeitinhos”, exceções e complexidades que mascaram alguns mecanismos de empobrecimento do país ou de ampliamento das desigualdades. Nesse texto, pretendo, resumidamente, justificar quais os principais problemas do regime tributário atual, e então explicar quais as mudanças propostas na reforma da Câmara.
São quatro as categorias principais de arrecadação de impostos no Brasil, distribuídas entre tributos de ordem federal, estadual e municipal. Temos tributos sobre a renda (IR), tributos sobre o consumo de bens e serviços (ICMS, IPI, ISS), tributos sobre a folha de pagamentos (INSS, FGTS) e tributos sobre o patrimônio (IPTU, IPVA).
Como havia sugerido, os impostos brasileiros afetam a população por mecanismos de ineficiência econômica e por vias de distribuição regressiva ou, em outras palavras, tornando o país mais pobre e mais desigual. Explico.
Há um primeiro motivo bastante óbvio pelo qual o sistema tributário é ineficiente – sua complexidade. As empresas brasileiras alocam muitos recursos e horas de trabalho exclusivamente para pagar os tributos devidos. São horas de trabalho que poderiam ser alocadas para produzir algo de valor para a sociedade, mas que são empregadas simplesmente para cumprir obrigações burocráticas.
Este primeiro motivo notoriamente torna o país mais pobre, mas há ainda um segundo motivo mais sutil e talvez mais grave – alguns impostos distorcem a maneira pela qual a economia se organiza. Isto é, as empresas tomam decisões não por serem as decisões mais produtivas, mas por resultarem em menos impostos. Para citar um exemplo, no Brasil, alguns impostos são cobrados na origem do produto ao invés do seu destino – isso explica o porquê de empresas decidirem produzir em Manaus, mesmo sabendo que o consumo dos produtos se dá em outros estados e sabendo ainda que produzir na Zona Franca de Manaus incorrerá em maiores custos de logística. A economia desperdiça recursos com transporte de mercadorias em troca de regimes de impostos especiais mais baratos.
Além desses problemas de eficiência, há também problemas de distribuição. Pessoas que recebem R$20.000,00 mensais podem potencialmente pagar alíquotas de imposto diferentes – trabalhadores CLT pagam imposto de renda sobre pessoa física. Profissionais liberais que se formalizam por pessoa jurídica pagam uma alíquota menor. Esse tipo de distorção torna algumas profissões mais rentáveis do que outras exclusivamente pela oportunidade de “pejotização” – que não é possibilidade para todos. Isso significa que pessoas com renda idêntica comumente pagam impostos diferentes a depender de seu emprego e carreira.
Essa distorção mais explícita que se dá no âmbito do imposto de renda não é única, há também as distorções distributivas que decorrem de impostos de consumo de bens e serviços. Hoje, tipicamente, os serviços são menos tributados do que os bens. Portanto, basta notar que as classes mais baixas consomem uma proporção maior de bens para perceber que este imposto é regressivo, ou seja, perpetua a desigualdade ao indiretamente tributar em menor proporção o consumo dos mais ricos.
A PEC 45/2019*, apresentada por Baleia Rossi (MDB–SP) e apelidada de “reforma tributária da câmara” ou simplesmente “reforma da câmara”, propõe corrigir as distorções e ineficiências presentes nos impostos de consumo, também chamados de impostos indiretos. A ideia é unificar cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS) num único imposto IBS, de alíquota única e homogênea para todos os bens e serviços, com exceções razoáveis como o cigarro, um produto que particularmente tem externalidades negativas para todos. Ainda, o imposto sobre bens e serviços (IBS) têm a propriedade de ser neutro – é cobrado no destino do produto, com a intenção de eliminar deformações improdutivas nas decisões logísticas das empresas.
Portanto, o IBS pretende corrigir os problemas de má alocação de recursos da economia, aumentando o crescimento potencial do país, e ainda corrigindo as distorções de alíquotas entre bens e serviços diferentes. Evidentemente nem todos os setores estão contentes com o republicanismo da alíquota única – aqueles que são subtaxados por alíquotas especiais terão de pagar a mesma alíquota que os demais bens e serviços. Disto resulta parte da dificuldade de aprovar essa reforma, existem muitos setores e grupos de interesse em regimes especiais nos mais diversos impostos (veja algumas exceções aqui: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm).
Há ainda a ressalva de que uma alíquota uniforme seria prejudicial pois, hoje, alimentos da cesta básica têm isenção de impostos ou alíquotas especiais. Nesse sentido, o texto da PEC propõe:
“De modo semelhante, propõe-se que o IBS não contemple qualquer forma de benefício fiscal, exceto um sistema de devolução para as famílias mais pobres, através de mecanismos de transferência de renda, de parcela do imposto incidente sobre suas aquisições. Com este modelo reduz-se significativamente, ou mesmo se reverte, o efeito regressivo da tributação do consumo, através de um sistema muito menos custoso e mais eficiente que a desoneração da cesta básica de alimentos.”
Em outras palavras, é melhor que todos os produtos paguem alíquota única para que não haja distorções de preços da economia, e então o governo devolva estes tributos para as famílias mais pobres que consumirem produtos da cesta básica.
Nas redes sociais também houve desconforto sobre o fim da isenção de impostos sobre livros, na proposta apresentada pelo governo, com a alíquota única CBS. Afinal, hoje, empresas envolvidas na produção de livros não pagam PIS e COFINS. A preocupação é válida. Lembremos que a leitura de livros traz benefícios coletivos para a sociedade e, sendo assim, faz sentido que o governo queira incentivar o consumo de livros.
Mas, deixando de lado as externalidades positivas do hábito da leitura, quem de fato se beneficia dessa isenção? Se imaginarmos que os maiores consumidores de livros são pessoas mais ricas, então trata-se de um subsídio regressivo – esses clientes, tipicamente membros da elite, pagam uma alíquota de impostos média menor, em razão deste benefício. Isto é, a isenção de impostos sobre livros manifesta um aumento da desigualdade no pagamento de tributos. A PEC 45, de qualquer forma, mantém a isenção sobre livros.
Ainda há, evidentemente, preocupações que dizem respeito aos impostos de renda e de folha de pagamento, que apesar de distorcerem menos as decisões de ordem de eficiência econômica, têm aumentado a desigualdade sensivelmente. Não há mudanças nas tributações dessas ordens na PEC 45, mas há expectativas de que haja mudanças na folha de pagamentos até a proposta final unificada, ou nas próximas propostas do governo federal.
Como ressalva final, é preciso enfatizar que existem outras nuances sobre as propostas de reformas tributárias das quais não tratei aqui, ou por serem obviamente ruins (como a nova CPMF idealizada por Guedes), ou por tratarem de dinâmicas econômicas e de discussões éticas que não caberiam neste texto.
Foto da capa: Pedro Bento
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