
Não consigo definir exatamente em que momento dos últimos 20 anos comecei a me interessar por moda. Também não posso afirmar que sempre tive bom gosto para essas coisas, até porque durante grande parte da minha vida meu estilo pessoal se resumiu a calças leggings e moletons que zero me favoreciam em qualquer aspecto. Qualquer aspecto mesmo. Mas, mesmo assim, algo que posso dizer com toda certeza é que sempre tive uma opinião forte a respeito da moda. Sempre fui muito direta naquilo que gostava, e mais direta ainda a respeito do que odiava. Perdi a conta de quantas vezes briguei com minha mãe sobre as roupas que usava, já que os nossos estilos nunca foram lá muito compatíveis. Sério, até hoje quando o assunto é roupa o clima pesa um pouco aqui em casa.
Mesmo assim, quase nunca evitamos o assunto. Acredito fielmente que isso seja porque a moda corre nos nossos genes. Minha avó materna é uma das mulheres mais bem vestidas que já conheci. Ela tem um estilo extremamente clássico, admira cortes retos, peças de alfaiataria e, no que diz respeito aos tecidos, usa algodão, linho e cetim. Já a minha avó paterna é icônica, e um dos meus maiores exemplos quando o assunto é autenticidade: aos 80 anos de idade a querida ainda esbanja por aí seus cabelos curtos e vermelhos, e usa unicamente maquiagem em tons de azul - sempre combinando com as unhas, é claro!
Assim, foi em meio ao refinado e ao despojado que eu cresci com a certeza de que tudo era possível quando o assunto era moda. E é isso que me encanta. É, em grande parte, a moda que nos permite expressar quem somos, que nos torna únicos e nos permite transformar sentimento em expressão sem passar pelos limites impostos pela linguagem. A moda, quando usada pelo seu poder intrínseco de comunicação, se torna cada vez menos relacionada com aquilo que está nas passarelas e muito mais sobre o que está fora delas. A moda, mais do que uma fonte de expressão, é também uma forma de reivindicação e rebelião: e é exatamente essa essência que define a figura de Vivienne Westwood.
Vivienne who? Uma breve introdução à rainha do punk
Vivienne Isabel Swire nasceu em 1941, em uma cidadezinha rural no Reino Unido chamada Glossop. Quando completou 17 anos, decidiu se mudar para Londres, o único lugar em que enxergava alguma perspectiva para sua mente criativa, iniciando a faculdade de artes na Harrow School of Art. Nessa época, o movimento hippie dos anos 60 estava no seu auge, e os vestidos longos, as calças boca de sino e as estampas coloridas beirando o psicodélico ganhavam vez no guarda-roupa de qualquer jovem da época, mas nossa protagonista não estava lá muito encantada com tudo isso. Para ela, a verdadeira inspiração vinha do espírito revolucionário das roupas típicas dos anos 50, especialmente do cenário musical britânico e de seus grandes astros do rock.
Entretanto, um casamento com Derek Westwood – de onde tirou o sobrenome – e uma gravidez ainda jovem fizeram com que Vivienne acabasse priorizando sua vida familiar por um tempo, levando uma vida à la dona de casa. Mas, com tantas ideias implorando para serem executadas, Vivienne logo termina seu casamento e sai por aí determinada a seguir seu caminho no mundo da moda. Foi nesse momento em que conheceu Malcolm Mclaren, um empresário musical britânico que, assim como ela, não via muita graça em todo aquele movimento Flower Power gratiluz que dominava a cena londrina. A conexão foi instantânea, eles se casaram e, em 1971, abriram sua primeira loja chamada “Let it Rock”, localizada na famosa avenida Kings Road.

Malcolm Mclaren e Vivienne Westwood em 1977. Foto retirada da Revista Elle
A loja, que era especializada em artigos dos anos 50, foi o que deu o empurrãozinho que Vivienne precisava para começar a trabalhar em suas próprias criações. Tudo era então marcado por cores como preto e vermelho, correntes de metal, alfinetes, peças de couro e peças de xadrez tartan, um dos queridinhos da estilista. Anos depois, a loja foi rebatizada de “SEX” e começou a ganhar notoriedade, especialmente entre a juventude mais rock ‘n’ roll das ideias.
Tirem as crianças da sala: A moda virou punk!
Nessa época, Malcolm começou a trabalhar com uma banda formada por quatro caras, que ficaram conhecidos como “Sex Pistols”, em homenagem à loja de Vivienne. Aqui faço um adendo: pode até ser que você, leitor, não seja lá muito fã do som deles, mas é inegável que eles foram uma das bandas mais influentes no cenário do punk rock dos anos 70, criando um movimento anti-establishment que viria a influenciar gerações futuras, tudo fundamentado em jaquetas de couro, pinos de segurança que buscavam manter no lugar roupas propositalmente rasgadas e cabelos espetados. E a maior responsável por tudo era Vivienne. Era na sua loja que ela criava os looks e trabalhava, não só na imagem, mas também na essência transmitida pela banda.

