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TEXTO DAS PERGUNTAS






Pense comigo. Não sobre uma premissa específica, mas talvez sobre várias. Vamos começar com a “América”. O que é América? O que vem à sua mente quando digo essa palavra? O continente americano? As divisões deste continente entre as partes norte, central e sul? Ou entre Anglo-Saxônica e Latina, naquela antiga modalidade de classificar tudo o que é diferente num só grupo, como dizer que todas as culturas e peculiaridades que constituem essas diferenças não têm importância o bastante para estabelecerem sua própria categoria? Pense um pouco, de verdade… o que é América? É somente o feminino de “Américo”? Uma senhorinha chamada América parece adorável em minha imaginação pessoal. Ou simplesmente o nome me parece adorável e não tanto a senhorinha. E o que significa ser adorável?


Veja bem que uma única palavra nos empurra frente a distintas ideias e, finalmente, a uma outra palavra ou outra premissa que faria nascer ainda novas ideias. “Pensar demais” de repente nos parece muito natural quando os inputs, os nudges, a quantidade de matéria-prima de pensamentos é substancial. O problema, então, será pensar demais, ou pensar demais de um jeito específico? Ou de jeitos específicos? Ou as duas coisas? A ciência indica (fonte: Instagram, então não acredite tão facilmente) que a sólida maioria das nossas preocupações não são lógicas, à medida que não representam ameaça real. Mas então, por que é que nos preocupamos tanto? Coloquemos-nos imaginando o seguinte cenário: tenho prova amanhã. Essa prova corresponde a 30% da nota do semestre para a disciplina de que faz parte. Tenho uma nota boa de participação, mas não realizei uma das três entregas de extraclasse dessa disciplina, sendo que o extraclasse corresponde a 10% da nota — apesar de parecer, este cenário não é real. Pensemos agora na quantidade de pensamentos que poderiam se originar de dada situação por si só.


Existe alguma expectativa de minha família sobre minha nota na prova em questão? Do meu pai, mais precisamente? O que ele acharia? O que ele tem me dito ultimamente, como ele tem se comportado? Penso nisso para antecipar a reação dele para uma nota boa vinda desta prova, e também para uma nota ruim. Faço o mesmo para minha mãe, meus irmãos, minha cônjuge, meu cônjuge, meus amigos etc. Faço para mim mesmo. O que significa passar ou não passar? O que quer dizer sobre mim o erro ou o acerto em cada uma das questões? O que me complicaria ou facilitaria se eu obtivesse o percentual A ou B de acerto para o material inteiro? O que eu preciso que minha pontuação seja para a média geral da faculdade? O que eu faria ou como eu me sentiria se não a obtivesse? Por que preciso manter a média? Quais escritórios avaliam histórico disciplinar para o curso de Direito? Por que isso me preocupa? O que tanto eu desejo no caminho que estou trilhando? Por que eu trilho esse caminho se não desejo fazê-lo? Se desejo, será que sou livre, quando se colocam nesse caminho algumas tantas situações às quais eu não me sujeitaria, mas às quais me sujeito porque elas vêm com o bloco de obrigações que eu assumi voluntária e anteriormente ao caminho que agora percorro?


Pensar demais, como se vê, pode nem tanto ser objetivamente o problema, quanto a postura que tenho referente à qualidade e à natureza de meus pensamentos, a qualquer situação que eu encontro diante de mim. Um tio meu certa vez me disse que, em dada situação, ele dirigia-se, em uma estrada de chão, a uma casa de sítio do marido da irmã de sua mãe, minha avó. Durante o passeio, as crianças e jovens interagiam com as folhas das árvores que roçavam contra todos enquanto eles punham para fora seus braços e os agitavam. Seguiam de pé na caçamba do veículo. Os frutos estavam ao alcance da mão, os raios de sol contrapunham a perda de calor sofrida pela deliciosa brisa que soprava em contrário à direção do percurso, pelo movimento em si. Todos se divertiam, exceto um velho homem que expressava constantemente sua indignação com a poeira da estrada, o balanço exagerado da caminhonete, as partículas que volta e meia eram sentidas em sua face, a gritaria das crianças, exaltadas com a experiência imediata de tudo aquilo que experienciavam agora.


Meu tio conta essa história como a dizer que há um lado bom e um lado ruim para as coisas, ou para dizer que o lado ruim é criado por nós voluntariamente, porque a descrição do velho homem fora feito em tom de crítica, como se suas reclamações fossem acionadas por meio da vontade. Ou, ainda, o significado fora de que, mesmo que exista um lado ruim, a experiência da ruindade; o ponto de vista de que o que se observa é de fato ruim vem também pela escolha, pela voluntariedade do indivíduo. Mas será que isso funcionaria para todas as situações? Será que toda situação pode não ser ruim? O que é ser ruim? Não que esse seja o ponto central de minha descrição. O que quero dizer é que, partindo da premissa de que meu tio tivesse razão quanto à ideia de que há, ao menos potencialmente, um lado ruim em contrapartida com um lado bom, lado este que obrigatoriamente existe, ao menos em algumas situações (lembre-se de que uso dessa ideia como referência, não como verdade, mas em confluência com o pensamento aparente de meu tio), o “pensar demais” não me parece obrigatoriamente ruim se esse pensar é útil ou feliz, ou prazeroso ou qualquer coisa que nos seja “boa”. E o que é ser bom?


