A Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, uma das faculdades mais renomadas do país, foi frequentada por mais de 3.500 alunos de graduação só em 2024. Alunos estes, que vêm de famílias que pagam até 8.000 reais de mensalidade, que vivem em uma bolha financeira - exceto pelos poucos bolsistas, que lutam diariamente para conquistar seu espaço. Uma elite essencialmente paulistana que frequenta os melhores bares e restaurantes, têm eletrônicos de última linha e roupas de marca. Mas será que eles percebem onde estão quando vão para a faculdade? Será que eles realmente enxergam?
Quando passam pela Itapeva, pela Rua Rocha, pela Nove de Julho, pela Picarolo ou pela Plínio Barreto (se não forem de carro ou uber, é claro), será que conseguem enxergar por onde andam ou estão mais preocupados com seu próprio umbigo do que com ver, de fato, o que os rodeia?
A Bela Vista, bairro no qual se encontra a universidade, tem algumas instituições sociais que visam garantir a educação, segurança e alimentação de populações vulneráveis no entorno. Com o intuito de contribuir com o trabalho dessas instituições, entidades como o Centro Acadêmico, o Diretório Acadêmico e a Atlética têm áreas pensadas para realizar ações sociais. A faculdade de direito ainda tem o CAJU que promove um atendimento jurídico gratuito para qualquer um que tenha renda inferior a 3 salários mínimos, entidade que tem alto engajamento estudantil, mas fora essa atuação me parece que os alunos da FGV têm pouco (ou nenhum) contato com outras classes sociais e com a realidade da nossa cidade: desigualdade social é uma das marcas de São Paulo.
Será que estamos alheios a essa realidade que nos rodeia ou simplesmente não nos importamos o suficiente? Quanto, de todos os alunos dessa renomada instituição, se preocupam minimamente com os espaços que os rodeiam? Sabemos que não é dinheiro que falta, então o que impede o alunato de participar de projetos sociais?
Dezembro, nos aproximando do natal, foi o mês no qual foram organizadas algumas ações desse tipo, dos quais pude participar de três. O primeiro foi um convite da Coordenadoria de Diversidade da FGV Direito SP, feito pela Camila Nicodemo, e direcionado ao CA e ao CAJU. O natal solidário da Tecban acontece há 19 anos no bairro do Bixiga, conta com a ajuda de diversos voluntários para realizar uma festa com entrega de cestas básicas paras as famílias e presentes para as crianças. No dia 7 de dezembro, os alunos foram responsáveis por realizar brincadeiras e atividades lúdicas com as crianças: pintar seus rostos e organizar quem podia entrar no brinquedo inflável, nenhuma habilidade era requisitada. Só 5 pessoas apareceram.
A área de responsabilidade socioambiental do Centro Acadêmico também organizou um projeto de natal solidário, com a ajuda do DA e da Atlética. O costumeiro aulão para os bixos se propôs a arrecadar materiais escolares com o intuito de integrar esse projeto, de certa forma incentivando os alunos a doarem, uma vez que receberiam, em troca da doação, uma aula da matéria que precisam estudar para uma das provas finais. Muitos materiais foram arrecadados nesse dia, mas ainda não eram suficientes para que todas as crianças fossem presenteadas. Depois disso, o projeto foi divulgado pelas três entidades supracitadas, mas mesmo assim, nenhum aluno se prontificou a doar. Os materiais faltantes foram comprados por duas pessoas, que resolveram ajudar, por uma indignação da falta de engajamento dos alunos da fundação e um desejo de tornar o natal das crianças da Casa Taiguara mais feliz.
Os kits foram montados e levados para a instituição, que se localiza na Bela Vista e atende crianças carentes no contraturno da escola, além de realizar distribuição de alimentos e servir como local de confraternização e cultura para a comunidade próxima. No dia 14 ocorreu o Projeto Minha Rua Meu Quintal, e 9 alunos da GV se voluntariaram para ajudar na organização das brincadeiras. Depois, no dia 16 ocorreu a entrega dos kits com materiais escolares para as crianças que são atendidas frequentemente pela instituição. O trabalho é cansativo, não vou negar, mas é impossível não sair com um sentimento de conquista e de orgulho depois de ver o sorriso no rosto das crianças, e eventualmente até um abraço bem apertado, que é de derreter o coração.
