O último encontro do evento “Amanhã Vai Ser Outro Dia”, organizado pelo Diretório Acadêmico da FGV em parceria com a Estudos de Política em Pauta (EPEP) e a Gazeta Vargas, aconteceu nessa última quinta-feira (18/11). Ao todo, os alunos que se interessaram em discutir os entraves por trás da situação atual do Brasil puderam assistir a cinco palestras ministradas por profissionais da área da ciência política e da administração pública. Segundo seus organizadores, o projeto nasceu, justamente, da vontade de introduzir pautas políticas e sociais às discussões que permeiam o corpo discente da fundação. No dia de seu encerramento, o evento contou com a presença ilustre de Fernando Burgos, doutorando em Administração Pública pela FGV e conselheiro no Conselho Superior da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo, para falar sobre vulnerabilidade social, com foco na extinção do programa Bolsa Família em outubro de 2021.
O conceito de vulnerabilidade advém do latim vulnerabilis, termo que define alguém como ser passível de ser ferido ou atacado. O termo tem, desde então, ganhado espaço na discussão política, sendo mobilizado de diferentes modos ao longo da história. Na década de 80, a ONU publicou um dos primeiros relatórios de importância internacional acerca dessa questão, o UNDRO (02)/N2, entretanto, o documento apresentava um discurso que correlacionava o estado de vulnerabilidade exclusivamente a impactos ambientais, como desastres naturais e acidentes geográficos, excluindo, de seu tratamento, a questão social. No decorrer da década de 90 e dos anos 2000, com a intensificação da interdependência entre os países através da globalização e o aumento de problemas transnacionais no cenário internacional, a exemplo das consequências socioambientais advindas da mudança climática, o debate sobre vulnerabilidade ganhou espaço no âmbito acadêmico e adquiriu uma nova dimensão. A vulnerabilidade passou então a ser analisada como uma questão quase que fundamentalmente humana, como se todos nós estivéssemos vulneráveis em certos aspectos.
A pandemia de COVID-19 foi utilizada pelo professor Burgos para demonstrar explicitamente essa característica. Ao impor danos e consequências a todos, como a falta de leitos e ventiladores em todas as regiões do país, a pandemia demonstrou o caráter abrangente da vulnerabilidade, apesar de tais problemas terem afetado parcelas diferentes da população de formas distintas, principalmente por causa da desigualdade econômica. Durante sua apresentação, Burgos defendeu que, mesmo em um cenário onde estamos todos suscetíveis a algum tipo de vulnerabilidade - a exemplo da vulnerabilidade habitacional, daquelas que envolvem questões raciais e de gênero, e da fragilidade física e social relacionadas a diferentes faixas etárias - a pobreza e questões envolvendo a renda funcionam como um mecanismo que agrava a vulnerabilidade de certos indivíduos dentro de um mesmo grupo.
É difícil pensar nas crises que colocam os seres humanos em posições de vulnerabilidade sem ignorar que elas tendem a ser inerentes ao sistema capitalista, que é predominante no mundo hoje em dia. O liberalismo mostra-se progressivamente pior em oferecer soluções efetivas para problemas que podem ser um produto da globalização e do avanço tecnológico nas indústrias, vide a crise climática e a pandemia da covid-19. Quando perguntamos ao palestrante o que ele pensava a respeito da mobilização de programas governamentais a fim de remediar questões estruturais, ele concordou que as vulnerabilidades sociais são, sim, um problema sistêmico; mas também expressou sua convicção sobre a existência de redutores de desigualdade que possam atender à urgência da construção de um sistema mais justo sem que seja necessária a revogação do atual. “Precisamos criar alguns colchões para diminuir as vulnerabilidades”, ele disse.
Como uma das pautas finais de sua palestra, Fernando Burgos discorreu a respeito da insegurança alimentar e do agravamento da fome no Brasil com o intuito de realizar uma análise de uma das principais formas de vulnerabilidade social presente atualmente no país. Na análise do professor, a fome é um projeto político brasileiro que tende a ser agravado por escolhas e decisões públicas mal formuladas e que programas de auxílio social como o Bolsa Família já demonstraram a capacidade do país de lidar com a questão. Entretanto, em outubro deste ano, o governo Bolsonaro acabou com o Bolsa Família após 18 anos da criação do programa, instaurando em seu lugar o Auxílio Brasil. Para Burgos, questões a respeito das indefinições acerca da logística e funcionamento prático, além da priorização do debate econômico acerca do teto de gastos em detrimento da participação do Ministério da Cidadania na formulação de debates sobre a eficácia das políticas públicas a serem adotadas, fazem com que o Auxílio Brasil seja um programa mal formulado.
Do ponto de vista do palestrante, o Bolsa Família possuía problemas que deveriam ser controlados para que fosse capaz de solucionar o quadro de fome no Brasil: seu poder de compra estava historicamente decaindo, o que justificava a necessidade de se realizar um reajuste. Com o seu fim, o governo vigente teria desesperadamente proposto um programa substituto que carece de planejamento e desconsidera a realidade da população que vive abaixo da linha da pobreza no país, o Auxilio Brasil. Ao final da palestra, Burgos reiterou que falta um pouco de timing e solidariedade para discutir vulnerabilidade social neste momento no Brasil. Contudo, ele acredita que um projeto como o “Amanhã Vai Ser Outro Dia” traz esperança para o futuro, pois demonstra a existência de jovens bem qualificados que estão incomodados e com vontade de mudar o presente: “Confio em vocês e amanhã vai ser outro dia, vai passar.”
Autoria: Beatriz Nassar e Victorya Pimentel
Revisão: Letícia Fagundes
Imagem de Capa: Jornal da Franca
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