Com mais uma crise de gripe se espalhando pela minha faculdade, me encontro na minha sala de TV, com um rolo de papel higiênico ao meu lado, assistindo a algum filme que meu pai recomendou e que provavelmente não vou gostar. Esse tempo, isolada da minha rotina acelerada de estudante, atleta, amiga e namorada – queira eu ou não – me faz parar e olhar ao meu redor de forma diferente. Nessas horas, sou tomada por um dilema: aproveitar esse tempo sozinha para encarar de frente tudo o que deixo passar despercebido no meu frenético dia a dia ou mergulhar profundamente na televisão, na esperança de afogar qualquer pensamento? A escolha parece óbvia. Até que, em uma dessas tardes lentas, me deparei assistindo a um TED Talk na seção dos meus vídeos recomendados no YouTube. O título: "Como conversar com as piores partes de você mesmo".
No vídeo, a convidada Karen Faith, se descreve por meio de várias versões de si: sua versão sentimental, sua versão intelectual ou analítica, sua versão extasiada por estar no palco e sua versão apavorada por estar no TED, entre muitas outras. Ela explica como nós, seres humanos, aceitamos ter esses sentimentos conflitantes – como podemos amar alguém que nos fez mal, como podemos estar animados para começar um novo trabalho, mas também exaustos com a ideia de recomeçar. Se essas experiências são tão normais, por que não tratamos os sentimentos conflitantes que temos sobre nós mesmos da mesma forma? Muitas vezes encaramos nossas culpas, ressentimentos e dores como algo que encobre nossas conquistas, qualidades e verdades. E assim, procuramos escapes – exercícios, festas, drogas, amor – na esperança de silenciar esses pensamentos negativos. Mas seria possível viver em harmonia com as partes boas e ruins de si mesmo?
É com essa pergunta que Faith traz à tona o conceito de “boas-vindas incondicionais”, que, essencialmente, seria conhecer as partes ruins de si mesmo com outro olhar. Um olhar que não tolera, sente pena ou julga; nada disso. Um olhar que simplesmente recebe. É dessa forma que conseguimos enxergar as raízes de cada questão. Com isso, essa parte do vídeo me trouxe de volta às minhas aulas de filosofia do segundo ano do ensino médio. Assim como Kant dizia: “A verdadeira compreensão surge quando deixamos de lado noções preconcebidas e permitimos que os fenômenos se revelem em sua complexidade.” Era essa a tal da humildade epistêmica, mas, dessa vez, aplicada a si mesmo.
Acolher suas partes ruins incondicionalmente faz com que você as veja mais claramente e entenda de onde elas vieram. Se você não ama a parte de si que desconfia do mundo inteiro, ame a parte de si que quer protegê-lo tanto que nada no mundo parece seguro o suficiente. Suas partes ruins podem ser apenas derivações das suas partes boas. Para entendê-las é preciso falar consigo mesmo sem julgamento; é preciso ser um mediador entre a parte boa e a ruim. Pergunte à parte ruim como você pode ajudar e o que pode aprender com ela. Entenda que para enfrentar as piores partes de si mesmo é preciso reconhecer suas múltiplas subpersonalidades como únicas - cada uma com suas próprias emoções, desejos e papéis. Todas elas se desenvolvem como mecanismos de enfrentamento em resposta às experiências de vida. Converse, entenda, aprenda sobre cada. Promova o equilíbrio através da tolerância.
Autoria: Nina Neves
Revisão: Artur Santilli, Ana Carolina Clauss, André Rhinow
Imagem de capa: Pinterest
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