Banda Sex Pistols. Foto retirada de Festivals UK
É importante notar que o tópico aqui deixa de ser um pouco as roupas confeccionadas pela Vivienne em si, já que para os jovens entre seus 14 e 19 anos, comprar uma T-Shirt customizada por ela estavam algumas notas fora do orçamento. Entretanto, era esse caráter revolucionário e o espírito de “faça você mesmo” transmitido pela sua criação que faziam com que as pessoas se sentissem livres para experimentar com o seu próprio estilo, fazendo com que tudo fosse sobre originalidade e customização muito mais do que sobre o nome atrelado à etiqueta. Era sobre rasgar suas roupas e remontá-las, adicionar adesivos e patches em um blazer roubado dos seus pais e escrever mensagens com tinta vermelha em simples camisetas brancas. Era essa a essência que transbordava das criações de Vivienne, e que inspirou as gerações que a seguiram.
Foto retirada de Esquire.com
Quem é esse tal de Rock ‘n’ Roll? Como Vivienne Westwood chegou nas passarelas
Com o eventual colapso do Sex Pistols e a queda do movimento Punk Rock, Vivienne acabou renomeando sua loja para “World’s End” e, em 1981, ela e Malcolm lançaram sua primeira coleção conhecida como “Pirate”, sendo até hoje uma das coleções mais icônicas já feitas pela britânica. Após o divórcio com Malcolm, acabou retomando forças para a criação da sua própria marca, que leva seu nome, a qual cuidou até o fim de sua vida. Após se mudar para a Itália, Vivienne foi convidada, em 1984, para apresentar sua primeira coleção solo primavera verão chamada de “Hypnos” e, dois anos depois, apresentou ao mundo seu icônico logo apelidado de “The Orb”, que se trata de um orbe típico das joias da coroa britânica com um anel de saturno em volta, simbolizando a tradição e o futuro.
A partir desse ponto, Vivienne desabrocha como uma das maiores estilistas do seu tempo, mantendo sempre sua estética única e revolucionária. Em 1989, é listada como uma dos seis designers mais influentes do mundo, chegando até a receber um Título Oficial da Ordem do Império britânico em 1992, sendo convidada pela própria rainha Elizabeth II para ir ao palácio de Buckingham – ocasião na qual a estilista fez questão de deixar claro que não estaria vestindo nada por baixo da saia. Fofa.

Vivienne no palácio de Buckingham em 1992. Foto retirada da revista Vogue
A inspiração da britânica então começa a se afastar um pouco das calças de couro apertadas da juventude punk, e começa a se aproximar de elementos clássicos da monarquia britânica, sempre mantendo suas críticas como forma de paródia em suas criações. Nessa era, ganham vez o veludo, corsets estilizados e colares de pérolas. Entretanto, muitos dos elementos rock ‘n’ roll são resgatados no final dos anos 90 com a coleção “Anglomania”.

Foto retirada de Viviennewestwood.com
A moda como ator político: O ativismo tá na moda!
As criações de Vivienne sempre estiveram ligadas à reivindicações políticas e sociais, e foi, através da moda, que muitas das causas defendidas por ela ganharam voz e espaço na sociedade. Desde os anos 2000, ela usava sua influência para protestar a favor de causas como o desarmamento nuclear, contra prisões ilegais e até mesmo o Brexit. Entretanto, sua maior motivação estava ligada à causa ambiental. Em 2012, Vivienne inaugurou a Revolução Climática e, mesmo depois de sua morte, a marca continuou a reunir instituições e indivíduos para levantar suas reivindicações a respeito da causa climática, e a influenciar marcas a se voltarem para a sustentabilidade, algo que, vamos combinar, é extremamente necessário quando a assunto é a indústria da moda. Ela também escreveu um manifesto político chamado de “Active Resistance to Propaganda” e foi usando seus desenhos gráficos, que antes estampavam as camisetas de grandes nomes do punk rock, que ela projetou cartazes e logos que são usados como símbolo da revolução climática até hoje.

Vivienne Westwood em 2012. Foto retirada da Revista Grazia
God Save the Queen: O legado de Vivienne Westwood
Vivienne Westwood faleceu em 29 de Dezembro de 2022, aos 81 anos. Com sua abordagem inovadora e irreverente, ela transformou a moda em um veículo de expressão política e social. Sua influência não apenas mudou a forma como as pessoas se vestiam, mas também como elas pensavam sobre a moda e sua relação com a sociedade, inspirando milhares de pessoas até hoje, não só através de designs para lá de icônicos, mas pela sua rebeldia e espírito revolucionário. A verdade é que Vivienne Westwood fez muito mais do que simplesmente história: ela fez moda.

Foto retirada da The Economist
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