Por último, no dia 12 ocorreu o basquete solidário, iniciativa que ocorre desde 2015, incentivada pelo técnico do basquete, Thiago Costa. Ele teve essa ideia quando começou a dar treinos na GV e percebeu que muitos dos alunos poderiam ter impactos significativos na sociedade, e decidiu trazer sua ideia para dentro do ambiente gvniano. O técnico decidiu então chamar seus atletas para participar de um projeto de natal, com o intuito de plantar uma semente de solidariedade que poderia prosperar. No começo os atletas se engajaram mais do que ele imaginara, se vestindo de Papai Noel, comprando presente e os entregando para as crianças, fazendo a alegria dos pequenos no período de festas.
Anos se passaram e agora a iniciativa já conta com uma página no Instagram e doadores fiéis. O formato atual do projeto consiste em uma arrecadação monetária para uma posterior compra de cestas básicas, vestimentas, produtos de higiene e outros itens que sejam requisitados pela instituição escolhida. No ano passado, o basq solidário decidiu visitar a Casa Ondina Lobo, um asilo para idosos em situação de risco, e, em 2024, a escolhida foi a instituição Mão na Massa, em Interlagos, idealizado e organizado pela Inês, agora também responsável pelo apoio a mais de 70 crianças de seu bairro. As arrecadações passaram de 7 mil reais nos últimos anos, mas a adesão dos atletas foi diminuindo, e as tentativas do Thiago de chamar a Atlética e outros esportes da GV foram falhas.
Por pouco não aconteceu esse ano, mas a animação da atleta Giovanna Cassorla, comoveu o técnico. Ela está fazendo um semestre de intercâmbio na Alemanha e mesmo assim insistiu em garantir a realização do projeto, mesmo de longe. Não só isso, também chamou a equipe de natação para integrar o projeto, que se prontificou em ajudar. De novo, só 7 alunos participaram do evento.
Aqueles que foram, tiveram a oportunidade de conhecer o Mão na Massa e sua fundadora, que nos recebeu com muito carinho. O projeto surgiu em um ato mundano de cozinhar, os sobrinhos da dona queriam aprender com ela, depois chamaram os amigos que chamaram primos, irmãos e outros amigos. O que começou em sua casa foi se ampliando, até que se consolidou na instituição que é hoje. Funciona então como um lugar de aprendizado e refúgio, que ensina não só matemática e português, mas comportamentos sociais, princípios e solidariedade. Inês conta que muitos deles voltam para trabalhar como voluntários, e tem orgulho em afirmar que alguns se tornaram profissionais excelentes, trabalhando com direito, engenharia e até medicina.
Escrevo esse texto como um convite ou como uma reclamação, não sei ao certo. Cada vez mais projetos solidários têm perdido adesão, não só dentro da FGV, mas no mundo. Não sei dizer ao certo o motivo, as doações diminuem e parece que a sociedade não tem mais tempo para doar. Não se trata de bens materiais ou financeiros, abundantes pelas famílias gvenianas, mas sim, o seu tempo. O tempo para estar lá e conhecer a dona Inês, sua linda história de vida e o projeto que ela toca com tanto amor e carinho. O tempo para colocar um sorriso no rosto de uma criança ao pintar seu rosto. O tempo de passar em uma papelaria e comprar um estojo ou caderno para doar para o aulão. As pessoas sempre tem "mais coisas para fazer", mas me entristece saber que os alunos que se formam em uma faculdade tão renomada sairão sem essa experiência. Pessoas que terão posições de poder não saberão a diferença que fazem ao ajudar. Tento então plantar essa semente de solidariedade. A GV São Paulo tem mais de 3.500 alunos de graduação segundo relatório anual de 2023, mais de 7 mil se contarmos as pós-graduações, por que então só temos as mesmas pessoas participando desses projetos?
Existem 10 modalidades com times ativos e que treinam toda semana, por que então só o basquete pode doar seu tempo para causas sociais? A equipe de natação já se juntou ao projeto, e as outras 8? A graduação tem mais de 3.500 alunos, por que então só os bixos de direito que doaram para o projeto de natal? E com uma recompensa clara, diga-se de passagem. E os outros anos? Os outros cursos?
“Gentileza gera gentileza” talvez seja uma frase muito brega, e talvez até seja mentira, mas prefiro acreditar nela, vale a pena. Permaneço esperançosa ao saber que uma parte da nossa faculdade (mesmo que seja pequena), ainda planta a semente da solidariedade e colhe os frutos em formatos de sorrisos e admiração, pela coragem de todos os gestores desses projetos. Se o que precisamos é uma certeza de que nosso esforço será recompensado, o sorriso de uma criança pode fazer esse papel. Devolva para o mundo, que talvez ele devolverá para você.
Autoria: Elis Montenegro Suzuki
Revisão: Artur Santilli e Manuela Ferreira
Imagem de capa: Montagem da Autora
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