Pela primeira vez em cerca de uns sete anos, contabilizando meus anos de faculdade, ensino médio e reta final de ensino fundamental, sinto que não sei o que fazer com todo o meu tempo livre.
Sempre fui o tipo de pessoa que gosta de ter o que fazer. Extracurriculares, aulas de música, estudos para o vestibular, mais eletivas do que o permitido pela coordenação da FGV, organizações estudantis, diretoria da Gazeta Vargas, tarefas domésticas, crises existenciais, cansaço de manhã, de tarde e de noite, mau humor de fim de dia, olheiras feias, exaustão, inabilidade de fazer tudo ao mesmo tempo, responsabilidades em excesso, culpa, burn-out, culpa pelo burn-out. Todas essas coisas que inventamos para sentir (fingir?) que atingimos algum nível super mega ultra hiper master de competência, produtividade e relevância. “Eu sou melhor que os meus colegas porque sofro de insônia crônica desde os 14 anos”.
Dia após dia, todos os dias, escolhi marcar mais compromissos do que tenho espaço no meu dia, na minha agenda, na minha vida. Fiz da sobrecarga parte da minha personalidade e me orgulhei da minha própria aparência cansada. Talvez seja algum complexo de inferioridade, uma compulsão absurda por provar que eu posso, consigo, vou, sou. Coisa de terapia.
Comecei a estagiar. Só consegui vaga em uma das três eletivas nas quais me inscrevi (nunca vou perdoar o padrão de duas vagas para Direito em cada eletiva da EAESP). Tenho apenas três disciplinas obrigatórias. Minha única atividade extracurricular é a redação da Gazetinha. Voltei a fazer as tais aulas de música. Sinto que nunca tive tanto tempo livre.
É uma sensação um tanto desconhecida. Sempre passei dois terços do meu tempo atrás de tudo que tinha para fazer e o resto agonizando sobre o que ainda não tinha feito e no fim sentia que não conseguia fazer nada. Mergulhava em ansiedade questionando a minha própria capacidade de cumprir com todas as minhas obrigações e me desesperava no primeiro dia da semana pensando no estresse que passaria até o fim dela.
Agora, sinto que as coisas são mais bem divididas. Preocupo-me com o estágio no horário do estágio, com a faculdade em momentos específicos da semana. Não passo cem por cento do meu tempo sofrendo por antecedência, perdendo a paciência com o futuro.
Não se engane, ainda fico cansada — mas não exaurida. São coisas absurdamente diferentes para quem conhece ambas.
Não sei exatamente qual o ponto deste texto. Eu mesma ainda não me decidi sobre o que sinto e o que acho dessa nova tranquilidade — que, como já me foi muito bem apontado, não é tranquila coisa alguma. Entre o estágio e a faculdade, a verdade é que nem me sobra essa quantidade absurda de tempo livre que relato aqui.
Talvez nem seja uma questão de mais tempo. Talvez essa minha auto-psicanálise não tenha qualquer utilidade. Talvez eu não saiba lidar com uma vida mais equilibrada, e talvez seja exatamente isso que me faltou o tempo todo. Equilíbrio. Tempo. Calma.
Ou talvez eu tenha perdido a cabeça de vez, mesmo. Quem sabe.
Autoria: Anna Cecília Serrano
Revisão: André Rhinow e Artur Santilli
Foto de capa: "Melting Clocks", Salvador Dali
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