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SOMENTE SONHANDO SOZINHO


Abro a porta, cambaleando. A música, que tocava em um volume estrondoso, se abafa e em um momento de lucidez, meus pensamentos berram mais alto que o barulho de fora. Me sinto enjoada, mas sei que meu mal não é álcool. Se eu pudesse, com dois dedos na garganta arrancaria meu pesar. Não se pode vomitar a solidão.

Me encosto na parede, de frente para a pia. Estico meu braço para que eu possa alcançar a água que corre da torneira. Me concentro no fluxo gelado que escorre pelos meus dedos para me prender à realidade. Por alguns segundos consigo estar no mundo presente, mas logo fecho os olhos e me disperso para longe do salão cheio e abafado do qual me isolei.

Dentro do universo gélido e vazio que toma meu subconsciente, me vejo em uma estrada serena, correndo contra o tempo enquanto o tempo corre comigo. Sinto o vento soprar minhas carências para longe. Olho para trás e ninguém me acompanha. Longe de qualquer laço fraternal, inerente à civilidade, eu fujo. Corro, com medo de qualquer forma de afeto. Ao mesmo tempo torcendo para ter um motivo para, finalmente, caminhar.

Sem que nada me segure, me atiro no nada. O tempo que corria ao meu lado para e observa a minha queda para dentro de mim. Como uma partícula, envolvo-me no ar que me engole. Nem o tempo se lança comigo no mar de infinidade do meu eu. De olhos fechados me vejo completamente sozinha, cercada de vazio.

Num momento de desespero abro os olhos e me lembro de quem sou. Me levanto e olho no espelho. Limpo a maquiagem borrada pelas lágrimas indomáveis que, em um golpe de misericórdia, me fizeram companhia.

Sorrio, abro a porta e escuto a música tocar.


Autoria: Ana Luísa Issy


Revisão: Gabriela Veit e André Rhinow


Imagem: Pinterest




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