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VISIBILIDADE TRANS NA FGV: ENTREVISTA COM VICKY AURICCHIO



O mês de janeiro, além de marcar o início de um novo ciclo na vida de todos, também carrega consigo um símbolo importante para a população transgênero. Desde 2004, instituiu-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans em 29 de janeiro. A data relembra a primeira campanha pública contra a transfobia no país, realizada por ativistas travestis e trans em parceria com o Ministério da Saúde no Congresso Nacional. 


No entanto, o Brasil ainda não foi capaz de alcançar todos os objetivos estabelecidos 21 anos atrás. A meta de visibilizar a cidadania e autoestima de pessoas trans permanece distante da realidade brasileira. Um recente dossiê elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) aponta que, pelo 16º ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. De acordo com a organização, o perfil majoritário das vítimas são “jovens trans negras, empobrecidas, nordestinas e assassinadas em espaços públicos, com requintes de crueldade”. 


Os dados reforçam a urgência de políticas que visem a plena garantia de direitos dessa população – incluindo o acesso à educação. Garantir que pessoas trans tenham seu direito à educação assegurado é um dos eixos fundamentais para a superação de obstáculos impostos contra pessoas trans, uma vez que, atualmente, o que ocorre é a exclusão dessa população da escola, de casa e até mesmo do trabalho formal. 


É em virtude disso que universidades respeitadas, como UNIFESP, UnB e UFABC, têm incluído pessoas trans em suas ações afirmativas, oferecendo uma oportunidade crucial para que possam desenvolver-se. Porém, isso não é suficiente. Precisamos dar voz e apoio para a permanência e o crescimento pessoal, acadêmico e profissional de trans e travestis. Pensando nisso, convido Vicky Auricchio –  aluno de Direito da FGV SP, membro da Tatubola, do Centro Acadêmico e da FGV Global, além de escritor – para uma entrevista aqui na Gazeta Vargas. 


Como você se identifica? 


Vicky Auricchio: Me identifico como uma pessoa não binária.


Como é ser uma pessoa trans na FGV? Você acredita que existem melhorias administrativas que a Fundação poderia fazer para a recepção dessa população?


Vicky Auricchio: Foi uma experiência curiosa porque cheguei na FGV e, pelo primeiro olhar, parecia que eu era a única pessoa trans do meu ano. Realmente, não sei se tem outras pessoas ou se sentem confortáveis para poder se abrir. Mas não consegui achar outras pessoas, então, senti como se eu estivesse muito sozinho. Quando cheguei, a FGV ainda não tinha a divisão de banheiros inclusivos. Tive que fazer o pedido – Permanência ajudou bastante a conseguir. 


Hoje em dia, acredito que todos os andares tenham acesso a banheiros inclusivos, mas, quando cheguei, não tinha. Então, minha primeira experiência foi esse choque. Quanto às melhorias administrativas, acho que o que posso citar é isso dos banheiros. Isso porque na EAESP tem um banheiro que qualquer um pode usar, mas na EDESP tem o masculino, o feminino e o outro que, posteriormente, eles colocaram como banheiro inclusivo por pedido meu. 


Mas, fora isso, a questão da mudança de nome foi muito complicada para mim. Fiz o pedido da adição de nome social para a FGV, me retornaram duas vezes, atrasaram (...) e fiquei com meu nome errado na lista por um mês e meio. Então, acho que esse tipo de parte administrativa, que poderia ser facilitada, não prestam muita atenção. 


Nos últimos anos, a arte tem sido um espaço importante para a visibilidade de histórias LGBT+, seja concedendo espaço para autores e autoras ou contando histórias LGBT+. Isso inclui você também, certo? Recentemente, você anunciou o lançamento de um livro, mas também já teve outros textos publicados. Como a literatura auxiliou o seu desenvolvimento e o que podemos esperar de seu mais novo lançamento? 


Vicky Auricchio: Sim, acredito que a arte, no geral, sempre foi um meio para que eu pudesse me expressar e sentir que eu tenho um lugar de fala. Quanto ao livro, “Sistema de Morte” vai ser meu primeiro livro físico, publicado pela editora Comala. É um mistério que acompanha Maiara, uma mulher trans que atua como psicóloga e é recém-contratada como consultora para o Delegado de Polícia em um caso de assassinato.  


O que eu quis trazer é que não é uma história focada no gênero da personagem, mas sim no suspense e mistério de qualquer história de detetive – mas, por uma perspectiva diferente do que normalmente vemos neste tipo de história. É assim que eu vejo uma boa representatividade.  


Além desse livro, ainda este ano, faço uma participação na antologia Transcritos da editora Desdemona. É uma coletânea feita exclusivamente com textos de pessoas trans.


Parte dos debates que fazemos na Faculdade de Direito gira em torno da diversidade e inclusão de grupos marginalizados socialmente, mas você acredita que hoje os gevenianos ajudam a construir um espaço seguro para pessoas trans?


Vicky Auricchio: Acredito que os gevenianos ajudam a construir um espaço seguro para pessoas trans porque, falando das pessoas em si e não da GV como uma instituição, as pessoas sempre foram muito receptivas e respeitosas. Dos alunos da GV, particularmente, nunca passei por algum tipo de preconceito. Então, por parte da experiência que tenho com os alunos da GV, não vi isso. Não sei se isso já aconteceu com outras pessoas, se não necessariamente com outras pessoas trans, mas com outras LGBT, não sei dizer. Mas, pela minha experiência, a comunidade sempre foi muito respeitosa. 