Os pensamentos: “que bela vista daqui de cima”, “que maravilha poder pegar um limão, uma laranja à beira da estrada”, “como é boa a sensação das folhas a acariciarem minha pele. E como é bem-vindo o quente afago do sol à medida que avançamos”, “como é linda a expectativa do que experienciaremos quando chegarmos ao destino” são bons? São ruins? Não me atrevo a responder essas perguntas, porque vivo sob a ideia de que há sempre algo que pode ser dito e que pode ser verdade sobre algum assunto que eu pensei que conhecia. Se houver, exemplo, um estudo científico dizendo que pensar demais, mesmo positivamente, é contraindicado, à medida que nos isola da sensação do real e potencializa a depressão; à medida que o exercício do pensar altera nossas taxas hormonais sob uma certa lógica, ou “programa” nosso corpo para funcionar sob essa configuração ou qualquer coisa nesse sentido, não posso mudar de opinião? Não posso suspeitar de que esse estudo esteja certo e que minha visão anterior estava errada? Pois então, o que propus a mim mesmo?


Vejamos. Tentando uma suficiente humildade de abdicar do posto de dono da verdade (visivelmente e supostamente assumido por boa parte dos seres humanos ao longo da vida) e admitir que sempre há algo(s) para aprender e algo(s) para desaprender, não me atrevo a dizer que tenho qualquer opinião. De que forma uma opinião é minha de fato? Se tudo veio de fora — apesar de que pode-se dizer que meu ponto de vista é único, particular, quando meu hardware, meu corpo e minha mente, mesmo sofrendo influências externas, formou algo singular, exclusivo, particular, arranjado e orientado a partir de coisas também internas. Pois então, onde está a particularidade do meu ser? O que é que faz de minha opinião minha, de fato? A já mencionada originalidade? A raridade que é elemento do meu ser quando ele existe como unitário? Porque se imaginarmos, eu posso ter, como você, a opinião A sobre um mesmo objeto, não é? Mas se a opinião pode ser igual, o que é original não é mais o ponto de vista do que a opinião em si? Ou, do contrário, será que as opiniões, apesar de parecerem iguais, podem de fato não serem perfeitamente congruentes? Será que, a partir de pontos de vista diferentes (porque, a princípio, ninguém é igual a outrem), explorando o suficiente cada opinião, elas não se diferenciariam quando eu tender ao infinito; quando explorá-las o bastante para obter essa diferenciação? E será que é possível essa extensão a partir de opiniões e ideias muito simples?


A questão que agora proponho é simplesmente a de que não me parece que somos donos de qualquer coisa. Independentemente desses últimos pensamentos que lhes apresento, sabemos que opiniões e pontos de vista são passíveis de mudança. Por que, então, clamar um ponto de vista como original, se as águas de um córrego jamais são as mesmas com o tempo? Se não entramos no mesmo rio duas vezes? Por que clamar propriedade, então, sobre capital e imóveis, móveis e valores, quando somos todos finitos, ao menos ao que se sabe? Por que clamar que somos o que não sabemos se somos? E clamar nosso corpo como nosso próprio patrimônio físico, quando não sabemos a origem de nossa consciência, e sabemos que o corpo em si será devolvido aos átomos do tecido do universo, enquanto temos a expectativa de partir desta para uma outra realidade?


Tudo isso eu digo para propor um exercício entre mim e você, leitor. Eu não sei de nada. Repita comigo: eu não sei de nada.


Quando fechar o texto, lembre-se sempre dessa ideia. Lembre-se de conversar sobre as coisas, não discutir. Lembre-se de que não há nada que você possa ensinar, mas sim, compartilhar, porque você também está aprendendo — sem dizer que estamos aqui para aprender, porque não estou tratando de crenças existenciais. Não afirme sua experiência, seu conhecimento, sua sabedoria, sua paciência, nem afirme coisas negativas ao seu próprio respeito, mas sempre as considere. As coisas “boas” e “ruins”. Penso que as convicções são tão frágeis ao longo do tempo quanto os ossos que firmam nossas estruturas. 


Finalmente, não exija respostas das pessoas porque, apesar de parecer que sim, você não as tem de fato.




Autoria: Rodrigo Ferreira

Revisão: Laura Freitas e André Rhinow

Imagem de capa: Arte Subaquática, Pinterest

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