Quando você abre o Linkedin, depara-se com aquela enxurrada de posts que se alternam entre o brega e o tosco; alguém exclamando sobre como seu chefe é o melhor (não é), porque recebeu um bombom da empresa na Páscoa, outra pessoa filosofando sobre a importância do trabalho em equipe e da compaixão (porque ela dividiu um sanduíche hoje), entre outros textos motivacionais repletos de palavras ocas de significado. Nos perfis dos autores dessas postagens, eles apontam suas trajetórias eletrizantes, nas quais experiências marcantes da infância fizeram com que viessem a trabalhar nessa empresa específica de parafusos. A vida respira trabalho, e todo mundo está feliz e realizado com isso.
Exceto que não, ninguém está feliz e realizado com isso, salvo por um punhado de vítimas de síndrome de Estocolmo, talvez. A verdade é que todos estamos nos digladiando no mercado de trabalho, em um esforço rotineiro de nos tornarmos a mercadoria mais atraente nas prateleiras dessa grande loja em que a sociedade se transformou, para enfim nos vendermos. Um exemplo dessa labuta infame é o emprego do chamado Storytelling no Linkedin e em processos seletivos, estratégia para tornar sua trajetória pessoal e profissional em uma narrativa bem-trabalhada e redondinha, cujos conflitos e dificuldades cativarão seus possíveis empregadores e mostrarão que você é a pessoa certa para a vaga. Se você não teve essa jornada épica, não precisa se preocupar; você pode inventar, como todo mundo que conheço fez. Melhor ainda, dá para bolar uma história de vida diferente para cada processo seletivo, de forma a se adaptar melhor a cada empresa.
Aqui, poder-se-ia pensar que mentir não seria preciso, uma vez que deveríamos escolher uma companhia de “missão” e “cultura organizacional” com as quais nos identificamos. Faz sentido, se excluirmos o fato de que não faz o menor sentido, claro. Desconsiderando como essa lógica inverte o real sentido do mercado de trabalho em sua materialidade e narrativa — empregador como demanda, trabalhadores como oferta —, é no mínimo ingênuo acreditar que firmas possuam algum outro propósito concreto que não o lucro. Não que isso seja um julgamento de moralidade, mas é importante entender que missão nenhuma eclipsa a função primária da empresa, que é fazer dinheiro – muito e de modo eficiente, de preferência.
Dado que quem é contratado normalmente só quer receber um salário — alto, de preferência —, não teria problema algum nessa troca. No entanto, faz-se necessário todo um cortejo que inclui, por exemplo, o “fit cultural” à empresa. O que, traduzido para o português, não passa de escrever no currículo as mesmas palavras de efeito vazias do momento, procuradas por todas as firmas, para todas as vagas — flexibilidade, perfil analítico, aprendizado contínuo, autonomia e por aí vai. O mercado de trabalho nos aponta um script e nos propõe uma oferta que não podemos recusar: faça seu papel como ator , eu faço o meu de diretor.
O ponto aqui não é que não se pode ter uma boa relação com o mercado de trabalho e com seu emprego, mas que, na contemporaneidade, o peso com o qual eles se apresentam em nossas vidas e a expectativa que se tem de como devemos conviver com eles são irreais e danosas. O trabalho pode ser algo gratificante, mas sabemos que, na maioria das vezes, é um meio para nos sustentar, e o único — ao menos para quem não é herdeiro —, e para aproveitar e acessar o resto da vida. Desse modo, somos obrigados a fazer esse jogo de máscaras nesse teatro chamado mercado de trabalho — no palco do Linkedin — e apresentar a peça de nossas vidas.
Autoria: Pedro Augusto Castellani Rolim
Revisão: André Rhinow e Beatriz Nassar
Imagem de capa: The Barnstormer Old South Theather Boston, Arthur Clifton Goodwin (1918)
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