Desde o último pleito municipal, realizado em outubro de 2024, São Paulo vem sendo governada, pela segunda vez, pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). O político, que alcançou o cargo após a morte do prefeito Bruno Covas, de quem era vice na chapa com o PSDB, não superou qualquer expectativa. Pelo contrário, em uma gestão repentina, entregou menos do que o mínimo e tem se provado, desde seu primeiro mandato, como um dos piores prefeitos da história de São Paulo. A maior cidade da América Latina se tornou uma cidade cenográfica, perfeita para a encenação de governo de um prefeito-ator. É assim que eu avalio a gestão de Nunes, que já se provou mais do que incompetente para gerir São Paulo..
Em 2024, em meio a sua campanha, a apelação de Nunes para cravar vitória era principalmente sobre a tarifa do transporte público. "Sou sempre a favor de manter a tarifa, o valor da tarifa é política pública de mobilidade e, por isso, mantenho a tarifa congelada. Eu não pretendo aumentar, não existe essa pretensão”, disse Nunes em meio à corrida pela prefeitura da capital. Eleito dia 28 de outubro, após segundo turno contra Guilherme Boulos, o emedebista já alterou o discurso, anunciando o reajuste no dia 16 de dezembro, menos de dois meses depois da vitória. Segundo ele, a principal razão seria o aumento dos custos operacionais da frota de transporte público. De duas, uma: ou Nunes mentiu – claro, manobra tradicional de demagogos para abocanhar cargos importantes –, ou um time incompetente não avaliou com antecendência antes de lançar a promessa vazia. [1]
Apenas esse ato de abertura já é o bastante para prenunciar o que será da nova gestão de Nunes – isto quando ignoramos os quatro caóticos anos anteriores. Mesmo assim, há mais, muito mais, para se falar do fiasco que é Nunes na Prefeitura de São Paulo. São estações alagadas, queda de árvores ou falta de luz, todas contribuindo para fazer dessa metrópole um cenário de segunda mão para os delírios políticos do nosso prefeito. Sem qualidade básica, não espanta questionamento do porquê Nunes ainda ocupar o cargo que ocupa.
Do que adianta pagar caro numa passagem se a frota de ônibus, em queda desde 2023[2], não comporta os milhões de paulistanos que dependem dela? Abarrotados e sofrendo com o calor para conseguir atravessar a cidade e enfrentando as adversidades impostas pela própria gestão de Nunes. Caos total, que é sempre culpa de terceiros– um elenco de apoio, penso eu, na trama criada pelo pobre Rei Lear que é Nunes. Se faltou luz, a culpa é inteiramente da Enel, empresa responsável pelo fornecimento de energia da capital[3]. Se atrasou a obra, claro, é a construtora, não a prefeitura, quem deve levar a culpa. Votamos em Nunes, mas ele trouxe a trupe para governar por ele – e, claro, levar a culpa quando necessário.
Mas claro, para Nunes, nem o cenário a ruir, nem essa encenação política de má qualidade são problemas. De sua residência, bem afastada dos problemas da cidade, ele não enxerga nada além do que ele quer. Não há, na utopia de Nunes, que imagina uma São Paulo muito diferente da realidade, árvores em queda, casas sem luz, ou vias interditadas. Não se enxerga, do camarim, a coxia. Não se vê, então, os transportes públicos abarrotados de pessoas, que devem sair de suas casas com horas de antecedência para não enfrentar obras gigantes que paralisam o trânsito. Exemplo claro é a Avenida Santo Amaro, que entra em um segundo ato de uma obra que mais atrapalha do que ajuda, com gastos altíssimos que foram ampliados em 2024 e atrasos cada vez maiores [4]. Com previsão de término para outubro, a obra é responsável por engarrafamentos quilométricos no coração da cidade, já que a via é acesso para diferentes avenidas importantes da capital.
Não só a Santo Amaro, mas por toda a cidade enxerga-se o empenho da gestão de Nunes para manter a decadência do cenário. Da avenida ao Mercado Municipal[5], em algum momento as obras sempre param, deixando ainda mais feia uma cidade já sem vida, que aos poucos padece para sustentar os delírios do protagonista. Aqui, mais um sinal de incompetência: porque tantas concessionárias que não cumprem prazos, que não conseguem entregar as melhorias prometidas a tempo? Nunes e seu time não conseguem garantir nem uma escolha assertiva quando o assunto é gerir São Paulo. E vale lembrar, claro, a obscuridade por trás de tudo isso, já que até mesmo de conluio, com favorecimento de certos concorrentes para assumirem obras, a gestão Nunes foi acusada[6]. Quem paga no final desse ato mal ensaiado são as quase 12 milhões de pessoas que vivem na capital.
Nada de política ou gestão reais, já que as poucas vezes que o prefeito aparece são ou para dar explicações sobre algo que ele causou ou se omitiu – embora sempre arrastando um terceiro com ele –, ou para ferir o direito das pessoas sobre a cidade. Em 2023, a gestão de Nunes pediu a retirada de uma faixa LGBTQIA+ pendurada na fachada do Theatro Municipal, dias após a Parada LGBTQIA+ e antes do Dia do Orgulho [7]. Em seu segundo ato, já em 2025, mais tragédia: no último dia 13, a gestão Nunes demoliu o Teatro Vento Forte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, localizados no Parque do Povo, sem aviso prévio para a equipe, que nem mesmo pôde retirar os objetos das companhias. Embora a Prefeitura negue, partes do cenário e um piano podiam ser vistos em meio aos destroços [8]. Na peça armada por Nunes, não há espaço para a diversidade, cultura ou a arte, apenas descaso e destruição.
Não é preciso ser estudante, mestre ou doutor em gestão pública para saber que o que Nunes faz com São Paulo está longe de um padrão de qualidade aceitável para um prefeito. Basta ser cidadão residente na capital, viver o caos diário que a pauliceia nos proporciona para saber que do jeito que está, não dá pra ficar. Na verdade, parece que sim, já que mesmo após uma gestão ínfima, com muito mais erros do que acertos, Nunes foi reeleito com 59% dos votos em um segundo turno contra o muito mais preparado Guilherme Boulos, representante de uma centro-esquerda que há muito já não se enquadra nos arquétipos comunistas que a direita gosta de pintar [9], que teve uma atuação expressiva como deputado federal, aprovando projetos de leis progressistas, criando coalizões e, enquanto candidato, trouxe um plano de gestão muito mais adequado às necessidades de uma metrópole como a nossa. Enquanto isso, claro, Nunes se aproximou de Bolsonaro [10], algo no mínimo irônico para alguém pertencente ao “Movimento Democrático Brasileiro”.
No fim, Nunes poderia pintar o set, encenar quantas peças de prefeito quiser em um cenário cada vez mais precário que continuaria ali, ocupando a cadeira mais importante do governo municipal. É uma tragédia anunciada. Ah, a tragédia… o melhor dos gêneros teatrais. O pior, entretanto, quando se fala de gestão pública.
Texto: Arthur Quinello Revisão: Ana Carolina Clauss, André Rhinow e Arthur Santilli
Imagem de Capa: Carol Carquejeiro/Valor
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Referências:
[9]https://www.metropoles.com/sao-paulo/boulos-acena-a-eleitores-de-marcal-70-de-sao-paulo-quer-mudanca
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