E, pensando nas entidades? Hoje você faz parte do Centro Acadêmico de Direito GV e faz parte da direção da FGV Global, você acredita que as entidades apresentam um bom espaço de integração para você e outras eventuais pessoas trans que ingressem na FGV?


Vicky Auricchio: O alunato em si sempre se demonstrou muito respeitoso e aberto a pessoas trans e LGBT em geral. Com isso, acredito que as entidades sejam a mesma coisa. Particularmente, no CA, sou coordenador de Permanência e essa área trata de minorias na GV. Então, acho que minha participação lá, além de ajudar bolsistas – porque também sou bolsista –, também é voltada para um olhar para outras pessoas trans que possam entrar na GV. Acredito que minha posição como coordenador de Permanência é também ter um cuidado mais especial com essas pessoas que, talvez, uma outra pessoa ou situação não teria. Em relação a Global, é a mesma coisa. Não passei por nada que pudesse ser muito destacável, ainda é uma relação muito tranquila dentro das entidades e a Global em si é quase como uma família.  


Atualmente, notamos um crescimento da atuação de Coletivos na FGV, como o Esperança Garcia e Plutão, de bolsistas, e o 20 de novembro, dos alunos e alunas negros, você acredita que os alunos trans também precisam de um espaço de acolhimento, como no Coletivo Delta?


Vicky Auricchio: Sim, acredito que seria interessante se os alunos trans tivessem um espaço  de integração, como seria o Coletivo Delta. Mas não acho que seria algo muito específico para alunos trans em si, mas para alunos LGBT+ no geral. Já tentei, inclusive, integrar mais com Delta e movimentar mais o Coletivo, mas acredito que por uma transição de direção as coisas não andaram muito bem. Ainda assim, tenho esperança de que, em um futuro próximo, o Delta possa se reerguer e ser um espaço, de fato, de acolhimento para pessoas LGBT. Ou até mesmo, não só acolher, mas como em outros coletivos, que desse para fazer eventos culturais ou informativos e que fosse uma entidade que representasse esse grupo. 


Quando fiz o planejamento deste texto, tive dificuldades em encontrar outros alunos trans na Fundação. Talvez, resultado de uma exclusão dessa população das universidades. Inclusive, algumas instituições de ensino superior públicas já começaram a discutir e pôr em prática cotas trans em seus vestibulares, buscando incluir mais pessoas dessa população. Você acha que essa é uma medida importante e que poderia mudar o cenário da FGV?


Vicky Auricchio: Uma medida afirmativa relacionada às pessoas trans, como outras universidades já vêm fazendo, por exemplo, seria uma medida importante para mudar esse cenário. Quando entrei na GV, senti que estava muito sozinho. Parecia que não conseguia achar outras pessoas que fossem trans ou mesmo que fossem LGBT+. Sinto que é como se parte dessa cultura fosse escondida, que você tivesse primeiro que conhecer as pessoas ou que não fosse algo tão aberto como seria em outras universidades, por exemplo. 


Então, acredito que medidas afirmativas são importantes não só para que (...) as pessoas trans tenham mais acesso a uma educação de excelência em universidades como a FGV, mas também para conseguir colocar pessoas trans em posições de poder em medidas de longo prazo. Isso porque sabemos o quão difícil é para pessoas trans e travestis assumirem posições de poder no mercado de trabalho em geral. 

É por meio de ingressos em universidades que essas pessoas têm a oportunidade de alcançar esses cargos e isso depende, muitas vezes, de sorte ou de uma alta condição financeira. Essas medidas de ação afirmativa poderiam ser pelo menos um passo a mais para mudar esse cenário – não só na FGV, mas também no mercado de trabalho.


Autoria: Erick Martins Rosario

Revisão: Giovana Rodrigues 

Imagem da capa: Vicky Auricchio

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Referências


ARAÚJO, Tathiane Aquino; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim; CABRAL, Euclides Afonso. Registro Nacional de Assassinatos e Violações de Direitos Humanos das Pessoas Trans no Brasil em 2022. Série Publicações Rede Trans Brasil, 7a. ed. Aracaju: Rede Trans Brasil, Uberlândia: IBTE, 2023.


CAVICHIOLI, Anderson. Uma história de extermínio transfóbico no Brasil: a disputa de nomeação do assassinato da travesti Dandara Katheryn. 2019. 94 fls. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, Universidade de Brasília, Brasília/DF, 2019. 


G1. Dossiê revela que 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil em 2024; maioria jovem, negra e pobre. G1, 27 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/01/27/dossie-revela-que-122-pessoas-trans-e-travestis-foram-assassinadas-no-brasil-em-2024-maioria-jovem-negra-e-pobre.ghtml. Acesso em: 31 jan. 2025.


POLITIZE!. Visibilidade trans: o que é e qual sua importância?. Politize!, 2024. Disponível em: https://www.politize.com.br/visibilidade-trans/. Acesso em: 31 jan. 2025.


SENADO FEDERAL. Dia Nacional da Visibilidade Trans: data enfatiza luta pelo fim da violência. Rádio Senado, 29 jan. 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2025/01/29/dia-nacional-da-visibilidade-trans-data-enfatiza-luta-pelo-fim-da-violencia#:~:text=CRIADO%20H%C3%83%20MAIS%20DE%2020,CELEBRADO%20EM%2029%20DE%20JANEIRO. Acesso em: 31 jan. 2025.


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