Este texto não é uma resenha e não contém spoilers.
Era mais uma tarde de terça nas férias de julho e fazia mais de uma hora que eu estava passando por milhares e milhares de vídeos no TikTok, recebendo a tal da onda de dopamina que causa o vício de crianças, adolescentes e adultos no aplicativo. De repente, uma menina se acabando de chorar. O motivo? Um livro. Fiquei completamente intrigada e assisti ao vídeo todo, ela mal conseguia falar. Pensei na hora: é esse. Esse é o livro que vai me tirar da ressaca literária. Estou bem o suficiente para garantir que vou ser capaz de me acabar de chorar sem ficar triste para sempre? Talvez não. Sem conseguir conter o impulso de mergulhar em uma jornada de melancolia, entrei no Google e comprei o bendito no site que oferecia o preço mais barato. Dois dias e 33 reais depois, Um Lugar Bem Longe Daqui, de Delia Owens, chegou em casa.
Comecei a leitura no segundo em que peguei o livro laranja nas minhas mãos. A única coisa que fiz antes foi sentir o cheiro das páginas, é claro. Sentei no sofá e comecei, mesmo com barulho na sala. Esse vai. Tem que ir. Faz um ano que não leio nada além de incontáveis textos acadêmicos e Harry Potter, pelo amor de Deus. Para a minha surpresa, deu certo. Foi absurdamente delicioso e rápido ler a história da “menina do brejo”. Depois daqueles primeiros capítulos no sofá, criei um ritual para toda vez que ia embarcar na leitura: uma caneca com matcha e leite quente e fones tocando uma playlist aleatória que encontrei, chamada Cottagecore, ou um repeat dos álbuns Folklore e Evermore da Taylor Swift. Colocarei os links no final do texto, espero que alguém clique. Foi uma jornada verdadeiramente terapêutica. Recomendo a experiência. Não existe sensação melhor do que a de ter saudade de um livro. Aquele impulso incontrolável que nos faz querer retornar às páginas a cada segundo que passamos longe da história. É tão bom. Estava com muita saudade disso. Também recomendo que, se você for adepto ao TikTok, pesquise “where the crawdads sing aesthetic” e veja os vídeos mostrando a vibe do livro. Meu deus, foi o TikTok que me resgatou da minha ressaca literária.
Em vinte palavras: o livro conta a história de Kya, uma menina que vive na cidade de Barkley Cove, na Carolina do Norte. Não vou falar mais que isso, mesmo porque isso não é uma resenha. Isso é um relato sobre os sentimentos que esse livro é capaz de despertar e talvez uma tentativa de identificar alguns dos possíveis motivos pelos quais ele deixou várias pessoas do TikTok — eu inclusa — aos prantos. Ler um livro é como ter longas horas de bate-papo consigo mesmo. Bizarro. Bizarramente bom. Às vezes. Para mim, a parte mais emocionante foi ter acompanhado a conexão da personagem com a natureza e os seus pensamentos de menina. Lembrei de como eu era na minha infância, da árvore que eu escalava e podia passar horas sentada nos galhos ouvindo as cigarras na chácara em que eu morava. Há tempos, esqueci a menina que eu era, mas ler esse livro foi como lembrar dos pensamentos que tinha naquela época. Foi como ter uma conversa com aquela criança que subia na árvore e falava com bicho e planta dentro da cabeça dela. Lágrimas. Eu realmente tive momentos muito relaxantes lendo as 250 primeiras páginas do livro, mas as 80 finais foram em um contexto completamente diferente: no ônibus de São Paulo para Itu das 17h, no escuro, com a luz acesa, incomodando todo mundo. Em especial, o senhor do meu lado, que teve que me escutar chorando por longos minutos.
O livro não ocorre inteiramente no período da infância de Kya, mas a sensação de que estamos dentro da cabeça de uma criança é constante, porque ela é uma personagem que, mesmo depois de adulta, continua com pensamentos bem parecidos aos que tinha quando pequena — o porquê disso fica bem claro logo nos primeiros capítulos. Um Lugar Bem Longe Daqui é um romance daqueles que acontece em um momento no futuro e um no passado ao mesmo tempo, e isso traz uma perspectiva muito marcante ao leitor, porque conseguimos entender as vivências e a construção da personalidade da personagem durante sua infância e como elas refletem em suas atitudes no futuro.
Já mais velha, a protagonista ainda tem uma forte conexão com a natureza, mas começa a se envolver em relacionamentos e é aí que está a trama principal — e a parte mais famosa — da história, que é, antes de tudo, um suspense com final surpreendente. Tive experiências parecidas com as dela nessa parte mas não vou contar, elas nem merecem ser descritas aqui. Todo mundo já entendeu que dá para se identificar com a protagonista. Esse livro contribuiu para que eu entendesse coisas que aconteceram na minha vida e consertou uma ponte quebrada que eu tinha com a minha feminilidade. Altas brisas. Um monte de pensamento jogado para dizer: valeu muito a pena ler. E devo essa experiência ao TikTok, que engraçado. Infelizmente, ainda existem puristas parnasianos que veem com maus olhos os livros recomendados no TikTok. Duvido que essas pessoas só leem clássicos. Tenho muitos pensamentos sobre isso, mas os benefícios da tendência do booktok vão ter que ficar para outro texto, porque agora quero falar de Taylor Swift e Daisy Edgar-Jones.
Eu não tinha pretensões de expor as reflexões que esse livro me provocaram, mas tenho que entregar este texto para os revisores amanhã se não meus amigos — a presidente, a editora-chefe e o diretor de revisão da Gazeta — vão ficar bravos comigo. E essa foi a primeira ideia que me veio à cabeça quando lembrei que o filme de Um Lugar Bem Longe Daqui lança dia 1º de setembro. Kya vai ser interpretada por Daisy Edgar-Jones, estou muito empolgada, porque ela foi fenomenal como Marianne em Normal People. Onde entra a Taylor Swift? Para além das playlists que me acompanharam pelas 333 páginas do livro, ela também compôs a música “Carolina” para o filme. Tenho grandes expectativas para o longa, mas sei que elas não vão ser superadas, afinal, não vai ser que nem conversar comigo mesma. Se bem que eu também tenho altas brisas assistindo filmes. Acho que vou ao cinema sozinha essa semana.
Eu falo sozinha. Meu deus.
Autoria: Beatriz Bernardi
Revisão: Beatriz Nassar
Imagem de capa: Random House
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Como preparar um matcha com leite quente:
Carolina (From The Motion Picture “Where The Crawdads Sing”): https://open.spotify.com/track/4axSuOg3BqsowKjRpj59RU?si=0d64d821a1cf466a
Playlists:
Cottagecore
Evermore (deluxe version) https://open.spotify.com/album/6AORtDjduMM3bupSWzbTSG?si=mybaNBpYTe2mbg-GvuuakA
Folklore (deluxe version)
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