Como todo aluno da GV, fui tentado a entrar em infinitas entidades e projetos de extensão, dentre eles, a grande Gazeta Vargas e, como todo aluno da GV, vivo uma vida cheia de tarefas. A Gazeta, que um dia foi um espaço de expressão, com o passar do tempo se tornou mais uma dessas infinitas obrigações às quais esse gvniano se submete. De repente, (ou não tão de repente assim), sou confrontado com mais um prazo: tenho que escrever um texto até dia tal. Meu primeiro impulso é pensar “não vou escrever, dane-se!”, mas então lembro da minha querida Editora-chefe, que por incontáveis vezes fez vista grossa pra minha vagabundagem, e fico com pena dela. “Tudo bem, dessa vez tenho que escrever alguma coisa”, penso. Mas escrever o que, se não tenho vontade de escrever sobre nada?
Seguindo a receita de quase todos os redatores da Gazeta, penso em escrever um “relato pessoal”. Pronto, problema resolvido: é só escolher um dos meus problemas existenciais com o qual as pessoas podem se relacionar e expor minha vida e intimidades para quem quiser ler. É o que praticamente todos nessa entidade fazem todo mês, (ou já fizeram pelo menos uma ou outra vez). Certamente questões é o que não faltam: problemas da graduação, dúvidas sobre o futuro, família, preconceito, problemas seríssimos de saúde, traumas, amizades, desilusões amorosas, novas paixonites e a lista poderia continuar.
No entanto, falar sobre minhas dores me coloca em uma posição extremamente desconfortável. O que as pessoas vão pensar se eu disser que quase morri ano passado? O que as pessoas vão pensar se eu disser que, por três vezes diferentes, me apaixonei por um cara que não se importava comigo? O que vão pensar se eu disser que posso estar repetindo o padrão de novo? O que as pessoas vão pensar se disser que comecei a sentir o mais profundo nojo por quase todos da minha turma? Será que vão pensar que sou um amargurado? Será que entenderiam meus motivos? Novamente, a lista poderia continuar…
Acho que no final do dia muito na minha vida, na vida de todo o jovem e, sobretudo, na vida de todo o gvniano se resume a isso, não?! “O que será que vão pensar de mim?”. Olho ao meu redor e vejo pessoas que são fotocópias umas das outras, todas fazendo as mesmas coisas sem brilho nenhum nos olhos, simplesmente porque “trabalhar em M&A no Machado Meyer paga bem pra caralho e quero ser efetivado e virar sócio”! Porque, por Deus, o que vão pensar deles se não for assim? Olho à minha volta e não vejo quase ninguém que está realmente feliz com a própria vida e me sinto o profeta da felicidade ao constatar o óbvio. Afinal, como poderiam estar felizes se estão vivendo uma vida para agradar aos outros?
Quando escolhemos ser fotocópias, anulamos a nossa identidade, subjetividade e personalidade para conseguirmos virar um modelo do comercial de margarina. Um casamento monogâmico e heteronormativo, uma vida com vestes burguesas que, porém, na realidade não passa de uma vida “proletária premium”. Mas tudo bem, porque posso morar em um apartamento chique em Moema e meus filhos, Enzo e Valentina (inserir sobrenome italiano/alemão/português genérico), vão estudar na Móbile (ou no Vértice). Alternativamente, se eu quiser pagar de desconstruído posso morar em Pinheiros, (mas preferencialmente no Alto de Pinheiros), e o Enzo e a Valentina podem estudar no Santa Cruz. A vida poderá, então, ser perfeita, um verdadeiro comercial de margarina.
Acontece que o comercial de margarina é uma peça publicitária feita por algum(a) ex-aluno(a) de Publicidade e Propaganda da ESPM. Ou seja, acredite se quiser, mas ele não é a vida real. O marido ou esposa não vai ser tudo aquilo e, depois do segundo filho, ano após ano a atração entre vocês vai diminuir, até que você vai se ver preso(a) em um casamento sem amor e conexão alguma. Sexo? “Papai e mamãe” uma vez por mês, e olhe lá. O Enzo e a Valentina vão ser mimados, alienados da realidade e, sejamos sinceros, vão dar problema. Todo mês você vai ter que ir na coordenação para discutir as notas do Enzo, (principalmente se ele estudar no Vértice). Se ele estudar no Santa você vai ter que explicar porque ele está mais preocupado em fumar maconha no Parque Villa Lobos do que em estudar. Seu trabalho vai ser um inferno na Terra e sua maior diversão vai ser falar mal dos colegas de trabalho. Isso vai te dar mais tesão do que seu marido (ou esposa). A lista de problemas poderia continuar sem parar, mas tudo se resume à pergunta de 1 milhão de dólares: Você seria feliz?
Você seria feliz levando essa vida que o capitalismo embalou e vendeu pronto para nós como a fórmula mágica para a felicidade? É nesse espírito de dúvida, de perguntar mais do que responder, que a cada dia tenho uma nova dúvida ao colocar em xeque um sonho que sempre tive para mim como algo dado. Por que será que quero tanto acabar em um relacionamento monogâmico heteronormativo? Por que será que quero tanto ter filhos? Por que será que quero tanto trabalhar com direito? Por que será que quero tanto morar no Alto de Pinheiros? Mais uma vez, as perguntas poderiam continuar infinitamente, mas esse é o espírito. Somos jovens e esse é o momento da vida em que temos que viver, fazer perguntas, explorar e descobrir respostas. Tudo isso na esperança de que não terminemos infelizes em uma vida que não é nossa.
E você? Já teve a sua crise existencial de hoje, ou está mais preocupado com o M&A do Machado Meyer?
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Autoria: Linneo Adorno
Revisão: Enrico Recco, Sofia Nishioka e Laura Freitas
Imagem de capa: Pinterest
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